A ressaca pós Copa parece ser o momento das acusações
mútuas. Todos tentando encontrar um culpado para o desastre ocorrido no
Mineirão contra a Alemanha e a confirmação da nossa falência frente à Holanda
em Brasília.
Alguns divulgam teorias conspiratórias, talvez tentando se
convencer (ou se enganar) de que não perdemos por absoluta insuficiência e
defasagem.
Os dirigentes colocam a comissão técnica no paredão, que por
sua vez culpa os jogadores e a imprensa que culpa todos os supostos envolvidos.
Porém ninguém parece disposto a colocar o dedo na ferida ou pensar em uma
solução duradoura que dê conta da degradação dentro e fora de campo do futebol
brasileiro.
Podemos todos gastar dias e muitas folhas de papel para
enumerar os sintomas de que nosso futebol vai de mal a pior. Começando pela
condução nefasta dos nossos dirigentes, passando pela infantilização dos nossos
jogadores e a elitização do nosso futebol, desaguando na influência danosa da
maior empresa de comunicação do Brasil que sequestrou o nosso futebol e impõe
obstáculos às mudanças estruturais e políticas, temendo perder o monopólio que
lhe é tão favorável.
Ficaremos enxugando gelo em medidas paliativas se não
entendermos, antes de tudo, o que significa o futebol para este país e que ele
atende a propósitos que vão muito além do jogo de bola.
O Estado brasileiro deveria se apropriar deste patrimônio
que é a mais rica expressão daquilo que somos. Nosso futebol é o maior
embaixador do Brasil, mais eficiente do que qualquer diplomata. É também o
nosso museu mais rico e interessante, nossa mais bonita bandeira, nosso hino,
nossa cara, nosso cartão postal. O futebol brasileiro se configura como uma
riqueza tão importante quanto nossos demais produtos de exportação.
Destarte, o Governo Federal deveria declarar o futebol como
patrimônio histórico, social e cultural do povo brasileiro.
Para organizar e impulsionar o conjunto de reformas que pode
salvar o esporte mais popular do Brasil, o governo deveria aprovar, com força
de lei, uma Política Nacional para o Futebol. Com diretrizes e regras, com
metas de curto, médio e longo prazo para a reorganização do futebol brasileiro.
A imensa maioria dos grandes clubes brasileiros possuem
dívidas fiscais e previdenciárias. Devem, sobretudo, para o governo.
Do jeito que estão falidos estes clubes que são expressões
genuínas de diferentes regiões do país, tornam-se presas fáceis para
oportunistas e aventureiros. Quebrados eles não servem de nada e só atendem a
interesses escusos e empresários gananciosos.
Muito melhor seria que pudessem negociar suas dívidas, porém
atendendo a parâmetros rígidos e aderindo a compromissos comuns a todos os demais
clubes.
Não há problema que o governo renegocie os débitos dos
grandes clubes, mas estes deveriam reformar seus estatutos, de acordo com a
Política Nacional para o Futebol. Tal política deveria impedir a reeleição
prolongada de dirigentes que se tornaram verdadeiros posseiros em seus clubes
de origem. Devem cumprir metas de responsabilidade administrativa e fiscal, com
auditorias periódicas que venham a impedir novos endividamentos.
Também não há problema que os bancos públicos financiem a
modernização das categorias de base dos clubes. Mas antes de tudo, estes clubes
devem se tornar parceiros apoiando a formação educacional de seus atletas e
prestando contrapartidas sociais em suas cidades. O Brasil pode, através do
esporte, melhorar seus índices de desenvolvimento educacional e de
desenvolvimento humano. Os clubes podem sim se converterem em parceiros
importantes, desde que cumpram diretrizes e indicadores de desempenho. Na
prática, sem cumprir as metas de tais indicadores seriam restringidos os
créditos e potenciais parcerias.
Os campeonatos deveriam também estar passíveis de auditoria,
garantindo o respeito ao torcedor e ao consumidor.
Os estádios que receberam recursos financeiros sejam como
incentivos fiscais ou mesmo como crédito de bancos públicos deveriam garantir o
uso social de seus equipamentos. Os espaços podem ser utilizados como
infraestrutura educacional e de saúde. O sambódromo do Rio, quando idealizado
pelo antropólogo Darcy Ribeiro, passou a abrigar para além do carnaval o CIEP,
que funciona na prática como um complexo educacional de tempo integral. O mesmo
pode ocorrer com os estádios da Copa do Mundo, principalmente nas cidades onde
o futebol ainda carece de campeonatos competitivos com grandes clubes locais.
A transferência de atletas para o exterior deveria também
receber melhor atenção. Sobretudo no caso de crianças e jovens que muitas vezes
se aventuram em empreitadas suspeitas e perigosas. Os atletas não podem ser
reféns de empresários que agem livremente e sem fiscalização. A formação educacional e profissional de novos
atletas deveria ser prioridade e um bom elemento para garantir o
desenvolvimento humano dos nossos futuros craques.
Por fim, porém não menos importante. O Governo Federal não
deveria temer intervir em federações estaduais e inclusive na CBF. Garantindo o
interesse nacional, histórico, cultural e social pelo futebol, as medidas de
reestruturação e reorganização do nosso esporte são urgentes. Ainda que
estejamos passíveis de punição pela FIFA por conta de intervenção nas
federações, melhor seria ficar fora de uma Copa do Mundo, mas garantir futuras
gerações de técnicos e jogadores que honrem nossas tradições e voltem a
orgulhar os torcedores brasileiros.
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