Existem mudanças sensíveis em nossa sociedade. Podemos dizer que nestas eleições os candidatos têm ocupado menor importância que as candidaturas.
As redes sociais que já foram um fator determinante nas eleições de 2010, ocupam hoje importância fundamental no cenário político. Ao contrário do que se poderia imaginar inicialmente, as redes sociais não servem apenas como veículo para difusão de propaganda e propostas políticas. Pode até ser uma ferramenta de divulgação. Mas as peças publicitárias ou estratégias de comunicação são irrelevantes se comparados com o peso dos debates cotidianos e o compartilhamento de informações dos milhões de usuários eleitores.
A propaganda oficial convence muito menos do que a manifestação de apoio ou a rejeição dos internautas, vistos como indivíduos livres que expõem sua imagem e seu nome em defesa de uma idéia, projeto ou candidatura.
Redes como o Facebook e o Twitter quase que obrigam o indivíduo a manifestar uma opinião, se posicionar ou a aderir a uma corrente de pensamento. Quando a internet surgiu com a promessa de revolucionar as comunicações e as relações entre os indivíduos, presumia-se que o anonimato seria um fantasma ameaçador. Mas o que se vê é que, muito embora o anonimato ainda exista, os indivíduos têm rebocado à sua imagem pessoal um conjunto de posicionamentos e opiniões.
Sobretudo no Facebook, onde co-habitam familiares, contatos de trabalho, amizades, colegagem, amantes e tudo mais, as opiniões são reveladoras. Recorrentemente, são motivos de discórdia, separações e novos agrupamentos. Os usuários são cobrados por seus posicionamentos, quando não estigmatizados. Se antes as pessoas podiam facilmente escapar pela tangente das opiniões absurdas em festas e encontros de famílias e amigos, agora o confronto é iminente. Alguns revelam sua absoluta incapacidade de conviver com o contraditório e se veem atormentados com a diferença.
No âmbito das eleições isso pode ser decisivo.
Os eleitores não escolhem somente o candidato, mas o que aquela candidatura representa. O Bunker dos partidos políticos e os marketeiros não tem mais pleno controle sobre a totalidade do programa e dos propósitos das candidaturas. Mais do que o plano de governo - que na verdade nunca foi levado muito a sério - e as peças de propaganda, a candidatura representa um conjunto de valores, esperanças, rejeições, temores e revanches.
Claro que as empresas de marketing trabalham com estes elementos. Porém a política não é somente a soma de todos os políticos. O produto a ser "vendido" não é somente o candidato. O mercado eleitoral não consome somente benefícios sociais diretos, como se poderia imaginar.
Os eleitores não votam somente no candidato, mas no que aquela candidatura representa. E, diante disso, votam também em seus conhecidos. Escolhem entre as opiniões que lhes parecem mais próximas e adequadas à sua visão.
Cada usuário das redes sociais é um candidato em potencial. Deste candidato é cobrado coerência, sinceridade, transparência de idéias e a capacidade de representar um conjunto de expectativas. Da mesma forma, este "candidato" pode ser rejeitado por suas contradições, preconceito, cinismo, violência e falta de domínio sobre os temas.
Em alguns casos, o que se espera é justamente a capacidade destrutiva de se falar o que não poderia ser dito, maldizer, atacar, mas tal qual nas urnas, este comportamento mais perde voto do que ganha.
As recentes transformações sociais, a entrada de milhões de brasileiros no mercado de consumo e a conquista de direitos das minorias (negros, gays, mulheres), estremeceram os seguimentos mais conservadores, com muito mais dificuldade de assimilar as mudanças. Soma-se a isso a imensa dificuldade de reorganização da agenda da direita internacional depois que seus principais pilares do livre mercado ruíram com a crise de 2008.
A desorganização do pensamento conservador, o ressentimento social e a crise de representação política, sobretudo na classe média tradicional, parece ocasionar uma enxurrada de manifestações raivosas, quando não preconceituosas e violentas. Estas são as primeiras que emergem, pois dependem menos de coerência.
A ausência de uma força política que represente de fato os interesses da classe média, permite que ela seja presa fácil da mídia tradicional e seus interesses corporativos, as igrejas e líderes conservadores. No desespero de preservar sua posição social, agarra-se nos cães raivosos que se alimentam do medo do sentimento de perda.
Voltando ao cenário eleitoral. A violência que se vê das manifestações conservadoras permite a unificação das correntes progressistas.
Em que se pese o desgaste do atual governo, depois de mais de uma década no poder e a insatisfação de uma camada da população que hoje espera e deseja muito mais do que podia imaginar no passado, a oposição não consegue se consolidar como alternativa.
Quando os eleitores de Aécio se colocam como supostamente mais civilizados e esclarecidos do que os eleitores de Dilma que seriam ignorantes e beneficiários dos programas sociais, eles criam uma espécie de "camarote VIP eleitoral", com seguranças mal encarados prestes a torcer o seu braço e te expulsar da festa.
Convencer um candidato a votar, sobretudo na oposição, é acolher, não afastar.
A candidatura de Marina parece não conseguir estancar a sangria de intenções de voto, sobretudo do eleitorado de esquerda que antes a via como uma alternativa progressista, mas hoje a vê decisivamente atrelada à grupos políticos e pensamentos conservadores.
Não por acaso as candidaturas de Eduardo Jorge e Luciana Genro tem angariado tanta simpatia, pela coragem para se manifestarem sobre questões tão importantes que estão sequestradas pelo discurso obscurantista e conservador.
O xadrez político favorece a candidatura de Dilma. A direita vil e raivosa é hoje o maior cabo eleitoral da esquerda. Ainda que o PT lidere uma coalizão de centro, permanece como alternativa eleitoral para abrigar as correntes progressistas.
Particularmente, não vejo problema nenhum em que existam pessoas conservadoras. Considero até que elas sejam importantes. Não muitas, mas algumas. Porém o que se vê não é simplesmente a insatisfação com os resultados de um governo e o desejo de mudança, mas o desejo de restauração de velhos privilégios e da hierarquia social. Tudo isso embalado num discurso preconceituoso e atrasado numa Guerra Fria tardia e requentada.
As eleições devem ser decididas nos detalhes. A votação em segundo-turno promete ser apertada. O comportamento dos eleitores conservadores nas redes sociais e os yuppies reacionários na televisão e na internet que vivem da verborragia inconsequente, podem ajudar a decidir o pleito. Porém, ao contrário do que eles imaginam, seria unificando os setores progressistas que não assinam embaixo este manifesto em defesa da barbárie.
Colocar as coisas em perspectiva, sempre senti falta desse tipo de análise sobre o atual momento de nossa sociedade.
ResponderExcluirCurti muito esse texto, me ajudou a encaixar algumas ideias que estavam perdidas e ter um norte, um ponto de partida.
Te agradeço muito por esse texto. Abraço!