terça-feira, 28 de outubro de 2014
Quem mais ganhou a eleição, além de Dilma?
As eleições de 2014 entrarão para a história como um dos maiores momentos da esquerda brasileira. Mas por que esta vitória em especial merece destaque?
Na busca por espaço político, o PSDB surfou na onda conservadora. Ao atrair para seu campo figuras do fundamentalismo religioso, articulistas raivosos e figuras políticas ligadas ao autoritarismo e defensoras do regime militar, os tucanos conseguiram terceirizar sua comunicação com uma massa do eleitorado potencialmente reacionária.
A mobilidade social, num primeiro momento, traz o sentimento de euforia. Logo em seguida, o sentimento é de preservação e de conservação do status adquirido. A memória da classe média ainda é de pobreza.
O discurso ultra-conservador emerge com maior facilidade, pois depende menos de coerência. A grande mídia colaborou decisivamente para disseminar o medo em quem se sente permanentemente na beira do abismo, sem representação institucional e que acredita que seu sucesso é resultado unicamente de seu mérito pessoal.
A desigualdade social já faz parte da vida mental dos brasileiros. A inclusão (ainda que insuficiente para equalizar injustiças históricas) de milhões de pessoas no mercado de consumo e por consequência na vida cotidiana das metrópoles, exerce uma pressão invisível para que os que já estavam estabelecidos também sejam premiados com a subida de mais alguns degraus na escala social, sob pena de se sentirem automaticamente mais pobres, quando na verdade estão mais iguais.
Ao agregar as forças políticas mais conservadoras e prejudicar o conteúdo programático de seu projeto, os debates transbordaram à avaliação de desempenho do governo Dilma, que nitidamente enfrentava problemas.
As discussões políticas tradicionais foram convertidas em fábulas de ódio, repulsa e preconceito.
Ainda que as manifestações mais graves de intolerância não saíssem da boca do candidato Aécio, havia um contingente de apoiadores ligados a diferentes igrejas, grupos conservadores que realizavam esta função. As redes sociais tornaram-se um canal de manifestação de sentimentos inconfessáveis, impossíveis de serem transmitidos no horário eleitoral.
O antipetismo odioso se tornou uma espécie grife de distinção e pertencimento social. No esgoto da internet, corriam manifestações racistas, homofóbicas, machistas e de preconceito social.
A candidatura de Aécio, sem conexões sólidas com os movimentos sociais e a sociedade civil organizada, conseguiu abrir a caixa de pandora que liberou os mais terríveis monstros que estavam adormecidos e canalizou um coquetel de sentimentos abrigados no antipetismo e no desgaste dos doze anos de governo Lula e Dilma.
Ao misturar política e comportamento, tornou-se mais fácil para um contingente de eleitores que estava descolado do debate político cotidiano identificar nas candidaturas diferenças mais sensíveis que fazem sentido em seu modo de vida. Ao perceber que a candidatura de Aécio abrigava o discurso religioso, homofóbico, regionalista e que muitos de seus eleitores exprimiam manifestações preconceituosas, uma camada importante do eleitorado, que não necessariamente defendia o Governo Dilma, passou a apoiar sua candidatura.
É possível dizer que boa parte da galera que estava nas ruas no mês de junho de 2013, ao final do processo eleitoral se juntou às fileiras da candidatura de Dilma.
O comportamento violento e truculento da direita, unificou os setores progressistas da sociedade. Seja dentro dos partidos políticos, ou até mesmo em parte do eleitorado que não se sente representado pela política tradicional e estava disposta a anular o voto.
Para o próximo governo, a presidenta deverá contar com muito mais do que a base de apoio parlamentar. Precisará sedimentar suas conexões com a sociedade civil e com os movimentos sociais. Deverá disputar espaços em setores da classe média que foram desprezados. Neste cenário em que a estratégia de parte da direita parece ser incendiar o país e não reconhecer os fundamentos mais básicos da democracia, não há outro caminho, senão politizar a sociedade. Falar, ouvir, acolher. Superar a dinâmica das discussões obscurantistas e preconceituosas.
As manifestações de preconceito e ódio e preconceito após a confirmação da vitória da presidenta para um novo mandato nada mais é do que o sintoma de uma derrota histórica.
Porque uma derrota eleitoral se supera com a correção de rumos e angariando mais apoios. Mas, ao deixar de reconhecer as motivações e escolhas da maioria dos brasileiros, revela-se a falta de espírito público e o esgotamento de um discurso que não tem mais tempo nem espaço para prosperar.
Certas derrotas nos fazem mais fortes e nos colocam num estágio mais avançado para uma futura vitória. Porém, existem derrotas que efetivamente nos tornam menores. Que expõem e deixam evidentes o tamanho máximo que podemos alcançar. Quando se suja as mãos e a alma para vencer a qualquer custo e mesmo assim se é superado.
Todas as capas de revistas foram impressas, todos os boatos foram espalhados, todo o ódio proferido. Deus teve seu santo nome jurado em vão. A fé do nosso povo foi usada como elemento de chantagem política. Não havia nenhum obscurantista sequer que não estivesse do lado de lá. E mesmo assim a direita foi derrotada. Não há mais nada a temer!
A vitória é dos progressistas! Uma vitória encorajadora, talvez nunca antes ocorrida. Porque todos os conflitos estiveram à mesa. A imagem oficial da campanha era justamente a Dilma presa pela ditadura.
Uma vitória não só do povo brasileiro, mas também da América Latina. O Brasil, por sua importância, é o fator de equilíbrio neste continente historicamente oprimido e explorado, onde os processos políticos tendem a ser interdependentes.
O Brasil adiou e escondeu por muito tempo certos conflitos na nossa sociedade. Nos escondemos em mitos e fantasias como o da democracia racial e de que tudo sempre acabaria em samba. Agora, nós queremos mesmo é sambar, mas se tivermos que estabelecer um grande e exaustivo debate político sobre os rumos do Brasil, tudo bem, porque as lutas sociais sempre estiveram dentro da gente e fazem parte de nossas vidas.
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