José Serra investiu décadas de sua carreira política para tornar-se presidente do Brasil.
Talvez nenhum outro político na história recente do país tenha empenhado tanto esforço para alcançar o maior posto do comando da nação.
Concorreu em duas eleições presidenciais, mas em ambas oportunidades a conjuntura lhe foi desfavorável. Em 2002, quando Lula se elegeu, havia um esgotamento depois de oito anos de governo FHC, com alto desemprego, baixo crescimento econômico e caos na infra-estrutura nacional. Em 2010, enfrentou a candidata Dilma, indicada pelo Presidente Lula, no alto dos 80% de aprovação de seu segundo mandato.
Para alcançar seu objetivo, Serra cumpriu todas as tarefas possíveis. Colecionou inimigos e desafetos nos últimos anos, com seu estilo truculento e modo de operação ortodoxo ou no mínimo pragmático.
Todos os importantes cargos que ocupou não foram suficientes para acomodar o seu ímpeto. O poder que dispunha nas mãos sempre serviu ao seu projeto maior. Tem sido incansável e colecionou também derrotas importantes. No afã de restaurar o seu patrimônio eleitoral e de manter sua posição como chefe político local, precipitou-se e constrangeu o seu partido, impondo sua candidatura à Prefeitura de São Paulo, sendo derrotado por Fernando Haddad.
Para se viabilizar como alternativa, nos últimos anos cavou espaço na direita. Serra nunca foi um liberal e seu histórico político não era de um político direitista. Mas acabou ocupando um espaço disponível, tornando-se representante maior dos conservadores, tendo seu palanque habitado por religiosos histéricos e reacionários raivosos.
Desde sua derrota na eleição municipal, muitos imaginavam que Serra estaria definitivamente liquidado.
Eis que uma condição excepcional pode colocar novamente José Serra muito próximo ao poder central da República.
Com a morte de Eduardo Campos e a ascensão de Marina Silva como candidata à presidência, uma janela de oportunidade se abriu (ou foi aberta) para que Serra faça o que sabe fazer de melhor.
Marina Silva é candidata por um partido que não é o dela. Sua filiação ao PSB é meramente formal e seus correligionários não sabem ao certo quais as plataformas que seriam defendidas caso seja eleita. A entrada de Marina no PSB foi um arranjo para turbinar a campanha de Eduardo Campos. Claro que a possibilidade de vencer a eleição deve animar muitos quadros do PSB, mas como se diz na gíria do futebol, o PSB pode ganhar, mas não levar.
Outras forças políticas devem ter maior inflexão no gabinete de Marina do que seus pares do PSB. O coordenador da campanha de Campos, Carlos Siqueira, quadro histórico do partido, foi rapidamente afastado da órbita de Marina e tornou pública a maneira como foi destratado pela candidata.
Seu lugar será ocupado por Walter Feldman, que embora seja agora filiado à Rede (partido de Marina), é intimamente ligado a José Serra.
Caso seja eleita, Marina teria imensa dificuldade para construir maioria parlamentar capaz de garantir a governabilidade. Do mesmo modo, suas conexões com a sociedade civil e movimentos sociais são quase que inexistentes.
Não é preciso ser um grande cientista político para perceber que Marina teria imensa dificuldade de governar. Ela mesma se qualifica como "sonhática". Ninguém conhece ao certo sua visão sobre diversas questões relativas à estratégia de desenvolvimento do Brasil.
Ainda que seja romântico este conceito de "sonhático", a tarefa de governar um país, construir alianças políticas e pactos sociais é para os pragmáticos.
Ninguém conseguiu governar o país sem construir alianças. Nem no período imperial, nem no Estado Novo. A própria ditadura militar, que está mais fresca na memória das pessoas, tinha sua base de apoio político civil consagrada entre as oligarquias locais.
Serra tem um de seus maiores aliados na coordenação da campanha de Marina. Feldman teria tudo para ser um dos ministros mais influentes em um eventual governo de Marina.
Serra é também candidato ao senado. Embora enfrente o campeão de votos Eduardo Suplicy, pode ser impulsionado acompanhando a votação de Geraldo Alckmin para o Governo do Estado. Caso Serra ganhe a vaga para o Senado, pode ser um dos principais articuladores do governo de Marina Silva. Teria muito mais força do que em um eventual governo de Aécio Neves, seu conhecido desafeto.
Se Marina ganhar a eleição, estejam todos certos que o PSDB será o principal partido da base aliada. Com muito mais influência do que exerce hoje o PMDB no governo de Dilma.
Porque no caso do PSDB, além da base de apoio parlamentar que o PMDB empresta à Dilma, os tucanos irão fazer todo o trabalho de mediação do gabinete da presidenta com o Mercado, a imprensa e a sociedade civil.
Sem conexão com a sociedade, Marina precisaria se agarrar aos tucanos para se manter e ao menos garantir a aparência de estar governando. Ela não poderá dar um passo sem o aval do PSDB que deve assumir os principais ministérios,
Marina pode se tornar uma espécie de "Rainha da Inglaterra". Ficaria com a pauta "sonhática", enquanto os tucanos ficariam com a pragmática. Seria uma embaixadora verde do Brasil, sendo celebrada pelos salões dos bilionários e magnatas por enterrar o desenvolvimentismo brasileiro e nossas pretensões estratégicas e geopolíticas.
Agradaria muito os conservadores por falar do meio-ambiente sem discutir questões como o acesso à terra, desenvolvimento humano e trabalho. Como se homem destruísse a natureza por ser mau, e não houvesse questões econômicas e sociais escoradas no capitalismo predatório, consumismo e exploração.
Seria cortejada por abrir mão da soberania sobre o Pré-Sal e da emancipação energética.
Marina se ocuparia destas tarefas.
Ganhando a eleição para senador, Serra poderá ser o Presidente do Congresso Nacional. O grande engenheiro de um governo sem representatividade, precisando de proteção. O mediador de Marina com a oligarquia paulista. De novo, o grande chefe dos tucanos sabendo indicar os homens "certos" para os cargos "certos".
Quem sabe uma nova discussão sobre o Parlamentarismo não comece nos próximos anos. Seria impossível?
O jogo está sendo jogado. E por quem sabe jogar.
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