Costumo rejeitar as conclusões de que o homem seria o pior animal que existe e que deveríamos ser extinguidos para que a natureza pudesse retomar sua harmonia.
Também não sou entusiasta do discurso determinista que a humanidade deveria evoluir como um todo para que pudéssemos aprender a conviver uns com os outros, encontrando a "verdadeira paz" que estaria dentro de nós.
O homem é parte integrante do meio ambiente. Não faz sentido e não pode dar certo nenhuma ação de preservação ambiental que não compreenda a interação do homem e suas necessidades básicas de alimentação, saúde e moradia. Estas necessidades estão relacionadas diretamente com o acesso à terra, habitação e subsistência. Qualquer ação que supostamente se proponha a cuidar da natureza, mas não enfrente diretamente estas questões, é ineficiente, quando não hipócrita e mentirosa.
O ser humano tem sim a vocação para a paz. Seu potencial transformador é o que permite sua evolução constante e dissemina o bem-estar e a preservação da vida.
Ocorre que geralmente somos "ensinados" que o "homem" estaria acabando com a natureza, que "estamos" consumindo de maneira predatória os recursos naturais.
Muitos queridos de boa fé adotaram um modo de vida "sustentável", produzem menos resíduos, fazem uso racional dos recursos. Outros fazem votos espirituais, místicos e religiosos para melhorarem sua relação com o mundo em que vivemos.
Da mesma forma que a concentração das riquezas se dá de maneira escandalosamente desigual e o uso e distribuição dos recursos também ocorre de forma violentamente concentrada, as responsabilidades também não são equivalentes.
Segundo estudos da Oxfan International, as 85 pessoas mais ricas do mundo concentram a mesma riqueza que os 3,5 bilhões mais pobres. Estima-se que 1% da população mundial concentre metade de toda a riqueza do planeta.
As relações econômicas, sociais, políticas de trabalho e renda não são dados da natureza. Não são "como são" porque "assim são". A energia produtiva do homem não serve ao homem, mas ao interesse dos magnatas e poderosos. Os Estados não servem para regular a vida social dos indivíduos e organizar as atividades econômicas, procurando preservar o bem comum. O Estado usa sua força para preservar o interesse do Mercado (com eme maiúsculo) e as grandes corporações que para garantirem os lucros desta parte minusculamente mais rica, estão torrando e tornando insuportável a vida no planeta.
E o que isso tem a ver com a água que está acabando na maior cidade do hemisfério sul?
Para além das alterações climáticas e as evidências de que a natureza está dando sinais claros de saturação, a falta de água revela que vivemos muito mais do que uma crise hídrica, mas uma crise social e política.
O neoliberalismo estrangula a capacidade de investimento do Estado em infraestrutura. Enquanto despejamos bilhões para lubrificar o mercado financeiro especulativo e enviamos manifestantes protestando pelo superávit primário na porta do congresso, sacrificamos boa parte da vida nacional. Nas últimas décadas, o Brasil deixou de investir onde deveria.
Surpreende o fato de o maior estado da nação, com estabilidade política para realizar obras de médio e longo prazo, já que o mesmo grupo reina em São Paulo por três décadas, não ter sido capaz de se planejar para uma crise desta natureza.
A crise não é meramente do abastecimento de água, mas uma crise do saneamento básico. Como é possível uma metrópole como São Paulo ficar sem água? Com os rios importantes que cortam nossa cidade? Com riachos e córregos espalhados por todos os bairros e vilas? Os rios, riachos e córregos de São Paulo que deveriam ser uma benção para nossa população se converteram em fluxos de merda e todo tipo de detrito. O que deveria ser o grande trunfo de São Paulo, tornou-se ao longo dos anos um incômodo indesejável. Políticos ganharam eleições canalizando, tapando e escondendo água podre a tudo custo.
A crise é antes de tudo social e política porque se sabe muito bem o que deveria ser feito.
A questão é que existe uma disputa feroz pelos recursos públicos e o que menos importa nessa guerra são as pessoas. Ora, que tipo de gasto poderia ser mais importante do que a água?
Agora, e somente agora, descobriu-se que precisamos tomar água da represa Billings. Às pressas se decide purificar a água para consumo. Há quantos anos existem campanhas desesperadas para o salvamento da represa?
Alguns voltam a culpar o ser humano pelas moradias irregulares em área de manancial, matas ciliares, etc.
Ora, a população pobre não vive na beira do córrego ou da represa por estilo de vida!
As moradias distantes e precárias revelam a crueldade da nossa construção social.
Neste país com tanta terra não garantimos nenhum quinhão a população pobre que foi enviada às favas. Às favelas.
A moradia ainda não é vista como um direito humano, mas um benefício e uma facilidade a quem não mereceria mais terra do que sete palmos acima da cabeça.
Que tipo de ser humano se espera que surja em meio aos escombros e ao esgoto? Com que tipo de apreço à justiça e à liberdade? Como se espera que um indivíduo que não tem garantida a própria subsistência viva em harmonia com o ambiente que o cerca?
Agora, pagamos todos o custos pela sociedade perversa construída pelas elites.
Poucos foram os predadores. Alguns receberam alguns parcos privilégios e acreditam pertencerem ao time dos vencedores. Consideram-se ricos, mas não foram nada além do que combustível do sistema que irá vitimar a todos, sem exceção.
A grande maioria é composta por inocentes úteis. Que aceitam a opressão e se conformam com algumas quinquilharias eletrônicas vendidas na tevê.
Se nos fosse oferecida a opção entre ficar sem água ou sem internet no celular, seria possível que a primeira opção saísse vitoriosa.
Em outras palavras, vamos pagar caro pelo mundo que escolhemos viver. Ou pela opressão que não pudemos vencer.
O fato é que ou a humanidade derrota o capitalismo ou o capitalismo acabará com a vida humana. Mais rápido do que se imagina.
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