domingo, 18 de janeiro de 2015

Os que são e os que não são Charlie


Agora, estamos divididos entre aqueles que são Charlie outros que não são Charlie.
Não creio que seja ruim as pessoas estarem conectadas às notícias de seu tempo e fazendo o possível para se engajarem no processo histórico. Ao contrário, isso é muito bom.
Mas tenho percebido que vivemos uma espécie de dança das cadeiras ideológicas.
Quem nunca brincou esse jogo em alguma gincana? 
A música fica tocando bem alto, alguns competidores vão dançando em volta das cadeiras. Invariavelmente existe uma cadeira a menos do que o número de participantes. Subitamente alguém abaixa a música. Quem ficar sem lugar para sentar é eliminado da competição até que haja apenas uma cadeira e um único vencedor.
Isso parece ocorrer com os grandes temas globais. As pessoas ficam atentas para rapidamente escolherem a cadeira certa, antes que a música pare e a notícia se esgote, sem tempo hábil para um posicionamento.
Em outros tempos, quando os partidos políticos e as organizações não tinham se deteriorado desta forma e perdido a capacidade de disseminar uma espécie de unidade ideológica, as coisas não pareciam ser tão complicadas.
Mas hoje, na era das redes sociais e a importância estética que elas exigem, as adesões e os posicionamentos pairam no ar. Não dependem e não ambicionam uma consequência política. De alguma maneira, todos são ativistas digitais em algum nível, mas não se encontra um inimigo comum. Definir o "inimigo" é tarefa fundamental para o sucesso de uma jornada ambiciosa e consequente. Porém, os inimigos são fluidos. A luta "contra os políticos corruptos" impõe um discurso diferente da "luta contra a miséria", da "luta contra a liberdade de expressão", da luta "em defesa da democracia", da luta "pela igualdade racial" e todas as anteriores jamais seriam suficientes para dar conta da "luta contra o machismo".
Não que essas causas sejam menos importantes. Ao contrário. São urgentes! São lutas que todos devemos lutar.
Mas os estruturalistas parecem ser dinossauros, antiquados e fora de moda nesta sociedade em que todos parecem ter a sua causa particular e colateral.
Onde a arrogância é fomentada pela ilusão de quem foi ensinado a "saber de tudo".
Onde existem tantos inimigos quanto supostos heróis.
Vivemos um tempo em que parece existir uma epidemia da fantasia infantil de onipotência.
Em que todos disputam nas redes sociais a aprovação que antes se esperava da mamãe e do papai. 
Uma ilusão imatura do "bom mocismo".
A reivindicação do direito de ser "politicamente incorreto" surge em alguma medida da necessidade, ainda que subconsciente, de restauração das velhas hierarquias e estruturas de poder. Um tempo em que todos sabiam o seu lugar na sociedade e não reclamavam por serem subjugados.
Mas do mesmo modo, no outro lado da moeda, existe uma perseguição tola a uma espécie de heroísmo de salão de festas de condomínio. Onde se persegue muito mais a estética do que a coerência.
As pessoas exclamam que #FulanoTeRepresenta até a página 12. Se por algum motivo sua posição não é suficientemente boa nesta "pauta" tão líquida dos nossos dias, imediatamente sentem-se no direito de ofender até a sua oitava geração. Ofensas que até um tempo atrás seriam suficientes para o cabra pegar a peixeira é defender a sua honra. Mas não. Tudo é muito infantil, distante e instantâneo. Nem vale a pena guardar ressentimento.
Certamente, o mundo já foi um lugar mais simples para se viver. Talvez também mais desgraçado e violento, mas sem dúvidas já foi menos complicado.
Sem tantos mocinhos, sem tantos heróis. Mas talvez mais humano e menos cínico.

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