O Corinthians tem perdido seus últimos
jogos. Não faz gols há um zilhão de anos. Algumas contratações não deram certo.
Outras ainda não despertaram.
Desde que o Corinthians se converteu
em Campeão do Mundo - e seu esquema tático passou a ser estudado pelos principais
(e também “não principais”) analistas de futebol nacionais e internacionais
como um “case” de sucesso - o técnico Tite parece ser incapaz de se atualizar e
apresentar variações táticas capazes de surpreender os adversários.
Apresenta-se para os Corinthianos o
fim de um ciclo, e necessariamente o começo de outro. Alguns jogadores sentem
nas pernas o peso da idade, ou o peso do bolso parece limitar maiores ambições
do que as anteriormente conquistadas. Falta desejo. Falta o “encanto”.
Este “encanto” parece ser algo muito
subjetivo para os profissionais planilheiros e tecnocratas de um futebol cada
dia mais pragmático.
Porém, é necessário dizer que esse
time que se converteu em campeão do mundo jamais se configurou como um súper
time.
Houve um pacto coletivo entre o
departamento de futebol e comunidade corinthiana, objetivando a conquista da Copa
Libertadores e o triunfo no Japão. A expectativa geral de um feito histórico motivou
os jogadores.
Era um time muito querido. Jogadores
de sucesso no mundo da bola, porém que não foram verdadeiros ídolos em lugar
nenhum. A maioria deles com considerável “rodagem”. Ainda que não fossem
craques, eram os chamados jogadores de “jogo difícil”. Gostavam de partidas
grandes. Sabiam decidir.
Foi um momento ímpar em nossa
história, que para sempre será recordado.
Mas, como disse anteriormente, este
time dependia desse “encanto” que também não é uma coisa só. É muito difícil de
explicar em poucas palavras. O fato é que este “encanto”, como não poderia
deixar de ser, haveria de acabar em algum momento. E acabou! Talvez tenhamos
ainda alguns lampejos, mas estão mais para instantes de contemplação, do que um
projeto futuro estável.
Mas o que se percebe, é que embora a
“crise” de esgotamento deste elenco atormente os torcedores do Corinthians, não
é a seqüência de jogos que preocupa verdadeiramente a comunidade.
A verdade é que estamos diante de
grandes escolhas históricas daqui por diante.
A “crise” em si, é coisa do mundo da
bola. Acontece de tempos em tempos. Nada desesperador, principalmente para o
torcedor conrinthiano que projeta no clube uma representação fantástica da vida,
com época de vacas gordas e também de vacas magras. Até que o Corinthians em
crise fica muito mais próximo de quem a gente é de verdade.
Não somos colecionadores compulsivos
de campeonatos.
O que diferencia o Corinthians das
outras equipes é que mais do que títulos e esquadrões, o que encanta é a
experiência de ser corinthiano. Isso sim é definitivo.
Logo, a crise no âmbito do futebol não
é tão complicada. Isso se resolve.
O que preocupa mesmo é a crise nesta
“experiência” de ser corinthiano.
Vou tentar ser mais preciso a diante.
O Corinthians é o Time do Povo. Não é
o Time do Pop.
A chegada de Ronaldo, quatro anos
atrás, foi uma verdadeira revolução no Corinthians.
Havia um consenso quanto ao infinito
potencial do Corinthians no mundo dos negócios. Ser bem sucedido no “mercado da
bola” seria fundamental para a realização de grandes sonhos esperados em nossa
história. Sonhos que sonhamos desde o início de nossos dias. Uma realização que
alguns especulavam como impossível de se concretizar.
Quando Ronaldo, o jogador mais
espetacular e bem sucedido do futebol moderno escolheu o Corinthians para
jogar, como forma de restaurar a sua imagem, concluir com sucesso a sua
carreira e também ganhar muito dinheiro, houve um efeito decisivo na maneira
como o Corinthians passou a ser visto pelos profissionais e investidores do
futebol.
No passado, tivemos “pernas de pau”
que passaram pelo Corinthians sem condições de reconhecer as possibilidades que
se abriam e agindo com indiferença diante deste monstro chamado Corinthians, Depois
de Ronaldo, nenhum outro jogador pôde deixar de reconhecer esta oportunidade.
Este foi o maior legado do Fenômeno.
As portas se abriram. O futebol no
Brasil se profissionalizou ainda mais. Abriu-se a oportunidade para que os
clubes negociassem mais do que jogadores, mas o valor de suas marcas.
E o Corinthians deslanchou.
Foi tudo tão rápido.
Não nos falta nenhum campeonato, nem
Centro de Treinamento e agora nem estádio.
Todos os nossos “complexos” foram
enterrados.
Olhamos para o futuro e sentimos certo
temor, pois não nos reconhecemos totalmente.
A demanda por ingressos dos jogos
aumentou muito nos últimos anos. O time vencia e a oferta era restrita para
tanta paixão.
Voltemos à questão da experiência.
Para o corinthiano, não basta o time vencer. Desde que nos entendemos por
gente, nós queremos mesmo é viver o Corinthians. Estar com o Corinthians.
Participar da história do Corinthians. Viver em comunidade. Compartilhar o
Corinthians com os nossos irmãos. Exercitar a solidariedade tão característica
entre os Corinthianos.
Mas a oferta restrita diante da
demanda provocou um processo gradual de exclusão de torcedores apaixonados que
cada dia mais foram “distanciados” dos estádios.
Não há nada que exista no Corinthians
que não exista no conjunto da sociedade.
E o que dói no peito do Corinthiano,
mas do que as derrotas no campo é a Exclusão Social.
Como quem pode mais chora menos, os
torcedores mais pobres assistem um Corinthians próspero, mas gradativamente
inalcançável.
E talvez, estes torcedores mais pobres
sejam aqueles que mais sofrem com esta exclusão, pois o Corinthians era algo que
compensava tantas outras perdas. A oportunidade de experimentar algo
fantástico. A porta de entrada para a história, para a vida social e para a
cultura popular foi de repente batida na cara do povo pobre.
Se a injustiça social é a principal
causa da violência urbana que fere a alma de tantos brasileiros no dia-a-dia, o
afastamento do torcedor pobre tem causado o “insolidarismo” entre os
Corinthianos.
Neste momento, os torcedores apontam
os dedos na cara uns dos outros, como que cobrando pela ruptura de um
Corinthians que pouco a pouco vai se transformando.
Prova disso foi a mágoa de muitos
torcedores que não puderam participar da Festa de Aniversário do Corinthians no
último final de semana.
Esta festa que deveria mesmo ser
encarada como um evento corporativo, que ocorre todos os anos nas grandes
empresas, causou certa confusão.
Repetindo, não há nada no Corinthians
que não exista no conjunto da sociedade. Simplesmente porque o Corinthians não
está fora desta sociedade, igualmente, é parte integrante desta. Tudo bem,
talvez a melhor parte. Mas é parte do todo. E a política continua se fazendo
com as mesmas ferramentas de sempre.
O novo estádio de Itaquera é realmente
fantástico. Impactante. Certamente será decisivo na construção de um “novo tipo
de torcedor”. O ambiente será determinante para o jeito corinhiano de torcer.
Não adianta fechar os olhos. Ainda bem que este estádio foi construído em
Itaquera.
Se todos lamentamos as injustiças. Se
por vezes denunciamos o descaso com o torcedor nos estádios de futebol, não
devemos então relutar ao imaginar o nosso povo desfrutando um espaço
confortável e bonito para exercer a antiga paixão.
Se sonhamos com bairros melhores, com infraestrutura
urbana, esporte, lazer e educação, não tem porque deixar de desejar que nosso
torcedor possa frequentar um lugar tão bonito e bacana.
Trata-se apenas de pensar para quem
este Corinthians continuará existindo.
Assim como não adianta a gente
lamentar a riqueza ou o crescimento do Brasil, trata-se também de discutir como
essa riqueza será distribuída para o bem-estar social dos nossos cidadãos.
Estamos diante das mais importantes
escolhas históricas e os torcedores devem sim agarrar pelas unhas o Corinthians
que aprendeu a amar.
O Corinthians sabe de seu infinito
potencial para num futuro próximo lutar de igual para igual com as grandes
potencias do futebol mundial.
Sabe também que para que isso ocorra é
preciso muito dinheiro e eficiência.
Mas talvez, os principais artífices
desta reforma na gestão do Corinthians não tenham ainda entendido o que
realmente a fiel torcida ambiciona.
Queremos sim vencer. Confirmar o
potencial de nosso povo para as conquistas. No futebol e pedagogicamente para
além dele. Mas não queremos um Corinthians inalcançável para nossa gente.
O período em que nossa torcida mais
cresceu, foi coincidentemente no período em que ficamos décadas sem um título
sequer. Santos e Palmeiras eram os clubes paulistas que estavam entre os
grandes do futebol nacional. Ainda sim crescemos mais.
Por que seria? O povo gosta de sofrer?
Hoje tudo é muito diferente?
Nada disso. A questão era a identidade
social. A maneira como o Corinthians jogava era a mesma maneira como a vida de
seu povo era vivida. O time dos pobres, retirantes, imigrantes, favelados era o
Coringão no Nosso Coração, o Bão!
Esse povo lutou e continua lutando.
Vencendo obstáculos. E não vai deixar de vencê-los.
Não temos perder nossa conexão com a
vida social da nossa gente.
Se agora temos uma melhor condição
econômica. Que bom! Isso não deveria ser um problema. Mas devemos tomar uma
decisão definitiva para o futuro. Manter o Corinthians próximo da realidade de
seu povo.
Não importa que a gente não vença
todos os campeonatos possíveis. Não importa que não tenhamos sempre um
esquadrão vestindo nossa camiseta que deve ser pra sempre preta e branca. O que
não pode ocorrer, é que o Corinthians deixe de nos pertencer. Que escorregue entre
os nossos dedos. Que ele crie asas e voe de nossas vidas simplesmente porque
não temos mais dinheiro para acompanhá-lo.
O futebol – e em especial o
Corinthians – atende a um propósito muito maior do que o entretenimento
desportivo. É cultura, identidade. É a maneira como a gente projeta de verdade quem
a gente é.
Se os argumentos sociais não são suficientes para os burocratas do futebol ou os marketeiros de plantão que
imaginam terem inventaram o mundo. Vamos então falar de negócios.
Existe um discurso predominante –
simplesmente porque os engomadinhos falam à rodo e não há ninguém para
contestar – fruto da sanha neoliberal de nossos tempos, de que o futebol é um
negócio como outro qualquer.
Pois bem, não existe somente um modelo
de negócios possível.
Aliás, não é por acaso que o
Corinthians tem faturado tanto com patrocínio e propaganda.
Acreditem, não é obra de nenhum gênio
do Marketing Comercial.
Veja, o Corinthians é a porta de
entrada para a nova classe média.
Pouco interessam (neste caso) os
conceitos do que vem a ser o padrão de classe média, mas efetivamente, trata-se
da classe em que houve maior mobilidade social nos últimos anos.
Embora as diferenças sociais continuem
gritantes e escandalosas, os mais pobres tem aumentado sua renda
comparativamente de maneira muito mais acelerada do que o topo da pirâmide, em
termos relativos, obviamente.
As grandes empresas arregalam seus
olhos para este filão de mercado que só vai crescer.
O mercado exterior vê com interesse
este novo ator econômico e social que veio para ficar.
Não faz sentido o Corinthians,
justamente neste momento, virar as costas para este povo.
Quarenta e três por cento da receita do
Corinthians vem de direitos de televisão. Dezoito por cento de patrocínio e publicidade. Estas receitas dependem efetivamente do interesse do consumidor,
basicamente, a paixão do corinthiano. Este interesse pelo futebol não se mantém
aleatoriamente. A cultura de frequentar o estádio de futebol é decisiva na
formulação da experiência do torcedor. É na arquibancada que o torcedor é formado.
Onde ele se torna fanático, ou um consumidor interessante para o mundo dos
negócios.
“Esfriar” o torcedor Corinthiano, para
que ele se transforme em algo diferente do que ele efetivamente é, torna-se no
mínimo uma estupidez.
Sem contar que para além dos negócios,
isso seria uma violência cultural e histórica.
Manter a paixão Corinthiana, zelar por
nossas tradições e manter a identidade social entre o Corinthians e seu povo são
tarefas fundamentais daqui por diante.
O Barcelona que é o clube mais bem
sucedido do mundo do futebol fez suas escolhas históricas, mantendo sua conexão
com seu povo. Deixou de ganhar alguns bilhões se vendendo para certos tipos de
faraós? Não se sabe. Mas certamente fez uma escolha justa que lhe confere um
papel de destaque no cenário internacional.
Não queremos ser o Barcelona, nem o
Chelsea, nem o Manchester, nem ninguém.
Nós queremos continuar sendo o
Corinthians!
E vamos lutar contra o apartheid nos
estádios, da mesma forma que devemos lutar contra a exclusão nas grandes
cidades.
O Corinthians é do povo.
Estamos felizes com os títulos. O
estádio vai ser mágico. Mas sem o povão lá dentro não vai ser nunca o estádio
do Corinthians de verdade.