Estava passeando pelas ruas de Londres.
Era uma sensação que me lembrava as primeiras vezes em que saí sozinho até o centro da cidade.
Ao deixar as estações de metrô, descobria uma cidade nova. A cada estação uma paisagem diferente. Era mágico descobrir São Paulo em diferentes surpresas.
Não foi difícil me apaixonar por São Paulo. Quando adolescente, a cidade me parecia muito maior. Ou talvez eu fosse menor. O fato é que tinha o mundo inteiro por descobrir e o centro da cidade era a porta de saída para uma vida nova que se abria.
Londres foi a primeira cidade que senti novamente este deslumbramento. Não sei se é maior do que Sampa, mas foi interessante demais.
Novamente me surpreendiam os lugares e as pessoas.
O sentido contrário do transito me obrigava a prestar muita atenção e cada um se vestia de modo particular.
Tudo muito interessante que me remetia àquela sensação do menino que começava a conhecer o centro de São Paulo.
Precisava comprar sapatos. Teria uma reunião no dia seguinte e estava desprevenido.
Particularmente, não gosto de shopping center.
Quando eu era moleque, achava muito bacanas aquelas lojas antigas do centro da cidade.
O shopping transformou as lojas em espaços fashions para eternos adolescentes. Tudo com muita luz e música alta. O território perfeito para a compulsão consumista, mas sem bom gosto algum.
Falando o português claro, não se encontra mais loja de homem. Carrancuda, sóbria, silenciosa, onde se pode comprar desde uma bela camisa até uma caneta decente.
Não que os homens de hoje devam andar com suspensório. Mas o fato é que atualmente a adolescência começa aos sete anos de idade e só termina aos 45. Deve ser um valor dos nossos tempos. Sei lá. Na verdade eu sei sim, mas não quero tocar neste assunto agora.
Voltando à Londres.
A cidade é cheia dessas lojas carrancudas. Em uma delas eu me fixei em uma vitrine com alguns sapatos elegantes. Os preços eram acessíveis e resolvi entrar.
Abri a porta de vidro e este movimento acionou uma sineta. Recurso bem conservador. A loja tinha um carpete da época do Henrique VIII. No balcão um casal de velhinhos que me cumprimentavam educadamente, mas sem sorriso algum. Ainda bem.
Eram dois idosos esfarrapados. Vestiam roupas que pareciam pijamas. Talvez fossem.
Apontei para os sapatos da vitrine e a senhora ergueu o ombro direito e deu uma leve bufada. Trouxe os sapatos e sofremos um pouco até encontrar o meu número.
O velho apenas olhava atrás do balcão. Eu era o único cliente da loja naquele momento.
Logo o velho trás em suas mãos um par de sapatos diferente. Trazia em sua expressão um ar solene.
Gostei dos sapatos e pedi para provar. Tinha todo tempo do mundo. Poderia passar a tarde toda ali na calefação da loja para decidir por um único par.
Realmente eram belos. Perguntei o preço, mas achei muito caros em comparação com os outros que havia visto na vitrine.
O senhor respondeu com poucas palavras: "england shoes".
Continuei achando caro, embora os outros tenham ficado menos interessantes. O sapato de velho era realmente mais bonito.
O velho continuou.
- este não é um sapato indiano. Não que a Índia seja uma terra má, mas estes são sapatos ingleses, senhor. De onde você veio?
- sou brasileiro.
- sim - continuou o velho - o Brasil produz alguns dos melhores sapatos do mundo. Mas estes são ingleses.
O velho virou o sapato do avesso e iniciou um discurso o qual eu entendia algumas partes, porque o cara desembestou a falar muito depressa e meu inglês ainda é ruim.
Só sei que ao final ele batia na sola do sapato com o nó dos dedos e esbravejava em voz alta: "england shoes, england shoes”.
O velho me convenceu. Meu pai sempre me disse um dia que o mais importante na vestimenta de um homem eram os sapatos. Não queria chegar na reunião esculachado.
Mandei embalar os "england shoes".
O velho voltou para o balcão silenciosamente e sua companheira agradeceu em voz baixa e suave assim que paguei pela compra. Disse adeus e fui embora, abrindo a porta que disparava a sineta.
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Por estes dias têm chovido muito aqui em São Paulo. Uma chuva constante e intermitente. Resolvi calçar os meus england shoes.
Eles são ótimos para andar nas calçadas de cimento e no asfalto.
Mas ao pisar em alguma superfície lisa, tal qual os pisos que existem aos montões por aí, tive uma experiência angustiante.
Os tais england shoes não tem aderência alguma. Para não cair com a bunda no chão precisei fazer manobras de patinador.
Parecia o Charles Chaplin com terno, guarda-chuvas e dançando como um idiota na frente de um prédio tentando evitar a queda.
Os tais england shoes vendidos pelo velho protecionista, embora sejam bonitos, não serão úteis para mim.
Ao menos que os leve para que um sapateiro aqui do Largo do Arouche coloque um solado de borracha bem aderente.
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