A vitória alcançada através dos protestos liderados pelo
movimento Passe Livre foi gigantesca. Feito inédito e talvez incomparável. Isso
ninguém nunca poderá roubar dessa galera.
A sociedade se
sensibilizou diante da violência sofrida pelos manifestantes e tomaram as ruas,
assumindo a conseqüência de seus atos, lutando por melhores condições no
transporte público, numa cidade tão marcada pelos projetos individuais.
Foi o protesto do protesto.
A vitoria não foi pequena. Esta cidade tão acostumada a sentir medo de
tudo, venceu seus fantasmas e ocupou as ruas, superando o discurso demagógico e
terrorista dos conservadores.
Libertou-se o desejo aprisionado de apropriação do espaço público numa
cidade que ao longo dos anos favoreceu a ganância e a especulação, alienando o
indivíduo de seu próprio espaço de convivência.
Muito bem. Ponto.
Quero tratar agora do protesto do protesto do protesto.
Não foi apenas o espírito de justiça libertado neste momento tão especial.
Pela mesma porta aberta para os espíritos livres, escaparam monstros e
dragões terríveis que durante anos estavam famintos e sofreram mutações
aterrorizantes, fruto da crise do pensamento conservador.
Estes monstros são o efeito colateral da degradação do modelo neoliberal
e se alimentam de dejetos deixados pelos especuladores e fraudadores dos
mercados financeiros mundiais. Foram gestados na escravidão e matam sua sede
com as lágrimas de sofrimento da desigualdade e injustiça social. Depois de
libertados, os dragões estão furiosos. Ressentidos.
O triunfo do neoliberalismo ao final da Guerra Fria criou um novo tipo
de homem. Aquele que só conhece um modelo de mundo. Que desconhece o
contraditório, pois o mundo se tornou “uma coisa só”.
As questões políticas se converteram em dilemas existenciais.
As fronteiras ficaram livres para os capitais e para as mercadorias,
porém quase intransponíveis para as pessoas.
Se o Muro de Berlin veio abaixo, muitos outros muros foram levantados.
Seja nos condomínios fechados, seja na divisa entre os territórios.
Sem alternativas de modelos, sem aspirações políticas e possibilidade de
realizações históricas, restou ao homem culpar os outros homens por seus
flagelos pessoais.
O homem retornou a seu estado de natureza e nutriu o desejo de eliminar
aquele que está mais distante de sua realidade para preservação de seu modo de
vida.
Na Europa, os imigrantes passaram a ser perseguidos como culpados pela
falta de postos de trabalho, violência urbana e degradação dos valores
culturais.
No Brasil (e na América Latina), o ódio aos pobres e o mal estar pela
quebra das velhas e tradicionais hierarquias, atormentou as classes médias
urbanas, inconformadas por nutrirem durante anos o desejo de alcançarem os
salões restritos às elites, mas não preparadas para compartilharem seus espaços
e instituições com quem antes era subalterno.
O conceito de liberdade na nossa sociedade se tornou a mera maximização
do desejo de realização individual, imediatamente frustrada quando acompanhada
de compromissos e deveres.
Os camarotes Vips tão comuns nas baladas e nos carnavais, estão
presentes também nas escolas, nos hospitais, no acesso à justiça, e agora nas
passeatas.
Tronaram-se o espaço de garantia de preservação da exclusão social e
racial.
Um território almejado por todos, principalmente por quem está subordinado
na sociedade, buscando aceitação e pertencimento.
Para além da crise de representação dos partidos políticos, desgaste do
discurso político tradicional, incapacidade dos partidos formularem respostas
que atendam os anseios e desejos da sociedade. Para além da responsabilidade
dos próprios partidos e líderes políticos que foram capturados pelos interesses
corporativos do mercado, se rendendo a falta de perspectiva de realizações
coletivas, tornando suas agendas pragmáticas e oportunistas.
Para além de tudo isso reside o fato de que numa sociedade tão individualista
e desconfiada “do outro”, torna-se muito difícil a aceitação de lideranças
políticas e adesão a qualquer movimento político interessado em participar da
política tradicional.
Existe uma geração que está muito preparada para administrar relações e
situações da esfera privada, mas que reconhece muito pouco as grandes
experiências públicas.
Este novo ser não consegue reconhecer no outro, principalmente se ele
estiver excessivamente distante, o poder de representar uma coletividade.
Assim como o individualismo parece ser algo muito natural. Até quando se
compartilha uma mesa e cada qual dá a atenção ao seu próprio Smart Fone. É
natural também considerar o apartidarismo como uma virtude necessária e a
ausência de lideranças identificadas com as velhas formas de se liderar.
É muito mais fácil confiar nas informações transmitidas através das
redes sociais do que ouvir um longo discurso numa praça pública.
Assim sendo, ainda que os líderes e colaboradores dos movimentos que
estartaram a onda recente de protestos tenham sido honestos com seus “seguidores”
e com os ideais de seu tempo, a ausência de um discurso comum e de grandes
lideranças à altura das também grandes manifestações, possibilitou-se a captura
e o galope dos protestos para todo tipo de manifestação oportunista.
Num universo tão heterogêneo de manifestantes, o que se viu nos últimos
dias foi uma espécie de bricolagem na arte de protestar.
A Avenida Paulista mais parecia um bloco do “vai quem quer”.
Como em um restaurante self service o manifestante dispunha de um
bandejão repleto de opções para protestar.
Cada um escolheu o que lhe parecia esteticamente mais aceitável.
Milhares de cartazes com frases de até 140 caracteres, tal qual certos
pronunciamentos da internet.
Num protesto saído das redes sociais, foram ressuscitadas as antigas
comunidades do Orkut.
Havia a comunidade dos médicos brasileiros indignados com a vinda de
médicos cubanos. A comunidade dos mauricinhos e patricinhas protestando contra
o “bolsa esmola”. A comunidade dos advogados que protestavam contra os valores
cobrados pela OAB. Os jovens senhores que desejavam redução de impostos. Os que
protestavam contra o aborto, por serem à favor da vida, mas ao mesmo tempo defendiam
a pena de morte. O protesto das senhoras contra a corrupção do Congresso
Nacional. A garotinha de 14 anos que protestava contra a PEC 37 por ser um
absurdo. A comunidade dos carecas bombados que caminhavam com camisetas do
Capitão Nascimento. E por aí vai!
Manifestavam-se também pseudo-anarco-punks protestando contra o protesto
dos outros.
Havia pegação e clima de carnaval.
A máscara do “V de vingança” era primeiro lugar nas paradas de sucesso.
Gosto bastante do filme, mas por trás da máscara do “V de Vingança” cabe
de tudo.
Principalmente a própria vingança, ressentimento social e político, nostalgia
das velhas hierarquias, inconformismo eunuco, e tantas outras coisas.
O que a princípio pode
parecer uma manifestação da vitalidade da nossa democracia, nos mostra que
simplificar as questões, responsabilizando nossa classe política por conta de todos
nossos males é sinal de ingenuidade e infantilidade, pois estamos longe de
alcançar um projeto de nação apoiado na sociedade brasileira. Esperamos ainda
revoluções de cima para baixo, capazes de ordenar as relações econômicas e
sociais orientados por um ser iluminado, hora conciliador, hora severo.
Acalanta-nos o fato de que
essa turma sozinha não leva ninguém às ruas. O “Cansei” se cansou facilmente e
precisou montar na garupa dos movimentos que lutavam por mais direitos sociais,
não por menos.
Certamente, depois das
últimas noites de protesto, nossos governantes de todas as esferas e instâncias
dormiram mais tranquilos pensando: “ufa, então é isso?”.
Por outro lado, a euforia
pelas últimas vitórias foi rapidamente engolida com um nó na garganta de todos
aqueles que lutam por justiça e liberdade, com a grave percepção de que
chegamos somente na ponta do iceberg.
É isso mesmo. Chora não neném. Vamos derrubar o governo. Pede pra sair.
ResponderExcluirRidículos! Viva a democracia! Vivas a sociedade que luta por um mundo melhor e não pior! Fora direita! O país está assim por causa de vocês. É que vocês ganharam muito e tem toda a imprensa como porta voz.
ExcluirJá era de se esperar que essa massa disforme de reaças de todos os tipos que estão pipocando nas redes viessem a público mostrar sua cara ( ou melhor, sua máscara).Há muito, temos observado a organização de movimentos nazistas, que estão se achando o suprassumo da novidade.Pois bem, que venham, é bom que apareçam e saiam do anonimato. Nesse sentido, foi ótimo a esquerda ter ido para as ruas, pois desmascarou essa chusma que adora fazer comentário como "Anônimo".É mais um aspecto da luta de classes q.saberemos enfrentar com organização política e inteligência.
ResponderExcluirBundão anônimo vem falar que "vamos" derrubar o governo. Tenta em 2014, otário.
ResponderExcluirVem um bundão, que sequer tem coragem de mostrar a fuça, dizer que "vamos" derrubar o governo. Conhece democracia? Então, tenta em 2014. Quem sabe conseguem...
ResponderExcluirLutar por direitos significa lutar principalmente, parao que outros também tenham os mesmos direitos que eu. Muito triste saber que o termo manifestação, outrora honrado pelas legitimas bandeiras que levantavamos tenha sido deturpado pelo capricho de jovens que lutam únicamente olhando para seus umbigos.
ResponderExcluirIsto me desculpem os que pensam ao contrário,foi a manifestação do cada um por si, e deus por mim.