domingo, 4 de dezembro de 2011

Doutor Sócrates. Ficam seus lances e suas idéias.



O jogador de futebol deve estar relegado a um lugar social de submissão. Ele está condenado, para sempre, a ser um personagem folclórico. Esta forma de preconceito manifesta o desejo de reproduzir para a sociedade uma hierarquia mais ampla que permearia todas as esferas da vida social.
Embora os grandes futebolistas tenham uma importância destacada na nossa sociedade, cada vez que um atleta se arrisca em expressar sua opinião sobre algum tema que supere as quatro linhas do gramado é prontamente desqualificado e muitas vezes punido pelos órgãos dirigentes do futebol.
Mesmo quando um jogador de futebol conclui sua carreira com sucesso, salvando raríssimas exceções, exige-se que ele volte a ocupar um lugar subalterno na sociedade. O ex-jogador é chamado apenas para entrevistas que relembram seus momentos de glória e é desejável que ele fale principalmente de seus episódios engraçados e pitorescos, reforçando sua imagem de ignorante e boçal.
Nem mesmo Pelé, maior jogador de todos os tempos, pode expressar tranquilamente seus pensamentos sem que seja prontamente desqualificado por um jornalista qualquer.
Boa parte destes atletas incorpora este papel desejável para a elite. Sequer se dá conta que é conveniente aos poderosos que ele enriqueça. O jogador mergulha num mundo de fantasias, contentando-se com a satisfação de seus projetos individuais e renunciando ao seu potencial de comunicação com a sociedade.
O jogador Sócrates, sempre rebelde, contrariou este “lugar” desejado para os ídolos da bola. O status de doutor não foi adquirido com um simples apelido nos campos de futebol. Poderia até ser, dada sua genialidade, mas Sócrates se fez doutor através de seu mérito e de sua capacidade como homem.
Ao contrário dos milionariozinhos ruins de bola de hoje em dia, absolutamente indiferentes com a vida nacional (sequer se importam com o sentimento da torcida), Sócrates foi o grande mentor da Democracia Corinthiana que não somente transformou as práticas administrativas e hierárquicas dentro do Corinthians, mas foi um movimento que difundiu seus valores, a partir do “time do povo”, para toda a sociedade brasileira que vivia sob uma ditadura decadente, mas que ainda tentava manter-se e impedir o povo brasileiro de fazer suas escolhas.
 Sócrates foi figura muito presente nas manifestações pelas eleições diretas para presidente do Brasil e nunca escondeu sua visão política de esquerda. Tampouco se fez valer de sua condição de ídolo para injuriar seus inimigos políticos, mas manteve a coerência e foi sincero consigo mesmo defendendo sempre seus pontos de vista como socialista.
Agora, o Brasil perde o Doutor Sócrates.
Mas nada pode apagar a sua reluzente biografia. Sua história e sua marca de genialidade.
Ainda que alguns queiram condená-lo a um lugar social dos bêbados insanos e ingênuos, como forma de desqualificar suas posições políticas de esquerda.
Os mais conservadores dirão que seus pontos de vista eram delírios de um bêbado.
A verdade é que para a elite, o jogador de futebol deve permanecer como um alienado, restringindo o seu campo de ação às esferas subalternas da sociedade.
Por isso, o Doutor Sócrates seguirá entre nós.
Permanecerá desestabilizando o status quo.
Assim como fez em vida, utilizará a genialidade dos seus lances para superar as quatro linhas do gramado e fazer do futebol uma representação das demais esferas da vida social.
Que os Brasileiros, como Sócrates, percebam que o futebol cumpre um propósito na sociedade brasileira muito maior do que uma diversão dominical.
Que a genialidade dos craques brasileiros sirva de recurso para desenvolvermos nossa sociedade e possamos construir um país com mais justiça e igualdade, sendo exemplos para o mundo na bola e na vida.

9 comentários:

  1. Ótimo texto para homenagear um grande jogador de futebol e um grande brasileiro!

    ResponderExcluir
  2. DESDE CHILE MIS LAGRIMAS POR UN JUGADOR FUERA DE SERIE, GRANDE SOCRATES DESCANSA EN PAZ

    ResponderExcluir
  3. Todo nosso respeito e admiração ao Dr.Tenho certeza que será sempre lembrado, não só pelos corintianos, mas por todos que acreditam que o mundo possa ser melhor.

    ResponderExcluir
  4. A mídia dá espaço em demasia ao futebol. O preconceito que te referes não está restrito somente aos jogadores. É oportunizado sempre que exista qualquer possibilidade de alterar a reprodução dos velhos valores. Existe entre as torcidas e pratica-o também o oprimido. Sinceramente, Rafael, dizer que a genialidade desses atletas pode servir como exemplo na vida e para um mundo melhor me faz pensar que os espaços futebolísticos poderiam ser destinados à veiculação de uma programação mais consciente da nossa realidade e mais desalienante.
    Nada contra o grande Sócrates, mas ele, que foi tão politizado, pelo visto não conseguiu consolidar influências democráticas junto aos seus demais colegas jogadores na época das Diretas. Na prática, nada adianta ter um espírito democrático e libertário quando se é apenas um "incompreendido".

    ResponderExcluir
  5. Socrates morreu. Antes ele do que eu.

    ResponderExcluir