Wagner Moura realizou o sonho de qualquer cara da minha
geração.
Cantou com a Legião Urbana.
E foi uma demonstração de coragem, porque ele sabia que
inevitavelmente seria julgado, comparado, avaliado e invejado.
Mas ele foi muito bem.
Não se preocupou em imitar o Renato Russo, nem em
interpretar as canções com um olhar próprio. Cumpriu a tarefa com o coração.
Era mais um fã cantando. Muito longe de se qualificar como um cantor
profissional.
Isso foi muito legal, porque ele não concorreu com a plateia.
Ao contrário, adotou uma postura colaborativa.
Foi emocionante ver a Legião novamente num palco. Ainda que
o Renato Russo não estivesse presente cantando, sua obra estava lá, nos
mostrando sua humanidade. Aliás, o homem é o único animal que tem biografia.
Talvez isso nos faça pensar, cada um no seu espaço e com sua vidinha em como
nossas obras e ações podem ser perpétuas ou descartáveis, dependendo do que buscamos
nesta experiência de vida.
Talvez, hoje em dia não se tenha muita dimensão, mas nada
foi mais marcante na juventude da minha geração do que as canções da Legião.
A cada roda de amigos se cantarolavam alguns lindos versos
da banda.
Lembro muito das viagens de ônibus que eu fazia Brasil afora
com a galera do movimento estudantil. Não existia quem não soubesse quase todas
as músicas do Renato.
E sempre tinha alguém que começava puxando:
“Não tinha medo o tal João de Santo Cristo era o que todos
diziam quando ele se perdeu...”
Necessariamente, continuava o coro com a galera cantando: “deixou
pra trás todo o marasmo da fazenda...”
E assim ia, até que finalmente chegava no “Sofreeeeer”!!!
Doze minutos de música.
Cada um tem suas experiências e momentos marcantes com as
canções.
Ficamos adultos ouvindo a Legião. E essa nossa geração
Coca-Cola de filhos da revolução e burgueses sem religião não tinha tantas coisas
para celebrar. Quem conhece um pouco de história, sabe que os anos 80 foi a chamada
“década perdida”. Tudo bem se as coisas nos anos 90 tivessem ficado melhores, mas
o fato é que mergulhamos num poço de mediocridade e frustração.
Nossa geração não se alienou. Mas foi alienada do processo
histórico. Roubaram-nos a possibilidade de decidir sobre o nosso próprio
destino. A década de noventa seria o “fim
da história”. Com a queda do Muro de Berlim, deveríamos nos adequar a nova
realidade global, com um único modelo político e econômico e um único modo de
vida possível.
A felicidade e a realização poderiam ser somente encontradas
no interior de cada indivíduo e nossa experiência pública estaria restrita, a
partir de então. Viveríamos cada um por si.
A doença da nossa geração não foi a AIDS, mas a depressão.
Portanto, não é à toa que as canções da Legião Urbana não
sejam contemplativas. Alguns críticos mais dados à euforia consideravam as
letras depressivas.
Mas nos dias de hoje, introspecção significa necessariamente
tristeza. Porque as pessoas não podem olhar para dentro de si. Devem evitar a
dor a qualquer custo e desfrutar um permanente estado de êxtase.
A geração micareta não conseguia entender esse lance da
Legião.
Não que curtir o som da Legião Urbana, seja um privilégio
dos trintões ou quarentões. Ao contrário. As canções tem o potencial de tocar a
alma de velhos, jovens, recém-adolescentes e até mesmo crianças.
Quando eu era moleque e ouvia a Legião todos os dias,
detestava quando algum velho dizia: “no meu tempo as coisas eram melhores”.
Então eu não vou dizer nada disso.
Apenas que essas bandinhas EMO’s são muito ruins. E não é um
problema necessariamente de uma geração de compositores e músicos. Trata-se de
experiência histórica. Ninguém mais se arrisca, se doa ou se gasta para tratar
de questões profundas e sensíveis ao ser humano.
Tá tudo na base da compulsão mesmo.
Mas o tributo foi muito legal.
Se a Legião Urbana perdeu com o Wagner Moura em afinação,
ganhou em excitação e empolgação.
Até porque, verdade seja dita, o Renato Russo tinha uma má
vontade dos infernos para fazer shows.
Vamos dar um desconto para o Wagner porque ele não é cantor.
Já tinha gente gritando: “pede pra sair”!
Ele está de parabéns!