ENSAIO SOBRE O TESÃO IDEOLÓGICO
Fiquem tranqüilos. Nada causará a extinção do tesão meramente carnal. Aquele de cabeça vazia. Com o coração e o espírito livres.
O desejo alienado e físico, desprovido de moral, felizmente sobreviverá por milênios.
Porém, o que tem mudado sensivelmente de uns tempos para cá são os caminhos pelos quais as pessoas se aproximam.
O encontro não depende mais da geografia, da família, do espaço ou da comunidade.
São os interesses compartilhados que põem frente à frente os potenciais amores. Sejam estes amores de amigos ou amores de amantes.
E neste universo em que o gosto, a predileção, a opinião e a estética são fatores de aproximação de pessoas que outrora estariam distantes, como encantar-se por quem parece contrariar justamente o que nos aproxima?
A visão de mundo, o comportamento, as escolhas e as decisões, tornam-se hoje tão ou mais importantes do que a roupa que se usa.
Tentarei ser um pouco mais claro.
Será que os opostos ainda se atraem?
Será que os progressistas ainda se encantam pelas conservadoras, ou vice-versa? E a bicho-grilo se enamora pelo coxinha? A esquerdopata se apaixona pela reaça. O alternativo se interessa pela homofóbica? A comuna daria bola para o fascistinha?
Em 2014, a Mônica ainda teria a mesma paciência com o Eduardo?
Na cidade grande, onde as pessoas surfam em diversos circuitos e tribos, com um cardápio muito maior de opções e sem depender de um único núcleo de convívio social, tem muita gente sustentando que seu tesão é mesmo ideológico.
E isso não é ruim. Na verdade, pode ser muito bom.
Quando se compartilha das mesmas ideias, vive-se algo grandioso que é o companheirismo.
O companheirismo coloca as partes em condição de cumplicidade.
A cumplicidade é uma delicia. É a chave que abre as portas para a intimidade.
E a intimidade abre as portas para toda sorte de desejos.
Já o desejo abre as portas, abre as pernas, abre o jogo e o coração para tudo aquilo que a vida ofereceu de mais gostoso.
Quem assume certos ideais, inevitavelmente causa algum nível de conflito, rejeição e resistência. É muito mais fácil não se posicionar e passar a vida toda se equilibrando, tentando perder o mínimo possível e se fazendo de invisível.
Logo, quando as pessoas encontram alguém que está na mesma trincheira, estabelecem uma relação de camaradagem. É possível que se crie um fluxo de consideração, respeito, admiração, desejo, tesão e também grandes sentimentos de amor.
E o bom amor tem que ser livre.
A liberdade é o terreno mais fértil para o desejo.
A sacanagem não está na direita nem na esquerda. Nenhuma corrente política detém o monopólio do tesão.
Porém, os moralistas, rígidos e inquisidores não parecem ser afeitos à certas bruxarias e picardias.
Se de cara o cão raivoso exclama que "o aparelho excretor não reproduz", que tratamento especial se imagina que ele pode oferecer a outras partes do corpo que não caminham para o útero? A boca, a mão, os dedos, as costas, o pescoço, os ouvidos, as coxas, a virilha, os seios. Há tanto a ser degustado, além do próprio aparelho excretor. Mas o moralista conservador não promete nada além de um beijo na testa na mãe de seus filhos.
Claro que o Pierrô está sempre chorando. Enquanto ele promete a ordem e um bem-estar asfixiante à Colombina, o Arlequim lhe presenteia com uma boa fungada no cangote e ela responde: "venha cá meu nego!".
Quem deseja ir à cama com uma pessoa cheia de regras, mitos e preconceitos?
A cama é território da liberdade. Dos libertinos e também dos libertários.
Certa vez, o Freud disse que a perversão é, aos olhos de quem a vê, uma ameaça de felicidade.
A liberdade é ameaçadora, pois ela põe em risco os poderes estabelecidos. A felicidade é subversiva.
Há algo muito além da política e da economia que ameaça aqueles que cultuam o ódio.
Qualquer sintoma de convivência pode significar um risco de igualdade.
Por isso é preciso interromper as festas com a lei do silêncio, com jatos d'água, com viaturas da polícia. Pois as pessoas estão transando por aí.
E o pior. Suas mulheres estão sendo roubadas. Suas filhas desencaminhadas. Os homens estão sendo obrigados a aprender "truques" novos para atrair as "suas" fêmeas, quando antes bastava apenas o seu gosto.
Mas as festas não irão acabar. As pessoas irão se encontrar. E vai tocar aquela canção que diz assim: "Você não gosta de mim, mas sua filha gosta".
Bem que eu queria encontrar minha metade da laranja ideológica... Ta difícil...
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