sexta-feira, 4 de maio de 2012

A Libertadores e a subordinação cultural. Carta aos corinthianos.

Esta obsessão geral dos clubes e torcedores brasileiros pela conquista da Copa Libertadores da América pode ser discutida restritamente sob o ponto de vista da rivalidade futebolística.

Mas quero propor uma discussão mais abrangente sobre o tema.

Não sou besta de dizer que os corinthianos não se ressintam de ainda não terem ganhado esse campeonato. Melhor seria vencer o quanto antes, se possível ja este ano.

Mas como a Libertadores virou uma unanimidade, nada como contrariar estas "verdades" gerais e provocar embaraço nos acomodados, satisfeitos e dominantes. Ate porque, conforme dizia Nelson Rodrigues "toda unanimidade é burra".

O grande e controverso intelectual brasileiro, disse também em outra oportunidade que o povo brasileiro padeceria de um "complexo de vira-latas".

Disse Nelson Rodrigues

“ por 'complexo de vira-lata' entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo ”

“ o brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a auto-estima. ”

A conquista da Copa do Mundo de 1958 teria dado fim a este sentimento.

No entanto, não é difícil perceber ainda nos dias de hoje, espalhados pelas ruas, milhões de brasileiros que arrastam pelo asfalto os seus complexos. Estes, são incapazes de conviver com o nosso próprio processo de desenvolvimento e permanecem perplexos buscando uma afirmação externa que explique a própria natureza de sua existência.

A mestiçagem, a marginalização no processo de desenvolvimento capitalista, o atraso tecnológico industrial, a inferioridade militar e a precariedade das nossas instituições seriam potenciais motivos para o sentimento de subordinação ao padrão europeu de desenvolvimento.

Mas por que o brasileiro se subordina também quando o assunto é futebol?

Ainda que sejamos os maiores vencedores da história do futebol mundial e a maior referencia internacional neste esporte, permanecemos desejando uma chancela gringa para ter certeza de tudo o que somos na realidade.

Recebi de um amigo uma noticia "fake" (uma pagina falsa do globoesporte.com) em que o ex-técnico do Barcelona Pepe Guardiola, teria recusado treinar o Corinthians porque o clube não seria um campeão reconhecido internacionalmente.

Logo, ele somente aceitaria treinar o São Paulo ou o Santos. Tudo bem que a falsa noticia é uma brincadeira da internet.

Aliás, brincadeira que não ofende ninguém. Tudo numa boa.

veja como funciona esta construção mental.

Para provocar o rival Corinthians, a piada parte de um principio que um time seria melhor que outro ao ser reconhecido pelo Guardiola.

Cria-se uma noticia falsa, fantasiando que o clube seria aceito e reconhecido pelas "autoridades futebolísticas internacionais" - nenhuma delas brasileiras - que por fim legitimaria a própria existência e permitiria sua paixão sem complexos nem temores.

Na verdade, a realidade parece não ser suficiente para alimentar o gosto clubistico.

Além de tudo, o Corinthians é chamado como contraponto para que finalmente o torcedor construa toda uma ilusão fantasiosa capaz de distinguir o seu clube dos demais.

É uma verdadeira masturbação mental.

Ou seja, se eu não sou reconhecido pelo outro, logo deixo de existir.

Claro que um mundial de clubes realizado no Brasil não poderia ser levado a sério.

Seria preciso ser visto e reconhecido pelo estrangeiro para que a conquista torne-se realidade. Que a Copa Libertadores seja o campeonato mais importante do continente tudo bem. Mas hoje as coisas estão assim:

O campeonato paulista não vale nada porque não leva à Libertadores. Portanto, é melhor ganhar a Copa do Brasil, que também não vale nada, mas da uma vaga à Libertadores.

O Campeonato Brasileiro também não vale muita coisa. Na virada do primeiro para o segundo turno a imensa maioria dos times renuncia a possibilidade de título para disputar uma das vagas na Libertadores.

Não podemos organizar um emocionante "mata-mata" porque o futebol do "primeiro mundo" é todo com pontos corridos.

Pouco importa que no Brasil tenhamos todos os anos uma dezena de times com chance de título e nosso pais tenha dimensões geográficas continentais.

A imprensa exige que nos adequamos ao "calendário europeu" e que os craques joguem na Europa para ganhar experiência.

Quando, por fim, um clube conquista a Copa Libertadores, esta é comemorada porque garante uma vaga para disputar o mundial de clubes.

Finalmente será possível disputar uma única partida com um clube europeu.

Eis a grande oportunidade de reverenciar os craques surpreendentemente saídos do vídeo game. O festival de subserviência tende a ser patético.

Em alguns casos se enfrenta uma equipe desinteressada que se entrega na véspera do jogo aos prazeres noturnos.

É uma maneira muito sutil de tratar os times "subdesenvolvidos", deixando claro que a partida pouco importa para os europeus que não estão dispostos a se rebaixarem numa disputa franca com um time da periferia internacional.

As vezes a subordinação é tanta que os jogadores brasileiros permitem um passeio do adversário, pois jámais seriam rudes o bastante para ofender o oponente.

Melhor mesmo é trocar camisetas e garantir um retrato com o ídolo do PlayStation.

Os títulos dos campeonatos não tem mais valor em si mesmos.

Todos tem que levar para algum outro lugar que garanta uma etiqueta diferente.

As conquistas ficam em segundo plano. Tudo parece ser uma questão de status, consumo e compulsão.

Para adquirir a grife da Libertadores vale de tudo. Tomar porrada, levar cusparada, receber ofensas racistas. Vale de tudo, porque segundo os viajados "este é o espirito de libertadores" e só conheçe quem tem passaporte.

Para alguns, ter passaporte é mais importante do que ter identidade.

Pois eu prefiro que o meu Corinthians jamais abra mão de sua origem e esteja sempre ancorado no espirito da sua gente e da sua história.

Tomara que a gente ganhe a Libertadores.

Mas que jamais sejamos menores do que qualquer uma de nossas conquistas.

E que nunca sejamos subordinados a estas grifes tolas.

Pois não dependemos de nenhum visto no exterior para atestar a nossa grandeza e o nosso destino manifesto de ser a expressão mais genuína da nossa gente corinthiana.

8 comentários:

  1. Irretocável, coincide totalmente com o que eu penso a respeito, ou quiçá enfatizaria um pouco mais no fato de que as tradições corinthianas, as origens do clube e seu caráter popular sempre devem ser mantidos sempre num patamar superior, pois é isso que finalmente nos distingue, e não os títulos ou a quantidade deles, o que foi abordado no texto, mas eu falaria ainda mais, porque gosto de remarcar nesse aspecto, e enfim, é uma questão de tom, não chega a ser uma discordância. Peço licença prá sair divulgando.

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  2. Na verdade, eu também falaria da desorganização atroz que é a Copa Libertadores, o que tira muito do mito que os nossos rivais fazem dela, mas esse problema é bem mais profundo. A Copa Libertadores é organizada pela Conmebol, uma entidade governada por dirigentes que estão lá desde a época em que o continente vivia aquela horrível fase das ditaduras simultâneas - algo que também acontece nas federações nacionais dos seus filiados, que quando não são presididas pelos mesmos dirigentes das respectivas ditaduras (Brasil, Argentina e Paraguay, por exemplo), o são pelos herdeiros políticos ou até mesmo herdeiros biológicos daqueles (Chile - onde até o franquismo está representado -, Peru, Colômbia, Venezuela). Na Conmebol e nas competições que ela organiza estão escondidas alguns dos ranços e os últimos defensores civis daqueles anos malditos. Isso não é prá justificar as derrotas do Corinthians, porque a gente nunca foi eliminado por causa disso, mas justifica sim muitos absurdos (muitas vezes maracutaias mesmo) que existem até hoje em todas as competições organizadas pela entidade - não só a Libertadores, como também a Sulamericana e a Copa América.

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  3. Exato. Isso coincide com o que o Gobbi falou: O Corinthians é infinitamente maior que a Libertadores. Queremos ganhá-la? Lógico que sim, mas antes de tudo somos CORINTHIANS e isso me basta.

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  4. Concordo plenamente! Peço licença para repassar esse texto para outros corinthianos.

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  5. Ótimo texto. Parabéns! Avise-me dos próximos.

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  6. Ai esse ufanismo futebolístico brasileiro é um saco. Pensei que você ia falar que o Brasil tem o melhor futebol do mundo.

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  7. Parágrafos de nomáximo três linhas. Vc aprendeu a escrever com o Paulo Henrique Amorim?

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  8. É isso não meu amigo. Acontece que quando vc joga o texto na caixa do blogspot ele deforma inteiro. Os caras querem modernizar o que funcionava direitinho e estragam tudo... Obrigado pela visita!

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