Não há problema nenhum em ser conservador.
Considero, inclusive, que os conservadores são necessários no mundo. Não muitos, mas alguns são sim necessários.
Logo, não deveria existir problema que uma pessoa se assuma como sendo de direita. Sinceramente, entendo o raciocínio e até mesmo algumas das motivações de alguns direitistas.
O grande problema é que no Brasil a direita é escravocrata.
Os conservadores desejam manter justamente esta sociedade verticalizada em que alguns poucos são proprietários de todas as coisas e inclusive de todas as pessoas nesta nação. Desejam conservar as velhas hierarquias e sentem calafrios diante dos lampejos de transformações sociais, tão necessárias para a superação da miséria da injustiça e inclusive da precarização do nosso capitalismo.
As desigualdades e injustiças estão tão introjetadas na vida mental dos brasileiros que quando alguém propõe qualquer discussão em torno da distribuição de renda, de bate pronto é taxado como comunista. Ainda que a redistribuição das riquezas seja a base do sucesso dos principais países capitalistas no mundo.
Se o fim da escravidão é algo tão difícil de ser superado no Brasil, imagine a Guerra Fria. Ainda não concluímos as questões históricas do século XIX, as do século XX são ainda temas restritos aos "visionários".
O grande problema de ter uma direita tão atrasada no Brasil é que muitas vezes os progressistas se vêem obrigados a retroceder para não ficar à frente do processo histórico.
Muitas vezes mantemos posições cruas e simplistas, sem levar em conta as diferentes variáveis da questão porque a qualidade do inimigo não ajuda.
Temos que marcar posição hoje para tentar avançar mais a diante.
Exemplo disso é a questão dos "rolezinhos".
Para além do interesse dos shoppings em proteger seu patrimônio e cumprir a promessa de ser um espaço de bem-estar alienado à vida social, como assim desejam seus freqüentadores que não têm nada a ver com as tempestades sociais que ocorrem do lado de fora. Isso seria responsabilidade do governo. Para além de tudo isso, estamos obrigados a pensar em questões como o racismo, o preconceito, a exclusão social e os limites entre o público e o privado.
Mais uma vez nos vemos obrigados a "marcar posição".
A verdade é que entre tantas coisas que já foram ditas para defender a "posição" de quem luta por justiça social, ficamos sem poder demonstrar nossa perplexidade quanto ao fato de termos chegado tão "longe" na degradação da nossa sociedade.
Sequer podemos "admirar a grande obra" do liberalismo.
As escolas sucateadas e a nossa juventude "lutando" pelo acesso ao shopping center.
Deveríamos dizer que essa molecada deveria aprender a respeitar o próximo. A respeitar os mais velhos. A ficar mais esperta. A ser mais bem educada. Valorizar o conhecimento e não dar tanta importância para as armadilhas do consumismo.
Mas estamos num estágio bem anterior.
Não podemos ainda falar em deveres, pois o ciclo de acesso aos direitos e à justiça ainda não foi cumprido.
Se existe um "recado" básico que a elite pedagogicamente ensina para o conjunto da sociedade é que: no país do "sabe com quem você está falando" as leis, as regras e as normas de conduta são coisas inventadas para o povão. Os ricos sempre estiveram acima do sistema, acima das normas e até mesmo acima das leis.
Nosso sistema hierárquico é bem complexo. Existe o poder, o dinheiro, as fardas, as togas, os cargos, a fama, o crime, a "popozuda", a moral, o malandro e assim vai. Até chegar lá embaixo no "Zé Mané". O problema é que ninguém quer ser o "Zé Mané".
Pagamos hoje um preço alto, talvez justo, pelos séculos de escravidão. Assumimos os custos da nossa negligência. Por não termos realizado uma Reforma Agrária. Pagamos caro por termos atrasado tanto para combater à miséria. Da demora em enfrentar a questão da distribuição de renda.
Na década de 70, em pleno "Milagre Econômico", o então ministro Delfim Neto disse que era preciso fazer o bolo crescer, para depois reparti-lo.
Pois bem, o bolo cresceu muito. O Brasil verdadeiramente é um país rico. Muito rico. Mas o bolo ainda não foi dividido.
De um tempo pra cá, o bolo foi colocado à mesa.
Igual aquele Bolo do Bixiga que serviam nos dias de aniversário da cidade de São Paulo. O mundo todo assistia, e nós morríamos de vergonha, com o bolo sendo devorado em segundos. As pessoas avançavam umas sobre as outras e colhiam com as mãos a maior quantidade possível de bolo. Jogavam em sacolas plásticas e levavam para casa.
Talvez estejamos vivendo este momento na nossa história. Vejam que o bolo nacional não foi integralmente servido. Apenas uma pequena parte. Ou servimos este bolo de uma vez por todas com solidariedade, mas também com regras claras e transparentes ou não esperem que sejam cumpridas nenhuma norma ou procedimento de bons costumes.
O triunfo do liberalismo construiu uma sociedade pautada pelo individualismo exacerbado.
Um novo tipo de homem, bem diferente dos indivíduos do século passado em que as grandes guerras, ideologias, sonhos e movimentos nos colocavam em grandes empreendimentos e aspirações coletivas.
Agora as coisas são mais simples. Você vale o que você tem.
O dinheiro é a principal via de acesso para alcançar o prestígio. Existem outras como o poder, a fama e até o crime. Cada um joga com o que tem e de acordo com suas possibilidades.
Desde cima da pirâmide o conhecimento passa longe das aspirações dos indivíduos. Não se fala mais em homem, mas em consumidor.
O consumo é a via de acesso à cidadania.
Ora, como esperam que se comportem os moleques da periferia? Os modelos que estão dispostos para que sejam reproduzidos são estes.
Nada muito diferente do comportamento e valores dos jovens de classe alta e classe média.
O que muda é apenas as possibilidades de aspirações.
Vivemos os transtornos próprios das transformações sociais. A mobilidade social provoca ruídos ensurdecedores, derruba cristais e incomoda os acomodados.
O Jeca Tatu morreu há tempos. As pessoas custam a crer que após anos de violência social e injustiça, os pobres perderam a sua doçura. Não são os conformados de sempre. Não sentem preguiça.
Os pobres não são mais subordinados e isso provoca ressentimento e perplexidade na classe média.
Não aceitam qualquer coisa e isso tira o sono dos políticos.
Não procuram os sindicatos, mas o shopping center e isso atormenta a esquerda.
Nossa convulsão social se dá de maneira peculiar e desorganizada. A juventude está sim protestando e querendo ser ouvida. Sofre e chora. Mas de uma maneira que talvez ninguém consiga entender.
Porém, uma coisa está nítida. O Brasil deve escolher como lidar com esta situação. Ou aceitamos o fato de que somos todos iguais. Nos acostumamos a compartilhar o bem-estar social, dividimos os espaços nos shoppings, no transporte coletivo, nos aeroportos, nas universidades, no carnaval e nos hospitais. Ou continuamos optando pela exclusão.
As coisas não se resolvem do dia para a noite, mas talvez o Brasil esteja diante de sua gigantesca escolha histórica.
E se fizermos a escolha errada, não só abriremos mão da possibilidade de sermos um dia uma grande nação, como pagaremos um preço infinitamente mais alto do que pagamos agora. Falo de violência.
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