Manifesto de um torcedor comum aos jogadores do Corinthians
Senhores jogadores, antes que imaginem que me identifico
como um torcedor comum em oposição aos torcedores organizados, gostaria de
dizer que não se trata disso.
Fico feliz que vocês estejam se organizando em movimentos de
paralisação ou mesmo na produção deste manifesto.
É certo, portanto, que vocês entenderam a importância da
livre associação e da força oriunda da união entre as pessoas que compartilham os
mesmos interesses e objetivos. Certamente todos ficam muito mais fortes e as
vitórias mais próximas e possíveis.
Ainda que haja um grande proveito a partir da organização
dos jogadores, logo vocês perceberão que não estarão livres dos erros e que não
conseguirão ser responsáveis pelas diferentes expressões das partes que desejam
falar pelo todo. Mas sem pressa. Isso vocês entenderão com o tempo.
De fato, não faço parte de nenhuma torcida organizada do
Corinthians. Não porque eu seja contra a organização destas. A marginalização
das torcidas, não é somente fruto dos erros
imperdoáveis de alguns de seus integrantes. Acredito que se esta sociedade
fosse tão intolerante com a violência, não viveríamos tropeçando em cadáveres todos
os dias. Se quiséssemos realmente uma sociedade menos violenta teríamos construído
um país mais justo ao longo dos séculos. Sobretudo com as pessoas mais pobres
das periferias que são esmagadas todos os dias, seja através das balas, seja no
vai e vem cotidiano em trens e ônibus superlotados. Em filas de hospitais e sem
ter a quem recorrer. Mas isso vocês devem saber. A grande maioria de seus
colegas tem origem entre os pobres deste país.
O que incomoda de fato nas torcidas organizadas é a ameaça
da construção dos sistemas de solidariedade entre os indivíduos.
Quando alguns tolos se perdem em brigas e emboscadas, isso
serve de combustível para o show de horror dos jornais sensacionalistas.
Espero que “os caras” descubram a tempo que há na verdade um
processo de elitização do futebol. Que eles estão prestes a serem varridos dos
estádios. E quando digo “eles” estou me referindo aos pobres. Não sou tão
otimista, mas caso eles não acordarem rápido e pararam de digladiar uns com os
outros e percebam que independente da camisa que vestem compõem em sua grande
maioria a mesma classe social, perderão o acesso à experiência maravilhosa que é
curtir uma partida de futebol, algo absolutamente ligado à cultura do povo
brasileiro.
Sei que isso não é problema de vocês craques, mas não são somente os
torcedores marginalizados. Professores, sindicalistas, manifestantes, blocos de
carnaval, movimentos sociais, usuários insatisfeitos da CPTM. Todos estão no
mesmo balaio do crime organizado, da cracolândia e do vandalismo. Fazem parte
do mesmo caldo chamado “sociedade”. Algo que os conservadores não entendem
muito bem como funciona e assim preferem destruir evitando uma possível
sabotagem aos donos do poder.
Pois bem, vocês se organizaram e aqui estão manifestando-se
pela segurança e integridade física de vocês e de suas famílias.
Nada mais justo. As ameaças e ataques são recursos que revelam
a imaturidade de alguns indivíduos frente ao diálogo e a interlocução. Temos
que dar um salto a diante. Superar essa condição. Aprender a usufruir de novos
recursos e ferramentas de comunicação e representação.
Se o manifesto de vocês tem como objetivo combater a violência
e reivindicar garantias de segurança para os jogadores e funcionários, está
tudo de muito bom tamanho. Deveríamos inclusive aplaudir a atitude de vocês.
Mas espero do fundo do coração que o objetivo seja somente
esse. Que não esteja embutida uma intenção de “enquadrar” a torcida do
Corinthians e fomentar o insolidarismo entre nós. Que não queiram tirar da
gente aquilo de mais precioso e genuíno da nossa história, que é justamente a
participação.
Sei que pode parecer um inconveniente para um profissional
bem remunerado do futebol, mas caso vocês não saibam, a participação da nossa
torcida não se restringe aos aplausos ou eventuais vaias nas arquibancadas cada
vez menores e nas numeradas cada vez maiores.
Construímos um clube popular, fruto de um pacto que
envolve a participação, a fiscalização e
empoderamento deste povo que efetivamente fez o Corinthians.
O que para vocês é um emprego, para nós é a coisa mais linda
que habita no nosso coração. A lembrança mais doce e ingênua da nossa infância.
A memória dos nossos pais que se foram. Ou mesmo dos pais que não tivemos.
O que para vocês é trabalho, para nós é voluntarismo. Se vocês
são profissionais do Corinthians, nós somos amantes. Vivemos uma relação de
amor vagabundo e indecente com o Corinthians.
O Corinthians não é o Parque São Jorge, o Centro de
Treinamentos ou o Itaquerão. Nós somos o Corinthians. Isso mesmo! Essa gentalha
que lhes parece esquisita. A maloqueirada. Os apaixonados. Somos também empresários,
lavadores de carro, bancários, vagabundos, trabalhadores que pegam todos os
dias o transporte público ou o trânsito lotado sonhando em pagar a faculdade
dos filhos, para que eles tenham uma vida mais digna, porém jamais virando as
costas para o Corinthians.
Li o manifesto e percebi que vocês se ressentem dos últimos
resultados dentro de campo. Deixem isso pra lá! Vocês não entenderam nada! Ser for isso tudo bem...
Não se trata de resultado. Que percam mais dez, vinte ou mil
jogos. Seguiremos lotando os estádios e apoiando o Corinthians. Crescemos e nos
tornamos mais fortes nos 23 anos sem títulos. Basílio é um padroeiro por ter empurrado
aquela bola pro fundo do gol. E tanto faz se era Paulistinha, Paulistão,
Libertadores ou Mundial. Era o Corinthians das nossas vidas.
Quando o Corinthians joga o Campeonato Paulista contra um
Bragantino da vida, não sentimos vontade de ir à praia conforme disse o nosso
intelectual de sorveteria, capitão Paulo André. Na verdade, nós cancelamos a
praia, a festa, a balada, o encontro e talvez até o casamento para ver o jogo
do Coringão.
Talvez seja essa a nossa dificuldade de comunicação.
O Corinthians está dentro da gente. E o que mantém ele preso
aqui dentro do nosso peito, no imaginário coletivo, é justamente a identidade.
Na medida em que o Corinthians se converte numa confraria de
senhores bem estabelecidos, acomodados com o recente sucesso, desfrutando as
delícias das luxúrias em noites intermináveis, vocês afastam o Corinthians da
gente.
Quando vocês se perdem num concurso de vaidade que salta aos
olhos de todos, vocês afastam o Corinthians da gente.
Quando nossos mandatários ficam satisfeitíssimos de si por
suas grandes obras e constroem novos prédios onde se supõe que talvez não
possamos entrar, isso afasta o Corinthians da gente.
E vocês não têm noção dessa violência. É arrancar sem
anestesia o nosso coração à unha.
Outra vez para que fique claro: a violência não dá pé. Foi
tudo precipitado e feito do jeito errado. Mas espero que vocês não façam parte
de um jogo sujo e tentem chantagear a torcida do Corinthians. Não queiram tirar
a pressão de seus ombros, esganando justamente a torcida.
Hoje pode parecer desejável que estejamos restritos às
arquibancadas ou até mesmo afastados dos estádios. Mas cá entre nós, não foi
legal quando abraçamos o elenco da porta do CT até o Aeroporto, simplesmente
para dizer um “Vai com Deus Corinthians?”.
Não há fronteira entre nós e o Corinthians. Não há arame e
cerca elétrica que nos separe.
Não somos um CNPJ, somos um movimento social. Daqui um
tempo, todos estarão longe e a torcida permanecerá. Daqui uns anos, muitos de nós
viveremos em outro plano, mas o Corinthians continuará existindo nos nossos
filhos.
Fechamos assim: um pacto de respeito mútuo. A violência é
inaceitável. Mas que vocês entendam de uma vez por todas O porquê do VaiCorinthians!
Corinthiano pé rapado, comunista de merda.
ResponderExcluirRecalque anônimo... tenha dó!
ResponderExcluirExcelente texto Rafa.
Perfeito !!
ResponderExcluirPERFEITO!!
ResponderExcluirSe você está falando do torcedor comum, que não precisa andar em bando para demonstrar seu amor pelo Corinthians brigando e agredindo com covardia, está certo. Afinal mais de trinta e tantos milhões podem não se sentir representados pela violência de quem se sente maior que o Corinthians tentando impor seus conceitos. E eu sou uma dos trinta e tantos milhões que vivem DE Corinthians e não DO Corinthians. Sou da terceira geração de corinthianos da família. Meu avô, português, foi um dos que humildemente contribuiu para que o clube pudesse comprar a Fazendinha. Tenho 67 anos de corinthianismo e via meu avô rezar desesperado à Santa Terezinha quando o adversário marcava um gol ou ouvia o rádio subindo numa cadeira e pulando no chão a cada gol do seu time. E olhe que ele já tinha quase 80 anos.
ResponderExcluirMe preocupa os interesses políticos que envolvem a direção do clube, as vaidades, a massa de manobra.
Sei que no Corinthians é uma torcida que tem um time. Mas é uma torcida de mais de 30 milhões e que basta usar algo preto e branco para se integrar a cada seu igual da nação. Não precisa pertencer a nenhuma facção. Mesmo porquê ele não é parte, ele pertence ao todo corinthiano e é isso que faz a paixão sobreviver às agruras sem esquecer dos momentos de glória e alegria. E, ultimamente, eles foram muitos. Se nossos guerreiros já nos deram tamanhas felicidades e hoje não estão correspondendo como deviam, eles ainda merecem nosso respeito e gratidão. E olhe que fui da geração dos 23 anos na fila e ela foi muito doída. Tanto quanto a queda para a segunda. Mas sobrevivemos, sem resignação, mas com luta e a certeza da vitória. E não precisamos invadir, agredir, brigar ou atentar contra nossos ídolos. Mas as facções sim. Rivelino, Édilson e até o Sócrates (acreditem!) e outros tantos que o digam. Criticar o Paulo André porque é politizado é pura ignorância. É dele um dos mais belos e sensíveis textos sobre a conquista do mundial. Execrar o Sheik por um beijinho é pura demonstração do pior preconceito. E o Romarinho, menino que vai entrando nos eixos ? Agredir o Guerrero guerreiro dos gols mundiais? E por aí vai. Dizem que errar é humano (sem trocadilhos) mas repetir os erros é burrice. E é isso que as facções vêm criminosamente fazendo. Miseráveis, pobres, emergentes, ricos...assim somos, os corinthianos. Somos o todo pelo Corinthians e nada por facção.
Ouvir "quem já não deu um murro em alguém?" de um dirigente de facção me deu uma tristeza tamanha. A falência dos valores, a vitória da violência gratuita. Tristeza. Tão grande. Talvez até maior que a alegria por 77 e o bimundial. Tristeza.
Excelente comentário.
Excluirfalou tudo Rafael....esse texto representa a verdadeira ,torcida do Corinthians,, o resto é resto...
ResponderExcluirFalou tudo Rafael..esse texto representa a verdadeira torcida do Corinthians,,,,o resto é resto...
ResponderExcluirPQP que texto lindo. Obrigado por escrevê-lo. Que chegue aos torcedores que a violência não vai resolver nada e aos jogadores que se eles jogarem com raça e vontade, estaremos apoiando sempre. E Vai Corinthians!
ResponderExcluirPQP que texto lindo. Obrigado por escrevê-lo. Que chegue aos torcedores que a violência não vai resolver nada e aos jogadores que se eles jogarem com raça e vontade, estaremos apoiando sempre. E Vai Corinthians!
ResponderExcluirEm 1910, um grupo de membros da classe operária fundou um clube de futebol que, em pouco tempo, se tornou o “Galo” das várzeas paulistanas: o Corinthians, que passou a ser temido por seu time de futebol aguerrido e por uma barulhenta e cada vez mais numerosa e apaixonada torcida. A ascensão do “Time dos Operários” foi irrefreável e sensacional: em 1913 ingressou no campeonato paulista, em 1914 conquistou o seu primeiro título e, na década de 1920, com a conquista de dois tricampeonatos, se consolidou como o principal clube do futebol paulista.
ResponderExcluirA chegada do varzeano e guerreiro time do Corinthians, e de sua perturbadora (em mais de um sentido da palavra) torcida ocasionou um racha na elite dos clubes de futebol paulistas, superado apenas duas décadas depois. O que jamais parece ter sido superado é o incômodo provocado pelo Corinthians – o time “do povo”, “dos carroceiros”, “dos engraxates”, “da ralé”, “dos maloqueiros”, “dos bandidos” – e, principalmente, por sua fiel torcida.
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1933 : Depois de uma derrota para o grande rival, Palestra Itália, por 0×8 (maior goleada sofrida pelo Corinthians em sua história), uma multidão de corinthianos – “desordeiros”, segunda definição da imprensa à época – se dirigiu à sede do clube, que foi invadida e incendiada, resultando na renúncia de toda a diretoria.
A terrível crise vivenciada no início da era profissional começou a ser superada no ano seguinte, com a chegada do lendário Teleco, e foi definitivamente superada com o tricampeonato de 1937/38/39.
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1974 : Após a derrota por 0×1 para o Palmeiras, na final do campeonato paulista (a mais doída derrota da história do Corinthians), completando 20 anos de jejum de títulos, foi preciso se eleger um bode expiatório para mitigar a imensa dor da nação corinthiana. O escolhido foi Rivelino – jogador com mais de 10 anos de clube, maior craque a vestir a camisa corinthiana -, que foi praticamente banido do clube, e só teve a importância de seu nome no clube reconhecida anos depois.
O Corinthians perdeu seu maior craque, e foi um time sem craques, em 1977, que libertou a Fiel do martírio de mais de 20 anos sem um título do campeonato paulista.
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ResponderExcluir1997 : Depois de uma derrota para o Santos, 0×1, na Vila Belmiro, torcedores do Corinthians fizeram uma emboscada para o ônibus do time, na subida da Serra, na Rodovia dos Imigrantes, em plena madrugada. O ônibus foi cercado, apedrejado, e sofreu tentativa de invasão, com os jogadores e comissão técnica vivendo momentos de terror.
Logo após o episódio deplorável, e ainda contando com grande parte do elenco que o vivenciou, teve início, em 1998, uma das melhores fases da história corinthiana: o bicampeonato de 1998/99 no Brasileirão e a conquista da 1° Mundial de Clubes, em 2000.
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2000 : Após a segunda eliminação consecutiva, frente ao Palmeiras, por pênaltis, na Libertadores, a torcida corinthiana invadiu o clube para protestar. Edilson, um dos maiores ídolos de então, eleito melhor jogador do Mundial, foi agredido e acabou saindo do clube.
Com um elenco renovado, o Corinthians conquistou títulos nos três anos seguintes: 2001/02/03.
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2011 : Após eliminação na Libertadores, perante o Tolima, o CT corinthiano é invadido por torcedores revoltados, que vandalizam carros ali estacionados, vários deles pertencentes aos jogadores. Temerosa do que poderia ocorrer (e, de fato, ocorreu), a delegação desembarcou, de volta da Colômbia, em Viracopos, e não se dirigiu ao CT para pegar os carros.
Mantido no cargo, a despeito da crise, o técnico Tite ganhou o Brasileirão no mesmo ano, a Libertadores e o Mundial, em 2012, e o Paulistão e a Recopa, em 2013, tornando-se o técnico com o maior e mais valoroso cartel de títulos da história corinthiana.
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Os fatos destacados dão mostras da passionalidade que envolve o Corinthians. A Fiel faz do Corinthians o maior clube do futebol brasileiro, e faz com que o profissional que envergue o escudo do clube esteja sempre no fio da navalha, na iminência de tocar o céu e prestes a sentir as chamas do inferno.
Os alvos da invasão ao CT corinthiano, no último dia 1°, deram-se conta disso – eles que, em sua maioria, vivenciaram e se impressionaram de outra maneira com outra invasão da torcida corinthiana, no Mundial de 2012.
Pode-se concluir que a expressão corinthiana “Aqui é Corinthians!”, não é mera retórica, é rica de significados, e de significados extremos.
Ser do Corinthians não é algo que se faça sem comprometimento e sem respeito. Em outras palavras, e fazendo citação de outra máxima da torcida corinthiana:
“Não é mole, não! Tem que ser homem pra jogar no Coringão!”