quinta-feira, 30 de junho de 2011

ENTREVISTA: ALEIDA GUEVARA - JORNAL FOLHA DE S. PAULO



ENTREVISTA: ALEIDA GUEVARA
Estou anexando uma das mais belas entrevistas que já li publicada no jornal Folha de São Paulo de hoje.



ELEONORA DE LUCENA
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

Ela se declara apenas uma militante da base do Partido Comunista Cubano, mas carrega o sobrenome de um mito da esquerda. Aos 50 anos, a pediatra Aleida Guevara se ocupa em cuidar da memória do pai e faz uma defesa inflamada do modelo da ilha.

Nesta entrevista, ela expressa seu temor pessoal de que as reformas em curso na ilha que permitiram a venda de imóveis e carros afetem a consciência social da população, pois podem inflar o individualismo. No Brasil para dar palestras, ela fala de política e da herança de Che Guevara.

Aos 50 anos, a pediatra Aleida Guevara se ocupa em cuidar da memória do pai e faz uma defesa inflamada do modelo da ilha de Cuba
Aos 50 anos, a pediatra Aleida Guevara se ocupa em cuidar da memória do pai e faz uma defesa inflamada de Cuba

Folha - Como vê o Brasil hoje?

Aleida Guevara - Para quem vem de fora é muito fácil analisar a situação. Para quem vive a realidade cotidiana é mais difícil. Por isso não é bom perguntar a quem vem de fora sobre a realidade do teu país, porque não tem base sólida para falar. Como trabalho com o MST há tanto tempo, uma das coisas que sempre tenho visto é a necessidade de repartir a terra, fazer uma reforma agrária profunda. Para que este país possa solucionar de verdade seus problemas de sua gente mais simples, do campo. Isso eu posso dizer. Mas, como o Brasil vai, só os brasileiros sabem. Vim participar da conferência de agroecologia em Londrina.

E como vão as coisas em Cuba?
Estamos em um momento de buscar solução a problemas reais que temos tido durante muito tempo. Há problemas atuais que o país vive por causa da crise econômica, que atinge todos os países do mundo. Estamos discutindo os problemas com todo o povo, analisando-os nos locais de trabalho, nos bairros. O congresso do partido analisou tudo o que resultou dessas reuniões populares e se chegou a um consenso de que vamos fazer algumas mudanças na economia familiar. Resolver um problema de família, de pessoas que estão sem emprego neste momento porque o Estado não pode seguir sustentando pessoas que trabalham sem produzir. Quando perdemos o campo socialista europeu, Cuba sofreu uma crise brutal e o Estado amparou todo mundo durante todo esse tempo. Agora a situação da economia interna melhorou. Portanto há possibilidades reais para que essas pessoas possam trabalhar independentemente. Não queremos desamparar os que não estejam trabalhando para o Estado. Por isso é que vem essa possibilidade de trabalho individual. Porque nós, pela Constituição, teríamos que analisar quais são os itens da Constituição atual que se chocariam com essas mudanças. Por isso toda essa análise popular, profunda. Se é necessário mudar algum item da Constituição, que o povo saiba o que se está fazendo e porquê. E o plebiscito que se tenha que fazer será faz mais rápido e mais fácil.

O que teria que mudar na Constituição?
Foi acordado na Constituição que Cuba é uma sociedade socialista. Dentro dessa sociedade socialista há normas, regras. Quando se diz agora que há pessoas que vão trabalhar por conta própria, pode ser alugar sua casa, o que não existia. Essas pessoas que agora estão trabalhando por conta própria, se quiserem outras pessoas para trabalhar, que seja pago um salário justo, por lei. Por exemplo: se quiseres alugar um quarto da tua casa e empregaste alguém para fazer a limpeza. Antes esta pessoa não estava protegida por nenhuma lei. Agora, com as mudanças, essa pessoa estará protegida também pelas leis do Estado cubano. Essas leis precisam ser implementadas na Constituição.

O último congresso do partido abriu possibilidade da propriedade privada de imóveis e carros...
Digamos que não é propriedade privada. Eu, por exemplo, se paguei por um carro, ele é meu. O problema é que eu não tinha direito de vendê-lo. Agora tenho. O que mudou é que é permitido ao cidadão que é dono de um carro vendê-lo legalmente. É sua propriedade, é seu direito. Como em relação a casas. Se uma casa é legalmente tua, tu podes vendê-la.

Mas isso é reconhecer a propriedade privada.
Dentro do que já existia, na propriedade individual. Que podes chamar de privada, se quiseres. É tua. O problema é legalizar essa propriedade para que você possa usá-la para o que quiseres.

A sra. não acha que isso se conflita com o princípio socialista?
Não. Isso não tem nenhum tipo de problema com os princípios socialistas. A questão não está em vender a tua casa ou o teu carro ou trocá-lo. Isso me parece que é muito bom que possamos fazê-lo livremente, sem nenhum tipo de trava. A questão está em que agora há trabalhadores por conta própria. Esses trabalhadores vão buscar o seu benefício pessoal. O meu temor pessoal como cidadã a pé eu não tenho nada a ver com a direção do governo cubano; sou uma médica cubana meu temor é que as pessoas que comecem a trabalhar para si mesmas percam um pouco a questão social, a consciência social. Vivendo numa sociedade socialista, nós trabalhamos para um povo. Quando tu começas a trabalhar para o teu bolso, para o teu bem estar pessoal, temos o risco de perder essa conexão social que mantivemos por toda a vida. Essa é a minha preocupação pessoal. O Estado socialista e segue sendo socialista porque não há privatização nos grandes meios de produção. Isso não se tocou e não se vai tocar. O povo cubano segue sendo dono de tudo o que se produz no país. Podes ser dono do que tu fazes em tua casa, um restaurante, um salão de beleza, serviços. Mas os grandes meios de produção, tudo está com o Estado, que, portanto, é do povo. Nesse sentido não há nenhum tipo de mudança.

As reformas foram feitas para tirar do Estado o peso de pessoas que..
Exatamente. De pessoas que vão ficar sem trabalho pelo Estado, porque o Estado não pode seguir sustentando essa situação. Temos feito melhorias econômicas. Essas pessoas ficam livres de trabalhar para o Estado e ter o seu próprio trabalho. E o Estado sai dessa tensão de manter alguém que não estava produzindo.

O seu temor é que essa reforma, que pode ser lida como mais privatizante, afete a consciência social?
O homem pensa segundo vive. Essa é a preocupação, simplesmente. Se você está vivendo somente interessado em melhorar a tua casa, em melhorar a quantidade de dinheiro que tem no bolso, em melhorar a vestimenta, você se esquece que a escola infantil da esquina, onde seus filhos e netos estudam, precisa de uma mão de pintura. Você será capaz de deixar um pouco desse dinheiro para doar à escola? Se você é capaz de fazê-lo, eu calo a boca e sou feliz. Essa é a minha preocupação: que você perca essa perspectiva, que não se preocupe com a perspectiva de comunidade social, que é o que nós somos e pelo que seguimos vivendo.

Por que é difícil fazer uma renovação nas lideranças cubanas? Por que não há jovens lideranças?
Nosso ministro de educação superior tem 51 anos, não é tão velho.

Mas na liderança maior...
Vai se renovando. As pessoas que vão chegando, vão provando como são, como atuam, qual a capacidade. Isso está havendo com vários dirigentes. O chanceler de Cuba tem 50 anos. Para chanceler, é relativamente jovem. Vamos vendo como essa nova geração, a minha geração, vai ocupando uma série de lugares de direção no país. É uma questão que vai se fazendo pouco a pouco. A questão mais importante é do conhecimento de como elegemos a nossa gente. Nenhuma imprensa do mundo fala das eleições em Cuba.

Como a sra. responde aos que dizem que Cuba é uma ditadura, não há liberdade de imprensa?
É simplesmente uma falta de conhecimento total da realidade cubana. Nós temos eleições populares, muito mais democráticas do que qualquer outro país. Porque é o povo que elege diretamente os seus candidatos. Desde a base. Não há organizações políticas que digam: é esse, esse. É o povo quem diz. Uma reunião de vizinhos diz: fulano e fulano. E explicam porque propõem. Cinquenta por cento mais um da assembleia reunida têm que dar a aprovação. Se a pessoa é aprovada, ninguém pode derrubar essa aprovação. É uma decisão do povo. Então esse passa a ser candidato.

Mas o partido é único.
Mas o partido não tem nada que ver com as eleições. O partido é um partido dirigente, diretor da conduta social nessa sociedade, nada mais. Não tem nada que ver com as eleições. As eleições são de baixo, do povo. Nós elegemos o candidato ao município. As eleições ocorrem a cada dois anos e meio. A cada cinco anos essa assembleia municipal elege uma comissão eleitoral dentro de seus membros e começam a receber propostas das organizações de massa do país. Por exemplo: os camponeses têm uma organização de massas. Se nesse município há camponeses, eles têm direito a propor candidatos para a província e para a nação. Se há faculdades ou universidades, a organização de estudantes universitários tem direito a propor candidaturas a essa assembleia municipal. Assim, se há um hospital, o sindicato da saúde tem direito a fazê-lo; se há uma unidade militar, os militares têm direito há fazê-lo. Todas as organizações sociais que existem nesse território têm direito a propor candidatos à província e à nação.

A comissão eleitoral da assembleia municipal reúne toda essa informação e faz uma eleição. Faz uma cédula para a província e para a nação. Essa candidatura se discute no pleno da assembleia municipal. E a assembleia municipal tem que aprová-la em 100%. Se não a aprova, a comissão eleitoral tem que recomeçar o seu trabalho. Até que o município aceite essas candidaturas. Quando forem aceitas essas candidaturas, se apresenta a votação para o povo. Província e nação. O que aconteceu com a nação? Se tu deixas que o povo cubano diga realmente o que querem desde baixo para a nação, os históricos seriam sempre indicados. Todo mundo vai propor Fidel, Raúl, Ramiro Valdez. Gente é conhecida, em quem se tem confiança e que se sabe que vão seguir o caminho da revolução.

Mas não é possível porque é preciso dar espaço a novas gerações. Por isso é que os dirigentes históricos somente poderiam ser propostos pelo seu município. Por exemplo, Ramiro Valdez somente pode ser proposto pelo município de Artemísia. Santiago de Cuba é o único município que pode propor Raúl e Fidel. Desde o início tivemos que fazer assim porque as pessoas tinham a tendência de indicar sempre Fidel e Raul.

Nossa assembleia tem 38% de mulheres. Uma percentagem importante de jovens. Está bastante equilibrada entre trabalhadores do campo e da cidade. Depois vamos às urnas e elegemos. Quando a assembleia está eleita pelo povo, se reúne e elege, dentro do seu seio, o presidente, secretário, vice-presidente, o conselho de Estado, os ministros. A assembleia nacional de Cuba e o Conselho de Estado tem que ser eleitos diretamente pelo povo.

Então não há um problema de renovação?
O problema está em que o povo cubano conhece a sua gente. Se tu conheces a tua gente, querem que sigam dirigindo. Se fizeram bem até agora, por que queres mudar? Ao contrário. O que as pessoas realmente temem é que poderíamos eleger um jovem neste momento que não tenha as possibilidades intelectuais que tem hoje, por exemplo, Raúl. Estamos seguros com ele. Nos sentimos seguros com ele. Por isso se elege. Quando não o tivermos, estaremos obrigados a buscar outras possibilidades. Por isso é bom ter ministros mais jovens para ver como se comportam. O povo pode dizer se esse agrada ou não. E pode pensar desde agora: esse ministro está trabalhando muito bem, é uma pessoa direita, é austero --isso observamos muito. Se são ministros que têm contato com o povo. Que as pessoas confiem em relação à sua atitude em relação à vida.

Como justificar a questão da oposição, dos presos políticos, as damas de branco?
Meu Deus! O conceito de preso político é presos por suas ideias. Em Cuba não existem esses presos. Em Cuba existem presos por ações contra o povo. Ações de delito. Colocar, por exemplo, veneno na água de uma escola infantil é terrorismo. Esse está preso. Incendiar a telefonia de Cuba. Isso o que é? É uma ação terrorista.

Então não existem presos políticos; existem terroristas presos?
Existem terroristas. Existem os que fazem isso do ponto de vista econômico também. Porque vivemos com o bloqueio dos EUA. Nos últimos anos, eles têm aplicado a lei do bloqueio de outras formas mais sofisticadas.

Como?
A lei Helms-Burton fala que, se você tem uma empresa e quer ir a Cuba negociar, alugar uma casa, um edifício para implantar a empresa, você pode ser penalizado se esse edifício onde você colocou a sua empresa pertenceu a alguém que vive hoje nos EUA. Pela lei Helms-Burton os EUA podem penalizar essa empresa por U$ 5 milhões, 10 milhões por ocupar um lugar que pertenceu a um norte-americano. Imagina! Em Cuba as melhores residências pertenceram a essa gente dos EUA. Os 20 mil melhores hectares pertenciam aos EUA.

Com quem vamos negociar? Há empresas que se atreveram a fazer essas coisas. Há mercenários pagos diretamente pelos EUA e países europeus que se dedicam a dar esse tipo de informação ao FBI. Isso prejudica muito o nosso país. Muita s empresas, panamenhas, por exemplo, tiveram que sair porque foram penalizadas por isso. O povo cubano se prejudicou. Essas pessoas quando foram detectadas e foram presas. Por fazer dano ao nosso povo. A maioria já esta praticamente livre. Por causa de um trabalho que alguns ministros espanhóis fizeram para libertar essas pessoas.

O embargo não mudou nada com Obama?
O bloqueio. A palavra embargo em espanhol significa que os EUA embargam nosso direito comercial com eles. Esse é um direito deles. Não protestamos contra isso. Protestamos quando os EUA tem o propósito de que nenhum outro pais do mundo comercialize livremente com Cuba. Isso é o bloqueio, fechar um país. Isso é o que estão fazendo conosco toda a vida. Com Obama, acreditávamos que, por ser o primeiro presidente negro na história desse país que é tão racista, esse homem teria outras perspectivas. Nos equivocamos. Obama responde aos interesses da grande indústria dos EUA. Não fez nenhuma mudança importante.

Ele entrou na presidência prometendo que a base militar de Guantánamo seria fechada. Isso não ocorreu até agora. Seguem tendo presos ilegais em nosso território nacional. Essa base é roubada de Cuba. Ela foi negociada em 1902. E, depois, em 1904. A partir de 1904, este contrato entre o governo de Cuba na época e os EUA nunca mais foi tocado. Por leis internacionais, um contrato que tenha mais de cem anos e que não seja tocado, morre por morte natural. São as leis internacionais desse mundo. Apesar disso, os EUA não aceitam. Faz mais de cem anos que esse contrato já faleceu. E mantém ilegalmente esse nosso território ocupado.

E Cuba nada pode fazer?
Cuba protestou em todos os meios, nas Nações Unidas, em todo o tipo de organização do mundo. Não há resposta. Quando os EUA começaram a usar a base como um cárcere ilegal, Cuba protestou em todos os níveis, em todas as organizações internacionais. Não houve resposta. Que podemos fazer? Tirá-los de lá, com muito prazer o faríamos. Mas seria a desculpa que teriam para nos atacar.

Volto a perguntar sobre as damas de branco. Há quem diga que a primavera árabe pode chegar à Cuba. A sra. teme isso?
As damas de branco são para mim uma vergonha como mulher. O que elas pedem? Que se deixem livres assassinos, terroristas, pessoas que atacaram a economia de seu próprio povo, mercenários que se venderam aos interesses dos EUA e da Europa? E que uma mulher não enxergue que seus próprios filhos estão numa sociedade livre, uma sociedade que cuida das crianças, do momento em que nascem até os últimos anos de sua vida. Uma sociedade em que a educação é totalmente gratuita. Não importa se és dama de branco, de preto ou de verde. Como não são capazes de valorizar essas coisas? Que posso esperar de uma pessoa assim? Se uma pessoa tem princípios e luta pelos teus ideais, eu a respeito, mesmo que não sejam os meus [ideais]. Mas quando essa pessoa recebe dinheiro para fazer essas ações? Quando recebe dinheiro e vive desse dinheiro para fazer esse tipo de coisa contra o teu próprio povo? Não vou respeitar essa pessoa. Não posso respeitar um mercenário.

É o caso das damas de branco?
É o caso de todas essas senhoras. O que estão defendendo? A quem estão defendendo? Pessoas que colocaram veneno em água de crianças, que tentam incendiar uma central telefônica e que contratam pequenos delinquentes no país para tentar desestabilizá-lo? Por muito humana que eu seja, por muito que eu queira, não posso aceitar. Porque não estão defendendo ninguém, nada que seja justo. Se elas fizessem de coração, se não recebessem dinheiro para fazer tudo isso, eu poderia tê-las em conta. Porque são mulheres, podem amar a seus maridos. Pode ser um filho da puta. Se está apaixonada por ele, tem que se respeitar. Mas que nasça de ti, não que recebas dinheiro para fazer todo o show que fazem. Não posso apoiá-las. É isso que acontece com as damas de branco. O povo as rechaça. As rechaça ao ponto de que a policia nacional teve que protegê-las. É uma reação do povo, que sabe o que estão fazendo essas senhoras. Nós temos um nível cultural importante na população.

Mundo árabe é muito diferente de nós. São culturas, situações diferentes. A revolução cubana é uma revolução de base, do povo. O exército cubano é um exército do povo. Sou uma médica e estou defendendo tranquilamente o que é meu, de meus filhos e netos. Isso me dá direito de fazê-lo. No mundo árabe não houve revoluções desde as bases. Não há revoluções populares realmente. Houve movimentos importantes, por exemplo, no Egito, mas se perderam faz muitos anos. A revolução de Nasser se perdeu. A situação em que vivem esses povos é às vezes extrema. Eu respeito o mundo árabe, gostaria de conhecer muito mais. Mas é muito diferente do meu. E os problemas internos sérios somente seus povos podem resolver. Quem sou eu para dizer aos libaneses, por exemplo, como devem se comportar? Os únicos que podem determinar como podem ser dirigidos são os libaneses.

Mas há uma ebulição no mundo árabe agora, não?
Desgraçadamente vejo muita manipulação, de grupos dentro do mundo árabe que estavam incomodados por falta de poder. Utilizaram a necessidade de um povo de buscar soluções para o que sofrendo para chegar ao poder também. Tomara que os povos logrem os seus objetivos. Até agora o que estamos vendo é uma manipulação de situações internas para provocar alguns distúrbios. Tiraram um tirano no Egito. Buscam um mais suave, que convenha melhor aos interesses externos que existem no Egito. Se o poder é tomado e se atrevem a nacionalizar todas as riquezas do Egito e fazer isso em benefício do seu povo, aleluia, perfeito. Até agora não vemos isso. Temos que esperar para ver o que vai acontecer. Nenhum país tem o direito de interferir nos problemas internos do outro.

Como acontece na Líbia.
Nenhum. Muito menos a Otan, estimulada principalmente pela Espanha, pois o petróleo líbio é o petróleo que Espanha utiliza. Esse é o objetivo dessa guerra. Há que ter respeito aos povos. Eu pergunto, quando na história da humanidade um país do chamado primeiro mundo pediu ajuda a um exército do terceiro mundo para resolver seus problemas internos? Nunca. Quem dá o direito a um país do primeiro mundo intervir em um país? Quem deu esse direito? O Plano Colômbia, por exemplo. Colômbia é produtora de coca, mas coca ancestral. Esse povo não consome a coca como os Estados unidos consumem a cocaína. É diferente. Se os Estados Unidos e a Europa não consumissem essa cocaína, não teríamos o problema com a coca na Colômbia. Por que se mantém o negócio? Porque há muitos interesses nos EUA e Europa que provocam esse tipo de situação. Porque não resolvem o seu problema. Por que vêm meter sete bases militares na Colômbia?

A vitória da esquerda no Peru muda algo na América Latina?
Estamos vivendo a Alba, a alternativa bolivariana, com Venezuela, Cuba, Equador, Bolívia, Nicarágua e duas ilhas pequenas do caribe. Temos intercâmbios culturais e econômicos, respeitando idiossincrasias e soberanias. Mas sendo cada vez mais companheiros na luta pelo bem estar do povo. Esperamos que Peru se una. Mercosul é outra instituição. Seria fantástico se Brasil e Argentina se unissem à Alba, pois isso significaria que não há retrocesso para a AL. Se os gigantes latino-americanos se unissem num processo emancipador da América, não haverá o que nos detenha.

Como está Fidel?
Bastante bem. Quando saí de Cuba (em 23/06), estava bem, tinha ido visitar Chávez.

E como está Chávez?
Não o vi pessoalmente, mas o que sei é que está bastante bem, muito recuperado. Gosto muito dele. É um grande amigo.

E o câncer?
Que eu saiba, não há câncer. O problema é que se tem ou não tem, não é importante. O importante é que tenha a capacidade para seguir dirigindo e resolvendo os problemas de seu povo. Qualquer ser humano pode ter qualquer tipo de enfermidade. Por ser um presidente não está isento de ter enfermidades. Se ele agüenta, resiste e se sente em condições para seguir adiante...

Não seria melhor anunciar publicamente o que ele tem?
Mas se não tem, porque vai anunciar?

Mas ele está há muito tempo em Cuba.
E é uma operação de joelho, necessita de tempo para recuperar-se. Tem o peso do corpo...

Mas não foi um abscesso?
Há muitas versões.

Por isso que pergunto se não seria melhor divulgar o oficial.
O problema das coisas oficiais...O porta-voz do governo bolivariano deu uma explicação pública, mas todo mundo repete o que diz Miami. De que adianta dar explicações a toda hora se um porta-voz oficial diz algo, mas as pessoas dizem outra. Que objetivo tem que eu diga algo se não vais me acreditar?

Cuba é hoje dependente da Venezuela como foi no passado em relação à URSS?
Não. São coisas diferentes. Venezuela é um país latino-americano como nós, a mesma cultura, maneira de ser. Estamos numa mesma organização latino-americana. Também tivemos muito respeito com a URSS.

Mas a dependência econômica? Cuba é dependente hoje da Venezuela?
Não. Temos intercâmbios importantes, sobretudo no petróleo. Estamos buscando energias alternativas, como a solar. Não há uma dependência. Poderíamos estar hoje perfeitamente bem sem a Venezuela. Claro, há algumas coisas que seriam prejudicadas. É melhor ter um amigo por perto do que um inimigo. Bolívia, apesar de mais longe, também.

E o Brasil?
Com o Brasil temos muito boas elações diplomáticas. Há muitas empresas brasileiras em Cuba. Empresas brasileiras que comercializam com Cuba muito bem.

Quais?
Melhor não mencioná-las.

Como é a sua vida? Como é conviver com a herança de Che?
Tenho 50 anos, duas filhas. A maior tem 22 anos, acabou de se graduar em economia em Havana. A segunda tem 21 anos e está terminando seu terceiro ano de medicina. É o tesouro maior que tenho como ser humano. Trabalho muito com crianças, sou pediatra. Trabalho também numa escola para crianças com necessidades especiais em Havana. Que também me fazem muito feliz, me fazem melhor ser humano todos os dias. Pois são crianças muito especiais, com uma grande capacidade para amar. Trabalho também em casas de amparo. Dou consultas como médica, trabalho no centro de estudo Che Guevara, levando a imagem de Che. Meu salário é como medica, especialista de primeiro grau.

Você mora em Havana?
Sim. Minha filha menor vive comigo; a maior vive com sua avó paterna, pois seu pai faleceu há alguns anos. Tenho também meus irmãos.

O que eles fazem?
Camilo, 49, trabalha no centro de estudos Che Guevara. Célia é veterinária especialista em mamíferos marinhos e trabalha no aquário nacional de Cuba. Ernesto é advogado, mas gosta de trabalhar com motos. É mais mecânico do que advogado. Trabalha por sua conta. E mamãe, que é o centro. É diretora do centro de estudo Che Guevara.

Há machismo em Cuba?
Sim, há algo. Superamos muito com a revolução. Fizemos um giro de 180 graus. Não é possível arrancar tudo de uma vez. É lento. É possível fazer mudanças econômicas e sociais num estalar de dedos, mas mudanças mentais levam tempo. A geração das minhas filhas é muito mais forte, Sabem quem são e para onde vão. Também os homens têm hoje um conceito muito mais aberto. Temos avançado muito. A dupla jornada de trabalho da mulher vai diminuindo.

Como lidar com o mito Che?
Mito, não. Quando falas, por exemplo, de Cristo, é muito distante do ser humano, não sabes se existiu ou não. Che não pode converter-se num mito. Ele era um homem como qualquer um de nós. Isso é o que o faz bonito, completo. Que sendo humano, com todos os problemas e deficiências humanas, soube ser um ser humano melhor. É o que queremos que nossos filhos entendam, aprendam. E que consigam seguir esse exemplo de vida, de ação, de honestidade, de integridade como ser humano.

A imagem dele está por toda parte, mercantilizada em camisetas. Quem as usa sabe quem ele foi?
Algumas pessoas que usam essas camisetas sabem quem ele é e têm consciência. Outras não. Não sei por que usam. Talvez porque papai era muito bonito e as pessoas gostam da imagem. Não posso dizer. Já vi pessoas que não sabem quem ele é e usam sua camiseta. Na Itália, por exemplo, homens da juventude fascista pediram a meu irmão e a mim que assinássemos uma camiseta. E quando nos disseram que eram da juventude fascista, dissemos que eles estavam loucos, que precisavam estudar o Che para ver quem ele era.

Também aconteceu na Itália que dois homens começaram a me olhar muito. Estranhei. Quando perguntei por que me olhavam, me disseram: se tu és real, quer dizer que Che era um homem como nós. Me tocaram. Viram que eu era de carne e osso. Pela primeira vez me senti útil só por ser filha de Che. Sim, tão real como eles, e por isso tão difícil de alcançar. Superar outro ser humano que soube ser melhor que nós. Isso é difícil.

A sra. quase não conviveu como ele.
Muito pouco. Tinha quatro anos e meio quando ele partiu para o Congo. Depois ele regressou a Cuba de forma clandestina. Porque não queria de despedir novamente do povo cubano; já tinha feito isso oficialmente. E, quando voltamos a vê-lo, ele estava transformado numa outra pessoa. Portanto durante muitos anos eu não soube que aquele homem era meu pai. A mim me resta minha mãe, que o amou profundamente e passou esse amor a seus filhos e os seus amigos mais próximos, que sempre nos contavam coisas, mantendo essa imagem que eu admirava. Essa imagem foi crescendo muito. Quando completei 16 anos me perguntei porque eu gostava de meu pai, se não o tinha tido perto de mim quase nunca. Busquei alguns flashes de memória e me dei conta que esse homem que havia amado de verdade. O que tu podes fazer é devolver esse amor, apesar de não estar presente. É o que fazemos.

E você tem alguma lembrança forte dele?
Sim, por exemplo. Acho que foi nos últimos momentos antes da viagem para o Congo. Meu irmão Ernesto havia nascido há apenas um mês. Tenho uma imagem de minha mãe, com meu irmão apoiado sobre seu ombro. Eu estou embaixo olhando a cena. Meu pai está vestido como militar e tocado com uma mão muito grande a cabecinha do bebê. Essa imagem sempre me ficou na retina. Não falei com ninguém, era minha, muito linda. E eu sou mãe também e me ponho a pensar nesse momento, quem sabe de despedida, em quanta preocupação ele poderia estar tendo com esse bebê, se esse bebê, quando crescer, vai entender porque ele não estava. [Chora, tentando conter as lágrimas] Toda uma série de coisas. E esse momento me faz pensar em meu pai com muito amor, com muita força. Porque ele foi um homem capaz de amar com tanta ternura e, ao mesmo tempo, capaz de seguir o seu caminho, de saber que é mais útil noutro lugar. É o melhor exemplo de um verdadeiro homem, de um verdadeiro comunista: de oferecer o melhor da sua vida apesar de si mesmo.

Depois tive outro encontro, quando ele regressou do Congo, já transformado em outro homem. Não sabia que era papai. Essa noite eu caí, bati forte a cabeça. Ele me tomou em seus braços, me protegeu. No fim, eu disse alto: mamãe, acho que esse homem está apaixonada por mim. E deve ter sido algo muito duro para ele, porque não pode me explicar porque me queria de uma maneira muito especial. Mas para mim foi ótimo. Porque quando depois soube que aquele homem era meu pai, apesar de naquele momento não saber quem era, apesar do seu disfarce, eu senti que esse homem me amava de uma maneira muito especial e isso é bonito para qualquer filho.

Essa cena do disfarce está no filme de Steven Sodenbergh. O que achou dos filmes que foram feitos?
O filme com Benício não gostei. Gostei mais do filme de Walter Salles. Não que não goste do ator. Benício fez o maior esforço. Mas a coisa histórica. Na primeira parte, por exemplo, ocultou a parte de papai como formador de homens. Isso não se vê no filme, e talvez seja a parte mais importante de meu pai. Depois, a parte da Bolívia. Fazem toda uma película de guerra. Mas não está o sacrifício dos homens que, como meu pai, largaram tudo para ser útil para outro povo. Isso não se sente no filme. O filme de Walter Salles é muito melhor, muito mais respeitoso, mais real, feito com uma entrega total, eu me identifiquei muito.

Como foi desfilar no Carnaval de Florianópolis?
Levei uma bronca de minha mãe. O Carnaval de Cuba é diferente, é brincadeira. Aqui é uma expressão cultural, tem outra conotação. Depois aprece comigo, num carro alegórico tipo tanque, um homem vestido como meu pai. Isso para minha mãe é um insulto, porque ela respeita muito a sua imagem. Mas eu senti o respeito e a admiração desse jovem por meu pai. Mas minha mãe não gostou.

Como a sra. avalia a manutenção da memória sobre o seu pai?
Muitas coisas faltam. Um das mais importantes é que não há publicações suficientes para os jovens, sobre sua imagem, sua vida. Há muitos livros publicados por terceiros. Mas obras feitas por Che não há para toda a juventude. Esse é um dos objetivos do centro de estudos Che Guevara: fazer esse tipo de publicação.

Trabalhamos com uma editora australiana para levar toda a obra de meu pai aos jovens. Temos doze livros publicados. Há um dedicado aos jovens que se chama Che a partir da memória. É uma compilação de escritos dele desde que ele tinha 16 anos. Tem outro sobre América Latina. Outro sobre economia política, no qual ele faz uma crítica aos manuais de economia da URSS daquela época. Há apontamentos sobre o Congo. Tem discursos, como ele fez em Punta Del Este contra a Aliança para o Progresso. Há o discurso de Argel. Tem o texto sobre o homem e o socialismo em Cuba, que é, para mim, como uma bíblia.

Como está a juventude em Cuba?
Bastante sã. Não temos muito problemas com drogas e Aids. Estuda muito. Há um milhão de estudantes universitários para uma população de 11,5 milhões. Mas é preciso trabalhar todo o tempo. A pressão ideológica contra Cuba é muito forte. Os Estados Unidos criaram a TV José Marti. Há cinco estações de rádio que fazem emissões dos EUA em castelhano. Alguns escutam. Foi o que aconteceu há alguns anos, quando pessoas saíram no Malecón com malas esperando que os viessem buscar. Foi por causa das rádios, que diziam que lanchas iriam buscá-las.

Como a sra. explica isso? As pessoas querem fugir de Cuba?
Isso era no período especial, quando a situação em Cuba era de se arrancar os cabelos, era desesperadora. Então pessoas que não têm os princípios necessários para aguentar a situação pensaram que poderiam viver melhor em outro lugar. Mas se deram conta de que foram manipulados e enganados. Não havia ninguém. E saíram quebrando. E o povo cubano saiu a controlá-los. Não houve um policial cubano. Foi uma coisa espetacular. Chamaram Fidel e Fidel foi. E o povo gritou: viva Fidel. E ele neutralizou a situação. Um ano depois, os jovens fizeram nesse mesmo dia uma marcha espetacular debaixo de uma chuva tropical.

Mas hoje isso poderia acontecer?
Perfeitamente. A última marcha de primeiro de maio foi espetacular, 5.000 jovens fecharam a marcha. E não se vai à marcha de forma obrigada, se faz de coração.

É muito pesado ser filha do Che?
Não. Minha mãe sempre nos ensinou que iríamos receber coisas que não havíamos ganhado. Que teríamos que receber: o nome de meu pai. Mas que deveríamos colocar os pés firmes sobre a terra e deixar passar o que não ganhamos como ser humano. É o que fazemos. Recebemos o nome de papai, mas deixamos passar tudo o que não é para nós. Por isso vivemos muito tranquilos.

A mentalidade de hoje é mais à direita do que era nos anos 60?
Não. Depende de como a esquerda se comporta num momento como este. Se viveres de costas para o teu povo, perdeste tudo. Mas, se tu estás ao lado dos necessitados e segue trabalhando ao lado de teu povo nos momentos mais difíceis, esse povo se dá conta que tu existe, e que tem algo diferente a oferecer. O mundo não tende a pensar como uma direita conservadora. Veja o movimento nas ruas da Espanha, os indignados.

Mas na Espanha a direita ganhou as eleições.
Mas esse movimento nas ruas não se via há muito tempo. E é contra o capital. Sabem bem o que estão exigindo: os bancos não podem seguir ganhando a custa do povo. Isso não é direita. É esquerda, é um despertar da consciência social.

Mas a direita ganhou.
Depende como são as eleições, partidos que levam listas. É um rolo. A suposta democracia nesse sentido se emaranha muito para as eleições. Se não tens capital, não entras nas eleições.

Há democracia em Cuba?
A democracia é o poder do povo. É o que diz a palavra demos: poder do povo. E um Estado de direitos para todos os cidadãos. Isso em Cuba existe sem nenhum tipo de dúvida. O que o povo diz é o que se faz. O povo sempre tem a última palavra.

Como está o caso dos cubanos presos nos EUA?
A mídia nunca fala. Falam dos presos em Cuba, das senhoras de branco, mas nunca falam dos cinco heróis cubanos presos nos EUA. Cuba é um país agredido pelo governo dos EUA, que mantém organizações terroristas de origem cubana no sul da florida. Chegam à costa cubana e metralham. Ferem crianças e idosos. Não dizem nada contra isso. Envenenaram a água de uma escola infantil. A mulher que quis incendiar a telefonia estava sendo paga por eles. Colocaram fogo em um edifício onde havia uma escola infantil. A dengue hemorrágica foi introduzida em Cuba através dessa gente de Miami. As últimas bombas em Havana, quem foi? Um turista salvadorenho pago diretamente por essa gente. Ele está preso em Cuba. Seu telefonema. Está tudo gravado. Nunca uma organização internacional protestou contra as ações terroristas contra Cuba. O governo dos EUA declarou que vai lutar contra o terrorismo em qualquer parte do mundo. Exceto em seu território nacional.

Esses cinco cubanos entraram nessas organizações porque é a única maneira que temos de evitar esses atos. Eles estavam dentro dessas organizações para dar informações dos atos terroristas contra o nosso povo. Foram detectados. Essas organizações terroristas do sul dos EUA enriqueceram com o tráfico de drogas, de armas e de seres humanos. O FBI nos procurou e demos informação de boa fé. E o que fez o FBI? Prendeu os nossos e deixou livres os terroristas. Estão presos há 13 anos. Dois deles nasceram nos EUA. Três eram cubanos com nomes falsos. Por isso podem ser penalizados. Mas a pena é de um a cinco anos de prisão, pelas leis dos EUA.

Há antecedentes. Outros foram condenados a oito anos. O FBI não demonstrou que eles tinham informação que comprometesse a segurança dos EUA. Nenhum pode ser condenado por espionagem, porque não há prova. Não era isso que estavam fazendo. Apesar disso, foram condenados a penas perpétuas. Um deles a duas vezes a pena perpétua! Com toda a mobilização internacional demonstramos que foram cometidas violações tremendas dentro das leis dos EUA. Comprovados agentes foram condenados a 10, 20 anos. E esses, que não tiveram nada comprovado, têm a pena perpétua! Como é possível? Conseguimos um segundo julgamento por causa da pressão internacional. Se os EUA usassem sua própria lei, esses homens seriam colocados em liberdade já. Porque não há lei que sustente essas prisões. E tem que a questão da imparcialidade. Como vais julgar cinco homens cubanos, que tenham se infiltrado nas organizações terroristas em Miami, em Miami? É impossível. Não funcionam as leis nos EUA. Por isso precisamos da solidariedade internacional nesse caso. Para pressioná-los a fazer justiça. Só queremos que os EUA façam justiça e façam valer suas próprias leis.

Com essas reformas, o Estado vai se reduzir em Cuba?
O Estado de Cuba é o povo, o poder do povo. Nos sentimos muito bem representados pelo nosso Estado.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Sociedade do Vale Tudo



Sempre gostei de boxe.

Cresci vendo as lutas do incrível Mike Tyson.

Pra quem não é desta época basta dizer que se fazia reserva em bares e restaurantes para assistir às lutas que muitas vezes terminavam em segundos.

Tyson parecia ser indestrutível e sobre humano.

Certa vez uma turma grande se juntou para ver a luta do século.

Tyson havia estado preso durante anos acusado de estupro e nesse meio tempo emergiu o Evander Hollyfield.

Havia uma percepção geral de que o novo campeão seria o responsável pela desgraça de Tyson, já que Hollyfield foi o maior beneficiário da ausência de Mike Tyson dos ringues.

As pessoas se amontoaram em frente o telão e puderam ver a vingança do animal Mike Tyson que arrancou com os dentes a orelha de seu algoz Hollyfield. Foi uma cena impressionante que jamais esquecerei.

Tyson foi amaldiçoado e sua vingança contra a sociedade americana foi incorporar tudo o que ela mais detesta. Converteu-se ao islamismo e tatuou em seu corpo Mao Tse Tung e Che Guevara. Derreteu seu patrimônio e encarnou a figura do derrotado, antítese do modelo de estereótipo do norte americano “ideal”.

Aqui no Brasil tínhamos o Maguila. Havia até uma música dos Paralamas chamada “Perplexo” que cantava a barra pesada de ser brasileiro subdesenvolvido e dizia em certo momento: “Eu vou lutar, eu vou lutar. Eu sou Maguila não sou Tyson”.

O boxeador Maguila confirmava a afirmação de Euclides da Cunha de que o sertanejo é antes de tudo um forte. Sergipano, era servente de pedreiro e se preparou para lutar na base da superação. Não era técnico. Sua arma era a tijolada que guardava na mão direita.

Mas as pessoas zombavam do pobre Maguila e, num tempo em que ninguém podia pensar em Brasil potência, riam da nossa versão subdesenvolvida de Mike Tyson.

Depois descobrimos que o Mike Tyson não era tão mais inteligente do que o Maguila. A diferença é que aprendeu inglês desde criancinha.

Bom, tudo isso é só pra dizer que sinto saudades dos grandes lutadores de boxe e que não suporto esse tal de Vale Tudo.

Este “esporte” é a síntese do que o capitalismo exige do indivíduo. Na arena não está em questão a honra, a nacionalidade, a personalidade do atleta ou os propósitos do lutador. Luta-se tão somente pelo cachê.

O público não tem paciência para um combate técnico que às vezes termina em empate. Os expectadores exigem o gozo imediato que está diretamente ligado à punição física do oponente. Da destruição do adversário que se coloca entre cada um de nós e a satisfação imediata dos desejos.

E assim tem sido em todas as esferas da vida social. É a cultura do gozo rápido e instantâneo. Aos indivíduos não interessa ostentar técnica, conhecimento, resistência e personalidade. Valorizado é aquele que é mais forte. Que tem mais músculos nos braços ou nos bolsos.

A estes, o deus Capital exige a eliminação e sacrifício de seus oponentes que cobram o convívio social em igualdade com os demais. Algo indesejável nos nossos tempos.

  

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Campanha no Twitter #pedofilianao desencadeia divulgação em massa de site com conteudo proibido. Mancada de Marcelo Tas



A gente não cansa de festejar os benefícios das redes sociais como veículo de integração cultural, educação e até de mobilização política, como temos visto mundo afora.
Mas infelizmente temos também de destacar as atrocidades e absurdos que nos chegam através da rede.
Na noite de domingo e madrugada de segunda, surgiu uma campanha no Twitter de combate à pedofilia.
Até aí tudo bem.
Algumas personalidades de destaque cibernético abraçaram a campanha e pediram que os internautas denunciassem um site com conteúdo de pedofilia. O blog era revoltante com cenas de violência sexual contra indefesas crianças.
Mas para a surpresa geral, algumas destas figuras calejadas das redes sociais, como o apresentador Marcelo Tas, ainda que involuntariamente, cometeram um erro e desencadearam uma farta distribuição de filmes de sexo explícito com crianças através da divulgação do link que deveria ser denunciado às autoridades.
Obviamente, não tenho outra opção que não acreditar na boa fé do Marcelo Tas. Mas é necessário destacar a tremenda mancada do jornalista ao divulgar o link do famigerado site. Ainda que este endereço estivesse relacionado a uma denúncia e clamor por punição aos criadores do blog.
Mais de um milhão e seiscentas mil pessoas seguem o líder do CQC. Era de se esperar maior responsabilidade e atenção do apresentador deste programa que nos últimos anos passou a ser uma espécie de fogueira da inquisição de políticos desalinhados com a grande mídia.
A Lei 80069/1990 em seu artigo 241 proíbe a divulgação de qualquer material visual contendo cenas de sexo explícito com crianças. A proibição vale ainda que o conteúdo venha acompanhado da mensagem: DENUNCIE.
Mais uma vez quero reiterar minha visão de que Marcelo Tas e outros “twitters” cometeram um erro involuntário.
No entanto, esta foi uma mancada sem tamanho.
Dar IBOPE para o Bolsonaro fidelizar ainda mais seu eleitorado tão afeito ao discurso preconceituoso do deputado carioca já havia sido um absurdo.
Quem gosta tanto de constranger os outros deveria ser mais atento aos próprios equívocos.  

Para denunciar pedofilia mande e-mail para internet@dpf.gov.br


terça-feira, 21 de junho de 2011

Estádio em Itaquera - Esclarecimentos do S.C. Corinthians Paulista

Amigos, reproduzo abaixo, na íntegra, o comunicado público do Sport Club Corinthians Paulista sobre a construção do estádio em Itaquera, falando sobre os benefícios fiscais e financeiros.

O Estádio de Itaquera – Esclarecendo os Fatos

Sport Club Corinthians Paulista
21/06/11 10h18

Afinal, qual o conteúdo do tal "enorme pacote de isenções ao Corinthians" objeto do Projeto de Lei do Executivo de São Paulo ("PL") a ser votado nesta semana?

Na verdade, o PL contempla dois incentivos distintos, sendo um deles fiscal e o outro financeiro.

I - Incentivo Fiscal

O incentivo fiscal consiste em isentar do ISS os serviços de construção do estádio. Esta isenção, na verdade, é concedida aos serviços de construção (ou reforma) pelas 12 cidades-sede da Copa do Mundo, inclusive Porto Alegre e Curitiba, nas quais os titulares dos estádios são privados (Internacional e Atlético Paranaense, respectivamente). Isentar do ISS os serviços de construção foi um compromisso assumido pelas 12 cidades-sede perante a FIFA, em documento chamado "Matriz de Responsabilidades", que conjuga uma série de obrigações impostas pela FIFA, em todas as Copas do Mundo, como condição a todas as cidades (e Estados) que pretendem sediar o evento.

Portanto, ao isentar a construção de ISS, São Paulo está apenas cumprindo a obrigação assumida pelo Município perante a FIFA.

Aliás, quando a Matriz de Responsabilidades foi assinada por São Paulo, em 13 de janeiro de 2010, o estádio paulistano que gozaria da isenção de ISS em sua reforma era outro (por coincidência, também particular).

II - Incentivo Financeiro

1 - E o que são os tais "R$ 420 milhões" ?

Na verdade, são um incentivo financeiro (e não fiscal) ao desenvolvimento da Zona Leste, a menos desenvolvida de São Paulo, e não apenas ao estádio do Corinthians. Os Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento (CIDs) existem na legislação de São Paulo desde 2005 (Lei nº 14.096, de 8 de dezembro de 2005, alterada pela Lei nº 14.256, de 29 de dezembro de 2006), quando foram criados como mecanismo ao desenvolvimento da Região da Luz (anos antes, portanto, da própria confirmação da realização da Copa do Mundo no Brasil).

Especificamente na Zona Leste, na área onde está sendo construído o novo estádio, os CIDs existem desde 2007, por ocasião da edição da Lei nº 14.654, de 20 de dezembro de 2007.

Portanto, o Corinthians não será o primeiro e nem o último beneficiário dos CIDs: qualquer empresa disposta a investir na região da Luz ou na Zona Leste fará jus aos CIDs. Qualquer outro clube de futebol que queira construir um estádio na Zona Leste fará jus aos CIDs. O próprio Corinthians, independentemente da aprovação do PL, já faria jus aos CIDs, nos termos da legislação atualmente em vigor (Lei nº 14.654, de 2007, alterada pela Lei nº 14.888, de 19 de janeiro de 2009, dependendo apenas da regulamentação pelo Executivo Municipal da Lei já vigente).

Os CIDs são certificados emitidos pela Prefeitura em favor do investidor, no valor de até 60% dos investimentos, desde que comprovadamente realizados e auditados pela Prefeitura.

Tais certificados podem ser cedidos pelo investidor a terceiros, que por sua vez os utilizarão para pagamento de ISS e IPTU por eles devidos ao Município.

2 - E por que é necessário um novo PL se os CIDs já estão previstos na legislação?

Porque, no caso do novo estádio, a Prefeitura criou requisitos ainda mais rígidos dos que os requisitos hoje existentes, impondo-os como condição para a concessão dos CIDs.

Se o PL vier a ser aprovado, não bastará ao Corinthians realizar um investimento na Zona Leste (como está previsto na Lei de 2007) e nem mesmo construir um estádio apto a sediar partidas da Copa do Mundo. Para o Corinthians a Lei será mais rígida, e exigirá que o Clube construa, antes da Copa, um estádio que atenda a todas as exigências da FIFA para sediar a abertura da Copa. E as exigências da FIFA para a abertura são maiores, inclusive, que aquelas dirigidas ao Maracanã, que será palco da final da Copa.

3 - E de onde surgem os R$ 420 milhões?

De novo, o PL é mais rígido que a legislação atual, que não impõe limite máximo de valor aos CIDs.

Os R$ 420 milhões são o valor máximo dos CIDs concedidos pelo Município, independentemente do custo final do estádio. Assim, se o Corinthians tiver que gastar R$ 1 bilhão com o novo estádio para atender às inúmeras exigências da FIFA, os CIDs continuarão sendo de R$ 420 milhões, caindo de 60% para 42% do valor do investimento.

4 - São Paulo terá ganhos por sediar a Copa que justifiquem a concessão dos CIDs?

Estudo preparado pela renomada empresa de consultoria internacional Accenture aponta de forma muito clara os enormes ganhos a serem experimentados por São Paulo em razão da cidade sediar a abertura da Copa. Apenas para o evento abertura são esperados cerca de 190 mil turistas estrangeiros, que se estima gastarão na cidade cerca de R$ 1,2 bilhões. Isso sem contar os ganhos futuros, decorrentes do aumento do turismo de negócios em São Paulo decorrente da visibilidade a ser alcançada com a abertura da Copa, estimado pela Accenture em R$ 1 bilhão para o período compreendido entre 2010 e 2020.

5 - Qual a comparação entre a situação de São Paulo e as demais cidades-sede da Copa?

A isenção do ISS foi condição imposta pela FIFA e é concedida em todas as cidades-sede.

Desde um ponto de vista financeiro, enquanto São Paulo apenas estenderá ao novo estádio, e sob condições ainda mais rígidas, um incentivo financeiro que já existe em sua legislação desde 2005, as demais cidades-sede (com exceção apenas de Porto Alegre e Curitiba) arcarão com 100% dos custos de construção ou reforma de seus estádios, que são públicos (como Maracanã ou Mineirão, por exemplo). E só São Paulo sediará a abertura da Copa.

Sob um prisma de legado urbanístico e econômico, a localização do novo estádio na Zona Leste - região carente de investimentos na qual residem cerca de 37% dos paulistanos - coloca São Paulo em tão evidente vantagem comparativa em relação às demais cidades-sede que a situação dispensa comentário.

6 - Qual a importância dos CIDs para a viabilização i) do futuro estádio do Corinthians e ii) da abertura da Copa do Mundo em São Paulo?

O Corinthians dispunha de um projeto de estádio para 48.000 expectadores, que atendia ao padrão FIFA, porém que não dispunha da capacidade de público exigida para sediar a abertura da Copa. O custo desse projeto podia ser suportado pelo Corinthians, independentemente dos CIDs.

Para sediar a abertura, é necessário um estádio com capacidade para 65.000 pessoas e, mais que isso, um estádio que atenda a inúmeras e severíssimas exigências da FIFA.

Portanto, a concessão dos CIDs permitirá ao Corinthians absorver o aumento de custos derivado da modificação do projeto originalmente previsto, necessário a que São Paulo possa sediar a abertura da Copa e, com isso, obter enormes incrementos de receita tributária, ganhos urbanísticos à Zona Leste e projeção internacional única.

Estes são os fatos que, em benefício da boa e isenta informação, o Corinthians torna públicos.

Sport Club Corinthians Paulista

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Blog do Nassif: O risco da bolha dos sites de compra

Segue matéria do brilhante http://www.luisnassif.com.br/

O risco da bolha dos sites de compra
Coluna Econômica - 20/06/2011
Como escrevi outro dia, a última bolha da Internet norte-americana são os chamados sites de compra coletiva, os "groupons".
O modelo do "groupon" é o seguinte:
1. O site vai até o comerciante e compra, digamos, R$ 21.000,00 em promoção. Paga em três prestações: em 5 dias, em 30 e em 60 dias.
2. Em seguida faz a promoção no seu site, incluindo no preço de promoção sua comissão. Recebe à vista dos clientes e roda com parte do dinheiro em até 60 dias.
3. Quita a última prestação com o comerciante e fecha o ciclo. Isso, em tese.
No fundo, trata-se de uma versão moderna da operação chamada de compra de recebíveis". Paga-se na frente o que a empresa irá produzir nos próximos meses.
***
Pegou como febre nos Estados Unidos, gerando um negócio altamente inflamável.
O primeiro ponto são os custos de comercialização do "groupon", campanhas caras para atrair o maior número possível de interessados.
Depois, a corrida para evitar "encalhes" de promoção. Se encalhar, consome parte de seu capital de giro.
A receita do “groupon” é função do valor do vale, da parcela de receita que fica com o site e da quantidade de promoções vendidas. Essa quantidade é função, entre outros fatores, do tamanho do desconto. Quanto maior o desconto, maior será o volume negociado.
Por isso mesmo, os vendedores do site são instados a procurar promoções cada vez mais agressivas.
***
Ocorre então o fenômeno da seleção adversa. Em princípio, a operação só irá interessar a comerciantes em dificuldades. Há baixa probabilidade de fidelização do cliente atraído por esse tipo de promoção.
Com as condições cada vez mais restritivas do site, acabam entrando apenas as empresas com maiores dificuldades com o sistema bancário.
Está certo que o risco do site é minimizado pelo fato do ciclo de venda ser de apenas 60 dias. Mesmo assim, corre-se o risco de comprar o produto e o comerciante quebrar antes da entrega.
***
Os riscos da bolha norte-americana são enormes. Grandes players - como Google e Facebook - estão entrando nesse mercado. Há uma corrida dos "groupons" atuais para formar um estoque de clientes cadastrados e poder vender para os gigantes que chegam.
De certo modo é o que está ocorrendo com o "groupon" Peixe Urbano. O investimento publicitário feito é tipicamente para consolidar uma multidão de usuários e aumentar o valor na hora de vender para um player estrangeiro.
Foi esse movimento que levou Luciano Huk a aproveitar os desastres da região Serrana do Rio para captar clientes - induzindo o público a dar contribuições através de inscrições no site.
***
Nessa corrida, pelo menos nos EUA está de abrindo mão da cautela financeira. Eventuais estoques encalhados de promoção acabam sendo cobertos em um efeito corrente da felicidade - os clientes de hoje ajudando a bancar os compromissos de ontem.
Por ser uma atividade não-bancária, estão fora do sistema de supervisão das autoridades.
***
Há o risco, então, do desequilíbrio do fluxo de caixa do "groupon", do acúmulo de estoques não vendidos, da não entrega de produtos combinados (da parte dos comerciantes em maior dificuldade).

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Agora, a estratégia da oligarquia é dividir o lulismo



Na ofensiva contra Palocci, a velha imprensa não conseguiu fragilizar a imagem nem a autoridade da presidenta Dilma.
Mas alcançou alguns de seus objetivos.
O primeiro foi o de eliminar justamente o quadro de articulação com o famigerado mercado e com a direita conservadora. Palocci era o grande negociador com os grandes grupos econômicos.

Daí, vamos para o segundo objetivo que era o de limitar o poder de transformação do governo Dilma, ou ao menos torná-lo o mais negociável possível. Lula concluiu o seu segundo mandato com a maior popularidade da história, liderando um governo de retomada do desenvolvimento econômico, num processo de crise e desgaste do discurso neoliberal pós crise econômica de 2008. O interesse inicial, não era o de aniquilar o governo Dilma, mas o de diminuir sua capacidade de modificar as bases da organização economica brasileira, dada a vocação desenvolvimentista da “mãe do PAC” e atual presidenta.
Como a oposição está esfacelada e em evidente crise de articulação, reflexo da derrota eleitoral de Serra e principalmente pela derrota do proclamado “legado FHC”, a imprensa mais uma vez assumiu a condição de partido político e agora pretende dar seus próximos passos.
A estratégia agora será dividir o lulismo.
A oligarquia oferecerá duas possibilidades para a presidenta Dilma.
O primeiro caminho é enganosamente confortável. Caso Dilma se afaste do lulismo, a imprensa oferecerá flores e afago. Fará de conta que o projeto de Dilma está em convergência com os interesses dos velhos donos do Brasil. Louvará a independência de Dilma e elogiará sua conduta. Mas tão logo o dilmismo se divorcie do lulismo, na primeira esquina, ela será impiedosamente massacrada para dar lugar a um novo projeto genuinamente alinhado com o já famoso PIG (partido da imprensa golpista).
O segundo caminho apresentado à Dilma será inicialmente mais duro e conflituoso. Dilma apóia seu poder na população que a elegeu. Finca-se no terreno duro, porém fértil do lulismo e leva em frente o projeto de desenvolver o Brasil, combatendo as desigualdades. Serão dias difíceis, mas o povo brasileiro estará ao seu lado e as mídias alternativas estão prontas para apoiar este momento histórico do Brasil. Será a única maneira de Dilma se proteger verdadeiramente e fazer um governo vitorioso.
Cada gesto de independência e de personalidade de Dilma vem recebendo um caráter de ruptura com Lula.
Seria injusto exigir da presidenta que abra mão de seu modo pessoal de liderar e não lhe seja dada a chance de deixar suas marcas positivas e um legado próprio. Os cumprimentos pelo aniversário de FHC foi um gesto educado, gentil e republicano. O Brasil está amadurecendo. Em breve não votaremos mais em homens nem em mulheres, mas em projetos.
È necessário confiar na presidenta Dilma. Não devemos incorporar as intrigas plantadas por aqueles que morrem de medo de ver este Brasil mudando. Com alguns erros históricos, é verdade, mas caminhando em direção da justiça social, tentando fazer a vida da nossa gente mais feliz.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

São Bernardo do Campo terá a primeira usina termelétrica movida a lixo do Brasil


Em tempos de desativação de usinas nucleares com investimento em geração de energias alternativas em países europeus como Alemanha e Suécia, podemos comemorar uma boa notícia aqui no Brasil.
O município de São Bernardo do Campo terá a primeira usina termelétrica movida a lixo do país.
A cidade produz hoje 700 toneladas de lixo em média, que são destinados em um aterro sanitário no município de Mauá.
Em 2010, o presidente Lula assinou uma lei que decreta a proibição dos famosos lixões.
Os aterros sanitários privados custam muito caro para os municípios e esta solução é esgotável e fonte de problemas urbanos permanentes.
Os aterros são uma espécie de super bomba de longo prazo. Produzem gases tóxicos e um líquido chamado chorume que ao penetrar no lençol freático produz contaminação por longos anos.
Além disso, as áreas próximas aos aterros sofrem grande desvalorização e acabam se tornando destino de muitas famílias que por não encontrarem moradia nos centros urbanos se instalam em suas cercanias, correndo riscos de doenças.
A área escolhida para instalação da usina será o antigo lixão do Alvarenga. Um passivo ambiental que será recuperado e revitalizado.
Um sistema de separação magnética seleciona os resíduos que podem ser reciclados. Os materiais incinerados oferecem um potencial de produção de energia para 200 mil habitantes. Poderosos filtros impedem a emissão de gazes nocivos a atmosfera e se transformam em vapor. As cinzas geradas pelo processo podem ainda ser utilizadas na produção de asfalto.
Para que o sistema funcione de maneira efetiva os programas de reciclagem de lixo devem ser reforçados e adaptados dentro de uma lógica de produção industrial.
Os trabalhadores informais que hoje atuam nas ruas sem nenhum tipo de seguridade social serão valorizados, formalizados e incluídos nesta nova cadeia produtiva.
Outras cidades brasileiras como Barueri, São José dos Campos e Santo André se movimentam em direção semelhante a este modelo que já é consagrado em importantes cidades européias.
Hoje, o Brasil produz mais de 195 mil toneladas de lixo, dos quais, 35 mil ainda são destinados a lixões sem nenhum critério de armazenamento, segundo dados da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais).


sexta-feira, 10 de junho de 2011

Xenofobia Cucaracha


Esta semana, ao falar da eleição de Humala no Peru, comentei sobre o avanço da extrema direita na Europa.
Boa parte do primeiro mundo civilizado resolveu aderir aos discursos xenófobos, culpando os imigrantes estrangeiros pelas mazelas econômicas do neoliberalismo.
E o preconceito não se restringe aos africanos, árabes e latino americanos. Europeus do leste são perseguidos e impedidos de compartilhar o falso ideal de comunidade européia. Na verdade, a integração do continente se restringe ao mercado comum. Produtos industrializados devem ter livre acesso entre as fronteiras, mas o fluxo de pessoas parece ser cada vez mais indesejável.
Pois não é que a velha imprensa, representante da igualmente velhaca oligarquia, sempre atenta às novas tendências européias, começa a ensaiar os primeiros passos da xenofobia cucaracha?
No domingo, após a eleição do novo presidente peruano, o sofrível programa Manhattan Connection, em mais uma de suas hemorragias verbais, declarou que o Estado peruano vive de exportar cocaína para o Brasil. Isso falando do país que tem uma das economias que mais crescem no mundo e um dos destinos preferidos das emergentes multinacionais brasileiras.
Também nesta semana, o Jornal Nacional dedicou uma série de reportagens sobre as fragilidades das fronteiras brasileiras, quase sempre colocando os Estados vizinhos como cúmplices do narcotráfico e contrabando.
Ora, o fato de que os produtos oriundos do tráfico entrem por meio de nossas fronteiras não tem nada que ver com a cumplicidade política de nossos vizinhos. Aliás, se o nosso país é consumidor de drogas e de armas, por exemplo, logicamente que os produtos viriam de alguma parte. Sendo assim, nossos vizinhos são também vítimas do alojamento de criminosos que tiram proveito da histórica fragilidade institucional na América do Sul.
A lógica é simples, se o Brasil consome muito pó, haverá uma porção de “empreendedores” querendo vender. Se no interior do nosso território, os traficantes se escondem dentro de favelas, tirando proveito da ausência e abandono do Estado, o mesmo ocorre nas Américas. Os produtores procuram os locais mais pobres e ausentes de autoridade. Instalam-se em uma posição estratégica para atender os seus clientes.
E o Brasil é um cliente pequeno. O carro chefe continua sendo o norte americano. Alguém conhece algum país com fronteiras mais guardadas do que os Estados Unidos? Não existem estudos que indiquem o menor consumo de drogas no país mais rico do mundo, por conta das fronteiras super vigiadas.
Este é um assunto que merece maior atenção em outras oportunidades e não deixaremos de discutir. Mas não é justo estigmatizar nossos vizinhos por conta das drogas que “nós” mesmos consumimos.
Durante a campanha de José Serra, por inúmeras vezes, o Estado boliviano foi criminalizado por ser um possível exportador voluntário de armas e drogas.
Pois hoje o Jornal Nacional foi obrigado a anunciar que o presidente boliviano passou a exigir e fiscalizar o registro dos automóveis do país para combater a receptação de veículos roubados do Brasil.
Mas como as notícias sobre o presidente Evo Morales são restritas às ofensas e injúrias, o periódico global sequer mencionou o nome de Morales.  Fingiu que ele não existe.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

A francesinha das Havaianas e o elogio à beleza incomum

A francesinha do comercial das Havaianas é linda.
Feinha, mas lindinha demais. Na verdade ela é lindinha de tão feinha que é.
Adoro essa moça.
Ela desiste de passar a lua de mel no Brasil e decide contentar-se com Veneza.
Fica claro no comercial, que a francesinha desiste daqui por conta da concorrência com as bundas maravilhosas que desfilam orgulhosas pelas praias brasileiras.
Talvez, o temor de não ser suficientemente bonita, atormente a maior parte das mulheres.
Mas a francesinha das Havaianas comprova a tese de que nem sempre a mulher mais bonita é a que tem cara de boneca ou corpo de manequim.
Na verdade, a beleza habita nas peculiaridades manifestas nos detalhes sutis que muitas vezes, por absoluto contra-senso, são motivos justamente de complexo por parte das mulheres.
Lábios grandes e carnudos, cabelos crespos, olhos puxados, pernas compridas, dentes proeminentes, nariz pontudo, orelhas de abano, eventuais cicatrizes, estrabismo, pernas grossas, pernas finas, seios fartos, seios rasos, língua presa.
Estas características, que muitas vezes habitam nos temores femininos, são presentes da vida que ofereceu aspectos isolados de uma individualidade que torna cada mulher especial.
As mulheres vêm chapeando seus cabelos, siliconando seus seios, bundas e lábios, arrancando pedaços de seus narizes e orelhas, anulando os cheiros de suas peles com perfumes e cremes cada vez mais potentes, vestindo-se absolutamente iguais.
Obviamente, não estou criticando as mulheres vaidosas que tem o desejo de ficarem mais felizes com elas mesmas.
Eu somente gostaria de dizer que são muito bem-vindos estes detalhezinhos que encantam e cativam.
Mulheres: preocupem-se menos com estas aflições estéticas e vivam mais e melhor. Entreguem-se ao amor e se apeguem as suas particularidades da melhor maneira possível.
A beleza perfeita é mera abstração. E, como se sabe, a arte abstrata não representa objetos próprios da nossa realidade concreta.
Sejam felizes porque nós lhe amamos.




segunda-feira, 6 de junho de 2011

Cai no Peru um dos últimos bastiões do conservadorismo de direita na América Latina


Caiu hoje um dos últimos bastiões do conservadorismo de direita na América Latina.
O Peru elegeu Humala e derrotou Keiko Fujimori.
Não podemos diminuir a importância deste resultado.
De um lado estava um projeto nacionalista, alinhado com os demais governos de perfil neo-desenvolvimentista na América Latina. Com projeto de retomada da participação do Estado na economia como condutor do desenvolvimento, favorecendo o combate à miséria e buscando uma maior equidade social. Projeto este que causa pavor nas elites arcaicas do nosso continente.
No outro corner estava Keiko Baby Fujimori. Filha do demo.
Fujimori foi o neoliberal que todos os outros neoliberais gostariam de ser. Ou pelo menos, depois de avaliarem os novos rumos dos países do continente, entendem que deveriam ter sido. Um ditador.

Nos anos 90, Carlos Menem da Argentina e Fernando Henrique Cardoso no Brasil modificaram os textos de suas constituições para serem autorizados a disputar um segundo mandato. Menem ainda tentou um terceiro, mas a economia já havia naufragado e não reuniu condições políticas para tanto. Mas ambos mantiveram a “grife” constitucional para justificar seus feitos.
Fujimori fez isso na base da força, aproveitando para exterminar os movimentos de resistência guerrilheira no interior do país.
Os governos neoliberais da América Latina adotaram a agenda do Consenso de Washington, promovendo a abertura de seus mercados e destruindo os setores produtivos nacionais. Privatizaram empresas e serviços públicos que foram entregues a preço de banana para empresários financiadores e alinhados com seus projetos políticos locais. Alguns países dolarizaram suas economias, outros supervalorizaram suas moedas de forma que com suas indústrias quebradas, a única saída para a maioria destas nações era a importação de manufaturados dos países do centro. Com o argumento de combater a inflação, enxugaram ao máximo os investimentos públicos e milhões de homens e mulheres ficaram na absoluta miséria.
A imprensa tratava de reproduzir os discursos das elites locais incorporados pelas classes médias urbanas, chamadas de “formadores de opinião”.
Mas e os pobres?
As classes pobres dos países católicos da América do Sul condenados à pobreza eterna, sequer eram atores políticos relevantes. A extrema pobreza estabelecia entre o indivíduo miserável e o proprietário de terra um vínculo pernicioso de dependência econômica que se refletia na adesão eleitoral.
Humala foi eleito no Peru com o voto das regiões mais pobres e com o ódio dos mais ricos que não tiveram pudor de defender o projeto Fujimori. Foi uma grande vitória que deve ser comemorada.
Na Europa, a bancarrota neoliberal tem levado à ascensão das direitas xenofóbicas e racistas. Os povos civilizados têm entendido que o melhor remédio contra as chagas deste sistema econômico falido é eliminar a concorrência com a mão-de-obra escrava estrangeira que se beneficiariam das proteções sociais de seus Estados.

Como não existem ainda condições políticas nem consenso ideológico para destituir do poder os governos neoliberais europeus que levaram seus países, juntamente com os Estados Unidos, à falência de suas economias, as extremas direitas, muito menos dependentes da organização coerente de seu discurso, tira proveito e cresce a olhos vistos, para espanto e temor da comunidade global.
Mas na América Latina foi diferente. As classes pobres, empilhadas nas vilas, favelas, lavouras, moinhos, minas, usinas e terras inférteis passaram a votar segundo uma escolha racional.
Os inconformados vivem dizendo que os pobres votam em troca de um prato de comida.
Mas algum destes faz idéia do que é não ter sequer uma refeição diária?
As classes médias urbanas não têm elegido seus governantes em troca de seu bem-estar? Não escolhem seus candidatos em troca de pontes, estradas ou por um televisor ou automóvel novos?
Os inconformados alegam que os programas de transferência de renda estimulam a vagabundagem.
Será que eles não percebem que são os maiores beneficiados com o aumento do consumo das classes pobres e o incremento de suas economias?
Os salários miseráveis pagos aos trabalhadores não se sustentou historicamente por conta de uma legião de desempregados que para sobreviverem podiam oferecer unicamente sua força de trabalho? A lógica de livre concorrência, de oferta e demanda tão apreciada pelos liberais não se sustenta neste caso?
Por que alguns se ofendem quando um miserável recebe uma bolsa equivalente a US$ 30,00 e eventualmente deixa de aceitar qualquer trabalho, enquanto especuladores e falsos auditores roubaram mais de US$ 1 trilhão, cobertos com dinheiro dos Estados?
Amigas e amigos. Não quero dizer com isso que os governos latino-americanos desta primeira década do novo milênio sejam imunes de erros e críticas. Ao contrário.
O que eu comemoro aqui é a emancipação dos povos. E este caminho não tem volta. Uma vez que se adquire uma nova perspectiva não se retorna mais ao estágio anterior.
Por isso a eleição de Humala, com a derrota de Fujimori foi magnífica.