O Brasil continua conservador.
Permanece ambicionando se modernizar sem romper com as
velhas hierarquias e contratos sociais.
O desenvolvimento econômico continua sendo uma obsessão
nacional. Uma das poucas bandeiras que converge direita e esquerda,
conservadores e progressistas.
Mas não se pode negar que nos últimos anos o Brasil acumulou
uma série de transformações sensíveis, capazes de provocar fissuras e abalos.
Enfim, com séculos de atraso, a diminuição das desigualdades
sociais se tornou mais do que um discurso dos movimentos sociais, mas um
estandarte do Governo Federal.
Embora as políticas públicas de combate à miséria extrema
tenham sido ainda insuficientes para garantir vida digna a todos os cidadãos
brasileiros, e que tais avanços venham acompanhados da manutenção dos grandes
acordos com as elites, esta década em que o governo finalmente reconheceu sua
dívida com os pobres deste país, provocou mudanças definitivas na estrutura.
O ressentimento social e político de alguns setores da
sociedade, com declarações preconceituosas e violentas polui o debate e impede
uma discussão séria sobre os programas de transferência de renda.
Mas o que isso tem a ver com os recentes protestos?
O Governo Lula de fato transformou a sociedade brasileira.
O esforço de recuperação da atividade econômica, com aumento
do salário mínimo, superação do desemprego crônico da década passada e inserção
de milhões de brasileiros no mercado de consumo, não pôde ser feito sem
resistência.
Até mesmo a escolha
política do atual governo de superar a crise mundial (a partir de 2008) “forçando
a marcha” da economia brasileira, suprindo a retração da demanda privada,
garantindo o poder de compra do trabalhador e apostando forte no mercado
interno, não foi devidamente reconhecida nos diferentes setores da sociedade.
Ora, é óbvio que houve significativo aumento nos gastos públicos, e que o
governo tomou medidas econômicas nem sempre articuladas entre si, para
estimular setores econômicos com maior retração. Claro que existem efeitos
colaterais, ataques especulativos e um sensível aumento dos preços. Mas foi uma
escolha política para que a população brasileira não pagasse os pecados da
crise neoliberal dos países do centro.
Mas o que isso tem a ver com os recentes protestos aqui em
São Paulo?
Se os governos de Lula e Dilma foram muito felizes na
inclusão social, por outro lado, este processo não veio acompanhado da politização
da sociedade brasileira. Ao contrário do que se podia imaginar anteriormente, o
atual governo “despolitizou” a sociedade.
O acesso à cidadania se deu concomitantemente com o acesso
ao mercado de consumo.
Não que isso seja de todo errado, mas tal processo veio
acompanhado de uma cruzada de conciliação política, concessões gigantescas com
as elites e um pavor terrível do potencial de conspiração da grande mídia.
Tudo começou com a Regina Duarte durante a campanha de 2002,
dizendo que “sentia medo do Lula no poder”.
Fez-se um esforço hercúleo para provar aos setores mais
conservadores que o Governo Lula não era uma filial do Chavismo no Brasil.
Pesa também o fato de que Lula percebeu com imensa
habilidade que a classe “subproletária” brasileira tradicionalmente é conservadora.
Mas isso é tema para um próximo debate.
O fato é que fomos todos convertidos em consumidores. E
nunca estivemos tão despolitizados.
Talvez seja este o grande pecado do lulismo.
Mas o que isso tudo tem a ver com os protestos?
O PT (ou boa parte de seus dirigentes e militantes) não
deveria ter vestido a carapuça dos protestos ocorridos aqui em São Paulo.
Tão logo os efeitos econômicos dos programas sociais
surtiram resultados políticos, emergiu como uma chaga todo tipo de preconceito,
ódio e ressentimento social da camada mais reacionária da sociedade, manifestando
sem pudor nenhum, sua bronca contra os pobres e a quebra das velhas
hierarquias.
Como o discurso vazio e preconceituoso depende menos da
coerência do que a crítica séria e embasada, isso foi a primeira coisa que
subiu à superfície tal qual fezes na água.
É verdade que as manifestações preconceituosas e xenofóbicas
da extrema direita se espalharam pelo mundo, fruto da crise do pensamento
conservador afetado decisivamente pela degeneração do neoliberalismo.
Mas no Brasil a coisa ficou triste. Não foram poucas as
pessoas que clamam por um golpe e declaram nostalgia da Ditadura Militar como
uma saída para a carência de representação política.
Esta crise de representação política se dá principalmente na
classe média que ficou espremida entre os grandes acordos com as elites e o
ambicionado mercado eleitoral das classes pobres.
O ambiente político estava ficando pesado. Por um lado, o
governo defendendo suas conquistas sociais. Do outro, o discurso golpista e
ressentido.
Sendo assim, os protestos espalhados pelo Brasil em defesa
do transporte público foram uma novidade mais que excelente. A luta pelo transporte público é também a
luta contra a exclusão social e o Apartheid maquiada nas grandes cidades
brasileiras. É um desafogo que isola ainda mais a direita vil.
Quando em 2003 o PT chegou ao Palácio do Planalto, boa parte
das políticas macroeconômicas dos anos FHC foi mantida. Não sem resistência dos
setores mais progressivas que aguardavam ansiosamente mudanças estruturais.
Mas de alguma forma todo mundo entendeu o que se passava.
Seria preciso manter o “contrato” com a elite financeira para reunir condições
políticas para as transformações que viriam em seguida.
Depois da crise de 2005, com o episódio do Mensalão. O
governo precisou ampliar o seu leque de alianças para garantir a chamada governabilidade.
Desembarcaram os velhos caciques liderados pelo ex-presidente José Sarney e por
Renan Calheiros. O PT entendeu como o jogo estava sendo jogado e percebeu que
precisava sim compartilhar espaço e enxergar inclusive virtudes em políticos
antes inimagináveis, como outro ex-presidente Fernando Collor de Melo.
Para eleição de Dilma a direita ficou esmagada e sem agenda,
apelando para o obscurantismo e preconceito. Embalada pela aprovação
impressionante de Lula, a aliança se converteu em hegemonia política, liderada
pelo PT, mas com uma frente de partidos que dividem espaço no governo.
Para eleger Haddad, o PT teve de convencer sua militância de
que seria sim necessário ganhar o apoio de Paulo Maluf e quebrar resistência
nos setores mais conservadores da sociedade paulistana.
Ora, o PT aprendeu tão bem que para governar é preciso
dialogar com as diferentes forças políticas e que para avançar nas
transformações que pretende para o Brasil é preciso garantir as condições
políticas necessárias. Por que então não pode atender às justas manifestações
dessa molecada esperta que tem enfrentado a truculência dos capangas da elite
carcomida e atrasada de São Paulo?
Por que não aproveitar este potencial transformador para avançar na ampliação das
grandes reformas que carecem de condições políticas favoráveis?
Por que o Haddad, ao invés de “achar que é com ele”, não
absorve as aspirações deste movimento e cria as condições para fazer uma
revolução no transporte público de São Paulo, que passa naturalmente na
reversão de certas “prioridades” da última gestão.
Por que não aproveitar a energia dessa molecada e mobilizar
a sociedade para a necessidade de uma transformação drástica na educação municipal,
já que o temor das políticas de longo prazo sempre foi a ausência de resultados
políticos?
Os editoriais dos jornais denunciam e acusam o movimento de
querer mais do que os 0,20 centavos na tarifa de ônibus, almejando outros bônus
políticos.
Que coisa, heim? Demorou pra entender! Perdeu Playboy!
É lógico que quem está saindo às ruas quer muito mais do que
0,20 na passagem do busão.
Os protestos são contra uma cidade injusta e excludente,
onde impera a ganância e a especulação. Uma
cidade onde quem tem grana pode tudo e quem não tem vive esmagado sem acesso ao
eldorado que um dia foi chamado de “terra das oportunidades”.
Os protestos são também resposta à elite fétida que teme a
chegada de GENTE DIFERENCIADA através do transporte público em suas ilhas de
prosperidade.
São Paulo é uma cidade absurdamente cara, onde quem pode
mais chora menos.
E pior. Há quem goste de pagar caro! Nas lojas, nos
shoppings, nos restaurantes, todo mundo pede o preço que quer.
Numa cidade em que o dinheiro é só o que importa e o
reconhecimento social depende tão somente do dinheiro, não é de espantar que a
violência seja tão grande e que as relações estejam tão degradas, sem menor
sinal de solidariedade entre os indivíduos.
São Paulo é um barril de pólvora que com uma simples faísca
pode explodir.
Quando a grande mídia preparava todo o balão de ensaio para
reverter as conquistas sociais, direitos trabalhistas e previdenciários, eles
recebem esse tapa na cara, com as manifestações gigantescas exigindo mais
justiça social, não menos, como eles gostariam.
Quando esperavam uma inevitável guinada para a direita com a
geração Luciano Huck saindo às ruas com vassouras na mão e nariz de palhaço,
eles se deparam com essa molecada esperta embalada ao som do Criolo, Emicida,
Mano Brown, tudo misturado com música e atitude punk nesse novo caldo cultural
na cidade de São Paulo.
Frustrante demais para a direita. Não à toa que a imprensa
marrom exija que a polícia vandalize a cidade e espanque esta surpresa tão
indesejada.
A elite se incomodar com as manifestações seria muito mais
do que previsível. Mas algumas figurinhas do PT vestirem a carapuça e
desqualificarem o movimento é de doer!
Ah “porque são do PSOL do PSTU do PCO” sei lá mais o quê...
Que nada! E se forem também que se dane...É um direito deles. Isso não quer dizer nada nesse momento.
O PT não pode e nem deve polarizar com este movimento. Primeiro
por questão de coerência política, compromisso de Estado e visão estratégica. Segundo porque se polarizar vai trazer para si
um sério risco que não precisaria correr. De besteira. Porque assumiu há seis
meses esta cidade depois de anos desastrosos.
http://dmptsp.org.br/local/3370-nota-da-executiva-municipal-do-pt
ResponderExcluirParabéns! Finalmente uma análise lúcida e que vai à raiz do problema.
ResponderExcluirRadical, na verdadeira acepção da palavra.