domingo, 20 de abril de 2014

Luciano do Valle e o Brasil que precisa ser amado.


Em dado momento da canção "Perplexo", os Paralamas do Sucesso cantam assim:

"Eu vou lutar, eu vou lutar
 Eu sou Maguila, não sou Tyson".

No final dos anos 80, o Brasil parecia esgotado de ter esperanças. O processo de redemocratização, cavado à duras penas redundava no governo de José Sarney, um dos principais líderes políticos civis que davam suporte à ditadura militar. O acúmulo de demandas sociais reprimidas por décadas impedia qualquer ajuste econômico e vivíamos uma crise de hiper-inflação.

Os Paralamas falavam do Maguila, pois na voz do Luciano do Valle vibrávamos com aquele nordestino destrambelhado e semi-analfabeto. Retrato de um país carente que sequer almejava qualquer tipo de protagonismo àquela altura.

Éramos pessimistas quanto ao nosso país naqueles tristes anos. Continuamos sendo agora. Sentíamos vergonha de nós mesmos, como muitos permanecem sentindo. Queríamos ser Tyson, quando estávamos muito bem sendo Maguila.

Esse período talvez tenha sido o auge do Luciano do Valle como narrador e empresário esportivo.

A globalização ainda não era um feito tão evidente como é nos dias de hoje. Não tínhamos as televisões a cabo, com canais especializados em esporte.

Talvez fôssemos inclusive mais ingênuos. Enxergávamos o mundo não pela internet, mas "Via Embratel". E isso já parecia ser o máximo.

Com tudo isso, o Luciano do Valle nunca se constrangeu por ser brasileiro e nunca se envergonhou de ser Maguila. E não era por mero ufanismo porque inclusive ele investia (e ganhava) dinheiro com aquilo que para muitos era motivo de chacota. 

Hoje, a molecada não memoriza mais os craques do brasileirão e os projetam no jogo de botão. Muitos, compreendem primeiro o jogo através do vídeo game, para depois vivenciar o esporte efetivamente nos jogos transmitidos pela tevê.

Alguns craques são reconhecidos e famosos primeiro no jogo virtual para que depois haja a confirmação nos jogos transmitidos do exterior.

Eu assistia sempre a "Faixa Nobre" do esporte e ficava feliz da vida quando tinha um Inter de Limeira vs XV de Piracicaba.

Hoje em dia qualquer menino fala com a maior desenvoltura sobre o tal de Schweinsteiger e o conhece muito melhor do que qualquer "Zezão da Silva" que quando o Luciano do Valle escolhia como personagem, em dois tempos o Brasil passava a conhecer, reconhecer e apreciar.

O Luciano não tinha vergonha de ser Brasileiro, muito pelo contrário. Tampouco temia parecer caipira. O Luciano narrava até mesmo partida de Sinuca e conseguia fazer o Brasil inteiro conhecer o Rui Chapéu.

Ele sabia que não bastava um espetáculo cheio de luzes, comerciais, estrutura e glamour. Para que o jogo fosse interessante, ele deveria ser mais humano. Logo, o espetáculo precisava de um protagonista. De uma pessoa, de um gênio, de um herói. 

E o Luciano, como ninguém sabia reconhecer esse herói. Era a Hortência, a Paula, o Fittipaldi, o Tupanzinho, o Zico, o Bernard, o Ronaldo, o Romário, o Riva, o Cafuringa, a Marta, a Janete, a Vera Mossa, o Capeta Edilson, o Serginho Chulapa, o Careca entre tantos outros.

E quando a Globo percebeu que o Luciano faturava alto, decidiu jogar pesado e aumentou sua cobertura esportiva. Passou a comprar os principais direitos de transmissão, inclusive quando não pretendia passar os jogos para o grande público, mas para anular a concorrência. Mesmo assim o Luciano do Valle narrava o que tinha. Nem que fosse corrida de caminhão e fazia aquilo se tornar interessante.

O Luciano não conseguia esconder que torcia sempre para o lado supostamente mais fraco. No seu último campeonato narrou a conquista do Ituano. E era disso que ele gostava. Coisa de brasileiro.

Também não caia nesse jogo demagógico e elitista de hostilizar as torcidas organizadas em detrimento do "torcedor médio", branco e metido a besta. Antes do jogo ele falava o nome de todas as torcidas.

"Tá aí a faixa da Coringão Chopp, a Fiel Macabra, a Camisa 12, a Gaviões da Fiel. Que beleza de festa...".

Vai fazer muita falta o Luciano do Valle. Principalmente nessa Copa aqui no Brasil. Parece que estamos todos apavorados com uma espécie de constrangimento coletivo e estejamos desde já prevendo o pior.

Curioso que este constrangimento parece estar relacionado muito mais à questão da nossa "auto-imagem" como nação e questões  estéticas, do que o desejo de transformação social. Ou seja, sentimos vergonha das nossas favelas, mas não estamos dispostos aos esforços e transtornos necessários para acabarmos com a miséria.

Esse tal complexo de vira-latas o Luciano do Valle nunca teve.

Não somos o Tyson, mas somos o Maguila mandando abraço para o açougueiro. 
Não somos Jordan, mas somos a Hortência falando caipira.
Não somos o Tiger Woods, mas somos o Rui Chapéu acertando outros tipos de buracos.
Podemos não ser o Magic Johnson, mas somos o Oscar Mão Santa.
Não sabemos quem é o Karembeu, mas muito prazer, somos Edilson, o Capeta.
Não temos a menor intenção de ser  o Al Unser Jr, porque já somos o Fittipaldi.
Nem conseguimos falar direito Schweinsteiger, mas somos da terra do Rei Pelé.

O Brasil tem muito ainda por fazer. Vamos sim encontrar um caminho para vivermos com mais justiça e dignidade. Estamos no meio de um processo que apesar de todos os percalços é sim vitorioso. Mas uma coisa é possível dizer, não vamos encontrar o nosso caminho a partir da negação das nossas principais potencialidades. Os nossos golaços sociais só serão possíveis com a afirmação do que somos.

A simples negação das coisas que estão erradas não significa que estejamos no caminho correto. Precisamos também entender e aceitar a nossa identidade. Enxergar o papel relevante que cumprimos. 

O Luciano do Valle, de uma maneira muito emocionante conseguia capturar e traduzir o que é a alma do brasileiro. 

O Brasil merece sim ser muito amado.

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