segunda-feira, 28 de abril de 2014

Não Somos Todos Macacos



Admiro e compreendo a solidariedade de alguns amigos contra os ataques racistas nos estádios de futebol, em especial o último sofrido pelo Daniel Alves. 

Sei que a intenção é das melhores. No entanto gostaria de dizer que:

1- O Dani Alves agiu bem diante das circunstâncias daquele momento, optando pela irreverência. No entanto ele poderia sim ter optado pelo confronto e enfrentamento. E também seria muito digno se o fizesse. Logo mais uns e outros vão exigir que os negros tolerem o racismo com irreverência e aceitem "numa boa", quando eles deveriam mesmo é enfrentar a situação e denunciar na justiça!

2- não somos todos macacos. Somos TODOS IGUAIS! Porém não como macacos. Somos iguais como homens e mulheres portadores de direitos humanos e civis, além das obrigações e deveres que compartilhamos.

Entendo o espírito do protesto de quem diz ‪#‎somostodosmacacos‬
Porém, não deveríamos retornar ao nosso "estado de natureza" para supostamente "avançar". Alí, estaríamos todos entregues a barbaire e a guerra de todos contra todos.

Melhor do que mostrar banana nas fotos seria mostrar a Constituição Federal ou a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

terça-feira, 22 de abril de 2014

Do nosso jeito bem sofrido. Bem-Vindo à Itaquera!



Não há nada na vida do Corinthians que não seja sofrido.
Com nossa casa própria não seria diferente.
Desde Pedro Álvares Cabral até os dias de hoje, todo mundo gozou a vida. Quando chega a nossa vez todo mundo resolveu ser moralista.
Os privilegiados de sempre, que historicamente se apropriaram das riquezas nacionais e jogaram algumas migalhas para o restante da nação, de um dia para o outro se tornaram arautos da correção e da preservação da coisa pública.
Pouco importa que o desenvolvimento econômico e social esteja concentrado em algumas poucas ruas e avenidas de um pedaço pequeno da cidade, frente a enorme periferia entregue ao flagelo.
Sim, ali onde estão os bons bairros da cidade os ricos se apropriaram dos investimentos do Estado. Viadutos, metrô, túneis, universidades, museus, estacionamentos, saneamento básico, praças floridas, calçadas bem cuidadas, faixas de pedestres bem pintadas, iluminação pública, postos da polícia, rondas ostensivas, segurança privada, tudo muito diferente do resto da cidade.
Tudo bem. Não somos contra as ruas bonitas e bem cuidadas. Deixa lá. Está bonito, então tudo bem. Afinal de contas, o povão também trabalha naquele eixo da Vila Olímpia, Brooklin, Itaim, Morumbi, Pinheiros, Paulista. O problema é que a cidade inteira tem que ir e voltar para lá todos os dias. Não por acaso temos um problema tão grande de deslocamento urbano em São Paulo.
Nos prédios modernos da Berrini ou da Faria Lima, trabalham milhares de pessoas. Meia dúzia mora ali nas redondezas. A parte mais privilegiada é claro. De resto, o povão se amontoa nos trens e ônibus lotados. Ou parados dentro do carro na Marginal Tietê, esperando a hora de chegar em casa para descansar um pouco e quem sabe encontrar o filho acordado. No outro dia é a mesma coisa. Bora acordar bem cedo para fazer tudo de novo. Saindo de casa rumo às ilhas de prosperidade. Para trabalhar é claro.
No fim de semana a gente dá um jeito de se divertir. Tá tudo tão caro. Os ônibus mal circulam. Na madrugada então, nem pensar. O jeito é ficar jogando sinuca no boteco da esquina, rezando para não receber a visita de nenhum esquadrão da morte.
Eita, cidade cruel.
Justo na vez do estádio do Coringão em Itaquera todo mundo resolveu bancar o ativista.
E sabe aquele ditado: “Todo mundo vê as pingas que eu tomo, mas ninguém vê os tombos que eu levo?”. É bem por aí. Só Deus sabe como vamos fazer para pagar esse financiamento que, aliás, foi liberado somente no mês passado. O estádio é de primeiro mundo, mas os juros são de terceiro. Cacetada!
Os críticos precisam se decidir. Antes as manchetes diziam que o estádio seria dado de presente. Agora as manchetes dizem que o Corinthians não vai conseguir pagar as prestações e que podemos ser despejados do próprio estádio.
Só falta dizer que quem compra casa financiada pela Caixa e com o dinheiro do Fundo de Garantia está recebendo presente do governo. Atrasa a prestação pra ver o que acontece...
E vai ser do nosso jeito. Sofrido. Tem ainda que dar um acabamento. Depois a gente resolve isso.
Funciona assim, a gente nunca teve porra nenhuma. Agora que conseguimos uma casinha mais ajeitada tem um montão de gente colocando defeito e menosprezando.
Quer saber? Chupa! Não entendeu direito? Então eu repito: CHUPA! Pronto.
Outro dia visitei um apartamento legal que meu amigo comprou. Ao entrar na sala me deparei com um espelho enorme. Ele me explicou que deixando um espelho na entrada o olho gordo também se reflete e volta para quem “lançou”.
Pois bem, poderíamos espelhar o estádio inteiro. Ou pelo menos a entrada.
Chama também uma mãe de santo, um padre e um pastor evangélico.
Faz um jardim bonito e manda plantar arruda e pimenta.
No nosso banheiro que ficou da hora, além do sabonetinho que sai automaticamente da torneira, manda deixar um pouco de sal grosso pra gente se lavar.
Fizemos uma puta casa legal no coração da periferia de São Paulo. Para escandalizar geral. Coisa de pobre? Como disse o Mano Brown, “a questão é que fartura alegra o sofredor”.
E pode chegar com o som alto porque não tem frescura. Se rolar algum show de vez em quando, ninguém vai ligar para o PSIU. A galera da COHAB vai gritar: “aumenta mais o som que é pra nois curtir!”. Esta é uma sociedade viva! Que está experimentado tudo e descobrindo a alegria de viver. Aqui é Corinthians!
Que delícia vai ser ver o meu Corinthians em Itaquera.

domingo, 20 de abril de 2014

Luciano do Valle e o Brasil que precisa ser amado.


Em dado momento da canção "Perplexo", os Paralamas do Sucesso cantam assim:

"Eu vou lutar, eu vou lutar
 Eu sou Maguila, não sou Tyson".

No final dos anos 80, o Brasil parecia esgotado de ter esperanças. O processo de redemocratização, cavado à duras penas redundava no governo de José Sarney, um dos principais líderes políticos civis que davam suporte à ditadura militar. O acúmulo de demandas sociais reprimidas por décadas impedia qualquer ajuste econômico e vivíamos uma crise de hiper-inflação.

Os Paralamas falavam do Maguila, pois na voz do Luciano do Valle vibrávamos com aquele nordestino destrambelhado e semi-analfabeto. Retrato de um país carente que sequer almejava qualquer tipo de protagonismo àquela altura.

Éramos pessimistas quanto ao nosso país naqueles tristes anos. Continuamos sendo agora. Sentíamos vergonha de nós mesmos, como muitos permanecem sentindo. Queríamos ser Tyson, quando estávamos muito bem sendo Maguila.

Esse período talvez tenha sido o auge do Luciano do Valle como narrador e empresário esportivo.

A globalização ainda não era um feito tão evidente como é nos dias de hoje. Não tínhamos as televisões a cabo, com canais especializados em esporte.

Talvez fôssemos inclusive mais ingênuos. Enxergávamos o mundo não pela internet, mas "Via Embratel". E isso já parecia ser o máximo.

Com tudo isso, o Luciano do Valle nunca se constrangeu por ser brasileiro e nunca se envergonhou de ser Maguila. E não era por mero ufanismo porque inclusive ele investia (e ganhava) dinheiro com aquilo que para muitos era motivo de chacota. 

Hoje, a molecada não memoriza mais os craques do brasileirão e os projetam no jogo de botão. Muitos, compreendem primeiro o jogo através do vídeo game, para depois vivenciar o esporte efetivamente nos jogos transmitidos pela tevê.

Alguns craques são reconhecidos e famosos primeiro no jogo virtual para que depois haja a confirmação nos jogos transmitidos do exterior.

Eu assistia sempre a "Faixa Nobre" do esporte e ficava feliz da vida quando tinha um Inter de Limeira vs XV de Piracicaba.

Hoje em dia qualquer menino fala com a maior desenvoltura sobre o tal de Schweinsteiger e o conhece muito melhor do que qualquer "Zezão da Silva" que quando o Luciano do Valle escolhia como personagem, em dois tempos o Brasil passava a conhecer, reconhecer e apreciar.

O Luciano não tinha vergonha de ser Brasileiro, muito pelo contrário. Tampouco temia parecer caipira. O Luciano narrava até mesmo partida de Sinuca e conseguia fazer o Brasil inteiro conhecer o Rui Chapéu.

Ele sabia que não bastava um espetáculo cheio de luzes, comerciais, estrutura e glamour. Para que o jogo fosse interessante, ele deveria ser mais humano. Logo, o espetáculo precisava de um protagonista. De uma pessoa, de um gênio, de um herói. 

E o Luciano, como ninguém sabia reconhecer esse herói. Era a Hortência, a Paula, o Fittipaldi, o Tupanzinho, o Zico, o Bernard, o Ronaldo, o Romário, o Riva, o Cafuringa, a Marta, a Janete, a Vera Mossa, o Capeta Edilson, o Serginho Chulapa, o Careca entre tantos outros.

E quando a Globo percebeu que o Luciano faturava alto, decidiu jogar pesado e aumentou sua cobertura esportiva. Passou a comprar os principais direitos de transmissão, inclusive quando não pretendia passar os jogos para o grande público, mas para anular a concorrência. Mesmo assim o Luciano do Valle narrava o que tinha. Nem que fosse corrida de caminhão e fazia aquilo se tornar interessante.

O Luciano não conseguia esconder que torcia sempre para o lado supostamente mais fraco. No seu último campeonato narrou a conquista do Ituano. E era disso que ele gostava. Coisa de brasileiro.

Também não caia nesse jogo demagógico e elitista de hostilizar as torcidas organizadas em detrimento do "torcedor médio", branco e metido a besta. Antes do jogo ele falava o nome de todas as torcidas.

"Tá aí a faixa da Coringão Chopp, a Fiel Macabra, a Camisa 12, a Gaviões da Fiel. Que beleza de festa...".

Vai fazer muita falta o Luciano do Valle. Principalmente nessa Copa aqui no Brasil. Parece que estamos todos apavorados com uma espécie de constrangimento coletivo e estejamos desde já prevendo o pior.

Curioso que este constrangimento parece estar relacionado muito mais à questão da nossa "auto-imagem" como nação e questões  estéticas, do que o desejo de transformação social. Ou seja, sentimos vergonha das nossas favelas, mas não estamos dispostos aos esforços e transtornos necessários para acabarmos com a miséria.

Esse tal complexo de vira-latas o Luciano do Valle nunca teve.

Não somos o Tyson, mas somos o Maguila mandando abraço para o açougueiro. 
Não somos Jordan, mas somos a Hortência falando caipira.
Não somos o Tiger Woods, mas somos o Rui Chapéu acertando outros tipos de buracos.
Podemos não ser o Magic Johnson, mas somos o Oscar Mão Santa.
Não sabemos quem é o Karembeu, mas muito prazer, somos Edilson, o Capeta.
Não temos a menor intenção de ser  o Al Unser Jr, porque já somos o Fittipaldi.
Nem conseguimos falar direito Schweinsteiger, mas somos da terra do Rei Pelé.

O Brasil tem muito ainda por fazer. Vamos sim encontrar um caminho para vivermos com mais justiça e dignidade. Estamos no meio de um processo que apesar de todos os percalços é sim vitorioso. Mas uma coisa é possível dizer, não vamos encontrar o nosso caminho a partir da negação das nossas principais potencialidades. Os nossos golaços sociais só serão possíveis com a afirmação do que somos.

A simples negação das coisas que estão erradas não significa que estejamos no caminho correto. Precisamos também entender e aceitar a nossa identidade. Enxergar o papel relevante que cumprimos. 

O Luciano do Valle, de uma maneira muito emocionante conseguia capturar e traduzir o que é a alma do brasileiro. 

O Brasil merece sim ser muito amado.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Sexta Santa



Hoje é sexta-feira santa.
Quando eu era criança isso era coisa séria.
A gente sequer podia falar muito alto.
Eu, além de batizado e comungado também fui crismado.
Embora hoje eu não seja mais religioso, confesso que era muito divertido àquela época freqüentar o grupo de jovens. 
Certa madrugada de sexta santa eu passei em vigília. 
Cabia aos homens a tarefa de ocupar a igreja até o dia amanhecer. Não sei porque, mas as mulheres deviam ficar em casa, enquanto os varões guardavam o templo. 
O fato é que aos 15 anos eu me sentia muito satisfeito estando entre os homens da paróquia. Em meio à madrugada, alguém surgia com uma garrafa térmica e oferecia um pouco de café aos vigilantes homens que estavam ali, rompendo a noite escura numa tarefa espiritual e edificante. Eu bebia o café sem conter a satisfação. Estavam ali o dentista, o guarda, o filho do farmacêutico, o bêbado em restauração, o pedreiro, o empresário, o desempregado e eu. Outra porção de homens sérios e viris. Mais uma molecadinha do grupo de jovens que entre outras coisas agradava os pais, usando a religião para se iniciarem na tarefa de romper as madrugadas. 
Eu entendo quem gosta de religião. Eu não gosto mais. Porém entendo verdadeiramente o conforto espiritual e até o pertencimento social que a religião oferece.
As ideologias surgem e ocupam o espaço que "era de deus". E não falo somente das ideologias políticas. O consumo é a benção instantânea. Material e efetiva. Consistente como um miojo. O produto está lá na sua frente e você não precisa de muito esforço para interpretar os milagres divinos. Basta crer no deus do capital e ele te da graças e te oferece uma prova bem palpável de seu poder.
Pra mim, a questão era sim ideológica e política, mas jamais me tornei ateu. Apenas me afastei da igreja. Penso como um católico, isso não dá para mudar, mas definitivamente me considero sem religião.
Não sou contra as religiões, mas cada vez mais me aborreço com os religiosos. Me parece muito contraditório um deus que opere primordialmente milagres nas economias familiares e ao mesmo tempo seja usado para "explicar" é "garantir" a continuidade das grandes injustiças sociais estruturais. Sem contar o discurso conservador e rancoroso contra algumas minorias.
Certa sexta-feira santa cai na besteira de ir ao mercado pouco antes da hora do almoço. Aquilo estava lotado com a população comprando o peixe que fosse possível. A fila do caixa estava insuportável e o cheiro de bacalhau misturado com aquele líquido do peixe que descongelava pouco a pouco empestava o ar.
Resolvi esperar. Ao meu lado uma senhora com os cabelos longos e vestido singelo começava a resmungar.
Parecia querer um pouco de atenção, pois falava alto e olhava para os lados em procura de algum apoio.
Eu procurei esvaziar a minha mente e abstrair o que a velha falava. Respirava lentamente e dirigia a minha mente a qualquer outra coisa que não fosse aquela merda.
Mas a senhora insistia. Começou a falar mais alto e gesticular. Não teve jeito, comecei em fim a ouvir os seus protestos: - Onde já se viu ter que comprar peixe justo na sexta-feira. Quem disse que não pode comer carne na sexta santa? Isso não está escrito na bíblia. Jesus nunca mandou parar de comer carne. O sujeito não segue a bíblia sagrada e acha que vai ser salvo por comer peixe na sexta-feira. Jesus não quer que você deixe de comer carne...
Continuou durante um bom tempo com aquilo e eu tentei manter a serenidade. Até que ela segurou o meu braço, o que de verdade me assustou, além de me deixar instantaneamente puto. Aquela véia parecia uma bruxa, socorro. 
Até que ela sem suportar mais falar sozinha comete a besteira de me perguntar:  "Não é verdade, fio?".
Procurei me tranqüilizar. Nessas horas eu me lembro do cínico que vive dentro de mim. Ele sempre me defende. Percebendo que a senhora era evangélica, mas eu sem nenhuma ambição em discutir religião, apenas e tão somente sacanear aquela mulher chata dos diabos, respondi:

A senhora tem razão. Lá em casa, graças a Nossa Senhora Aparecida comemos carne todos os dias da semana. Até em sexta-feria santa. Creio muito em Nossa Senhora. Ela faz milagres.
Retornei a minha seriedade e indiferença iniciais. A velha ficou louca. Olhava para os lados, urrava é resmungava, mas agora em silêncio.

Fiquei satisfeito comigo mesmo.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Sobre o #NãoVaiTerCopa - "Sabe de Nada, Inocente".



Na França, 150 mil pessoas saíram às ruas contra a política de "austeridade fiscal" do governo.


Parece até esquisito. Como alguém poderia ser contra a "austeridade fiscal"?


Mas na prática os franceses protestam contra o corte de investimentos do Estado e em defesa dos programas sociais. Ou seja, o povo não deveria pagar a conta da suruba financeira dos banqueiros e especuladores.




No Brasil, por falta de compreensão política e por ocasião da Copa - que dá uma visibilidade danada - um grupo de gente boa cai igual patinho em algumas armadilhas e quer sair às ruas contra os "gastos do governo" no Mundial. Realizando os sonhos eróticos mais inconfessáveis dos neoliberais.


"Sabe de Nada, Inocente!".*


Vale lembrar que os neoliberais sempre usaram este argumento, de que o Estado deveria se concentrar somente em saúde e educação, abrindo mão de seu papel de indutor do desenvolvimento e de corretor das desigualdades sociais.


O discurso do processo de privatização era justamente esse. Que deveríamos ter menos estatais e mais dinheiro para investir em hospitais.


Ora, pode alguém me dizer qual foi a grande obra do neoliberalismo em termos de saúde e educação neste país (e no mundo todo), mesmo depois da dilapidação do patrimônio nacional e corte drástico dos gastos e investimentos?


* Washington, Compadre - Sabe de nada inocente.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Rala Mandada! Rala Mandado! Quem são então os "pensadores"?




Que tempos são esses. A livre provocação do professor de filosofia, qualificando a funkeira Valesca Popozuda como pensadora de seu tempo, desencadeia uma onda de protestos nas redes sociais brasileiras, com manifestações de indignação.
Alguns demonstram uma súbita percepção de que estaríamos reféns da mediocridade e da falta de cultura, numa sociedade com “valores” invertidos.
Grande coisa!
Tudo bem que a mediocridade boia e salta aos olhos de maneira imediata. É muito mais fácil perceber as estupidezes cotidianas do que a profundidade do pensamento transformador.
Porém, não somos mais nem menos medíocres por conta da existência da Valesca ou qualquer outro funkeiro.
As pessoas que apontam o dedo contra a Valesca sentem-se automaticamente mais inteligentes e eruditos por supostamente estarem “do lado de cá”. Certas personalidades públicas cumprem um papel social interessante. Elas servem para que alguns deixem de se sentir tão ignorantes.
Ao reparar nos erros de português de alguma celebridade televisiva ou até mesmo do ex-presidente da República, alguns ficam satisfeitos e passam a acreditar mais em si mesmos. Supõem que os estúpidos sejam os outros e que suas vidas ordinárias são reflexos de uma sociedade que não soube reconhecer seus verdadeiros valores.
O treinador de futebol Joel Santana ficou mais famoso ainda depois de dar uma corajosa entrevista em inglês, quando era técnico da África do Sul. A imensa maioria – na qual eu me incluo - dos que acharam graça do inglês “cariocado” do Joel, sequer domina duas dúzias de palavras na língua inglesa e jamais conseguiria elaborar uma frase, muito menos transmitir uma linha de raciocínio.
Particularmente, eu invejo muito a coragem do Joel. Talvez se eu tivesse a mesma manha conseguiria superar as minhas dificuldades crônicas com este idioma.
Voltando à Valesca. Por que ela não seria uma pensadora de seu tempo? O que vem a ser um pensador? Quem decide o que é e quem poderia ser chamado de pensador?
O que mais se vê pelos quatro cantos deste país é supostos intelectuais que só falam besteira. Com o peito estufado de pedantismo destilam as piores atrocidades repletas de rancor e preconceito.
Como disse Darcy Ribeiro, alguns destes utilizam o conhecimento como uma forma de adorno. Um elemento de distinção social. Alguns escrevem de maneira incompreensível, se escondendo na areia movediça dos relativismos sobre tudo aquilo que é socialmente irrelevante.
Claro que possuímos muitos intelectuais brilhantes no Brasil, mas estes não são tão satisfeitos e crentes em si mesmos.
Será que a Valesca Pensadora causou furor por ser funkeira? O que então seria melhor?
E se a alcunha de pensador fosse destinada a algum ex-roqueiro, carcomido pelo tempo. Apavorado por envelhecer e vivendo de aparições esporádicas na mídia. Soltando ao vento conceitos rasos e argumentos torpes em busca de um pouco de atenção?
O pensador do nosso tempo estaria em algum festival de rock gritando jargões batidos como: “Fora Sarney!”, “Fora Renan!” ou “É a porra do Brasil!”. Que inovador, heim? Resolvemos a questão. Grande merda.
Os verdadeiros pensadores seriam comediantes apresentandoalgum talk show de horror? Fazendo piada contra “os políticos corruptos do Brasil”? Escrachando alguma empregada doméstica, alguma mulher estuprada ou um pobre desfrutando sua piscina de plástico na laje de sua casa?
Onde estão nossos verdadeiros pensadores? Estariam espalhados na “classe artística” da televisão brasileira? Nesse apanhado de gente obediente que protesta de preto a serviço do patrão, demonstrando sua indignação seletiva? Seriam os artistas que simplesmente ficaram em silêncio no aniversário de 50 anos do golpe militar? No país inteiro houve um monte de manifestações contra a ditadura, e nossos “pensadores” artistas simplesmente fingiram que não viram nada acontecer. Ficaram na deles. Escondidos.
A Valesca pode não ser uma compositora sofisticada. Mas não deixa de ser genial! Ué? Por que não? Quem é genial então?
Ela faz parte de uma porção viva da sociedade. Que sente vontade de dançar, falar palavrão, chocar, viver, comprar, transar, conhecer e experimentar.
Não esta outra sociedade morta e carcomida que sente vergonha de si mesma. Este monte de gente hipócrita e ressentida que não cria nada e tem raiva de quem cria. Que não vive nada e tem raiva de quem vive.  Que não come ninguém e tem raiva de quem come.
Nada pode ser mais atormentador do que passar a vida inteira obedecendo ao patrão e “fazendo tudo direitinho” , para depois ser ultrapassado na escala social por quem veio “de baixo”.
O Brasil é muito mais do que essa gente triste que se envergonha da própria mestiçagem e se enxerga como ianque. Que morre de medo de “pagar mico” e ser confundida com os pobres. Que sente vergonha das favelas, mas não quer acabar com a pobreza para ver preservados seus espaços de privilégio.
O “beijinho no ombro” da Valesca é, sobretudo, pra essa gente recalcada que se sente apavorada ao não saber conviver numa sociedade em transformação. Que exige que as mulheres, os “bichas”, os “baianos” e os “favelados” ocupem o mesmo espaço de subordinação de outrora.
Rala mandada. Rala mandado!




terça-feira, 1 de abril de 2014

Entrevista - Obrigado Pacaembu

Fui convidado a gravar um depoimento sobre o Estádio do Pacaembu, para o Canal PFC e o canal do Corinthians na internet.

Estava baleado, pois foi gravado logo após eu voltar do carnaval na Bahia. Então vocês por favor dêem um desconto.