quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Desde quando somos assim?



Quando foi que nos tornamos  assim?
Uma cidadã de bem, temente a Deus e de boa aparência esgota todas as aspas do mundo para defender em rede nacional que cada um de nós faça justiça com as próprias mãos, contra todos os cidadãos do mal, abandonados por Deus e que não dispõem do fenótipo de boa aparência.
Quem julga? Quem faz a justiça? Cada um de nós, imbuídos do dever cívico dos bons cidadãos, contribuintes, carentes de representação política, expropriados pelo Estado e credores da vingança e ressentimento.
Munidos de garfos, facas, canivetes, revólveres e cadeados. Diplomas, escrituras, jornais, revistas, crachás, certezas, filhos brancos, credenciais, cartões de visita e pulseiras de camarotes vips.
Mais degradante do que assistir a uma crise de verborragia. Mais absurda do que a intenção de um discurso tão feio e violento. É perceber a motivação de tal pronunciamento.
A ambição pelo reconhecimento. A busca do aplauso fácil. A necessidade de buscar as luzes do absurdo para evitar o "pior dos males" que é a escuridão da invisibilidade.
Triste mesmo é saber que um empreendimento desses só se realiza porque encontra fertilidade nas ruas da amargura, com calçadas largas, árvores e troncos disponíveis para o castigo das chibatas.
Quando foi mesmo que nos tornamos assim? Tão tristes e amargos. Tão violentos. Tão empanturrados de intolerância e ódio.
Quando foi mesmo que falar de amor e solidariedade se tornou algo tão abjeto?
Quando foi mesmo que acreditar na construção dos mecanismos de justiça se tornou motivo de apedrejamento e inquisição?
Desde quando os bons cristãos são justamente aqueles que rejeitam o perdão, o amor ao próximo, a solidariedade e a divisão do pão?
Me expliquem, por favor. Teve um dia certo para que eu marque em meu calendário: A partir desse momento nos tornamos bestas amargas. Talvez tenha sido antes de eu nascer. Ou acordei tarde nesse dia. Talvez estivesse viajando. O fato é que eu demorei a apanhar as minhas armas e fechar a minha cara com repugnância. Demorei a esfregar bem o meu colarinho, engomar a minha camisa e perdi o tempo certo para ficar do lado dos bons.
Talvez agora seja tarde. Só me resta a nostalgia das carícias e afagos da minha mãe. Do conforto emocional e a proteção do amor sublime.
Será que já éramos assim? Vou perguntar aos meus pais. Eles ainda estão vivos.
Só me resta sentir saudades das mulheres felizes, com seus vestidos simples e sorrisos fartos. Com seus seios assanhados, pequenos ou grandes, mas livres e soltos. Das roupas confortáveis e poucas maquiagens.
Será que já éramos tão cretinos quando os meninos arrancavam a tampa do dedão do pé jogando bola na rua? Será que as águas que jorravam das torneias ou das velhas mangueiras com as quais as senhoras lavavam a calçada já eram contaminadas? Como elas foram parar nas garrafinhas plásticas azuis?
Será que já éramos tão revoltados, no tempo em que os casais casavam porque se amavam? Naquela época, quando para o matrimônio era necessário apenas um padre, pastor, juiz, sacerdote ou pai de santo? Hoje não se casa sem derramar uma fortuna a olhos vistos. Para que todos saibam que naquela festa inicia-se uma família de bem. Cristã. Que paga seus impostos e exige respeito. Até que o divórcio nos degrade.
Quando foi mesmo que os jovens adquiriram esta expressão fria, arrogante e infeliz? Quando foi que seus pais se tornaram idiotas e seus avós folclóricos frente às verdades enlatadas pelas fábricas da indústria cultural?
Queria saber mesmo. Eu juro. Quando foi que isso tudo começou?
Quando foi que os amantes passaram a se escolher em entrevistas iguais aquelas para avaliação de crédito ou de recursos humanos?
Quando foi que os suores secaram? Quando foi que os cremes e perfumes roubaram os nossos cheiros. Desde quando as salivas deixaram de ser brindadas e passaram a lubrificar as palavras maledicentes?
Quando foi que passamos a comprar a paz em consultórios de psicanálise, escritórios de auto-ajuda empresarial especializada, institutos de hipnose, dinâmicas de grupo, comunidades para-religiosas, etc.?
Não sou nostálgico. Talvez nem seja tão velho assim para pensar mais no passado do que no futuro.
Mas essa epidemia de intolerância, pessimismo e ódio tem mexido demais comigo.
A gentileza se tornou uma atitude altamente subversiva.
Escrevo para minha vida ficar menos ordinária. Para me livrar de algum tumor.
Cada dia é mais difícil ser feliz em meio a tanto individualismo e ódio. E não existe este lugar chamado felicidade, senão na própria integridade.
Não é à toa que o mal do século é a depressão.
E estou certo que quando cada um de nós fecha os olhos e pensa na paz, na alegria e na felicidade, não imagina uma mulher triste, cheia de ódio, ambição e rancor saudando a tortura e o linchamento.
Pensamos em vestidos floridos, em sorrisos largos, no cheiro do mato, na onda batendo, no beijo molhado, no afago e no carinho.
Desde quando passamos a precisar de muito mais do que isso?
Pense e responda você mesmo.



Milly Lacombe - Como o Corinthians pode salvar o Brasil

Recebi uma linda homenagem da brilhante jornalista e escritora Milly Lacombe.
Fiquei muito sensibilizado com o tratamento que eu recebi e pelo fato de meu texto ter inspirado na construção de algo tão bonito. Uma crônica maravilhosa que coloca diversas pulgas nas nossas orelhas e faz um paradoxo entre os últimos acontecimentos no Corinthians e a questão da exclusão social.
Abaixo segue seu texto que pode também ser lido originalmente em seu delicioso blog.


Como o Corinthians pode salvar o Brasil

É possível – apenas possível – que eu tenha tido uma ideia original. E ela envolve o Corinthians. O Corinthians como instrumento de resgate social.

O título desse texto é ridículo porque é exagerado, eu sei, mas sou do time de Nelson Rodrigues e de Cazuza, e o exagero não me restringe, ao contrário, me encanta.

Li um texto ontem do sociólogo Rafael Castilho (link está no final desse meu ramirrâmi), escutei outros pontos de vista na programação da Rádio Coringão (yes!) e me coloquei a pensar.

Usualmente, nada de muito bom vem desses momentos em que me entrego ao devaneio, mas quem sabe agora eu esteja conseguindomirar algo nuevo, como sugeriu o explorador espanhol Juan Ponce de Leon.

Partamos das seguintes premissas:

  1. O Corinthians é o time do povo
  2. O Corinthians não é um time que tem uma torcida, mas uma torcida que tem um time.

Acho que todo o corintiano vai concordar com ambas.

E coloco nesse grupo os corintianos irados com as torcidas organizadas, como meu amigo Mauricio Savarese, e os corintianos irados com a pasmaceira do elenco, como meu colega virtual Bruno Momezzo.

Partamos de um segundo ambiente de verdades das quais fica difícil duvidar:

1. O Brasil vive um período instável — social, política e economicamente.

Depois de anos de crescimento econômico, com 40 milhões de brasileiros saindo da zona de pobreza, o cenário agora é movediço.

Até aí, acho também natural, e cito o pensador francês Alexis de Tocqueville: “A revolta vem não quando tudo vai mal, mas quando um período de progresso, durante o qual crescem as expectativas, é bruscamente interrompido” – o pensamento serve para o Brasil e para o Corinthians (me perdoem as citações, mas se outros definiram melhor do que sou capaz, por que não usar?).

Mas o fato é que esse trem chamado Brasil parece estar querendo perder o controle, e a aparente iminência de um descarrilamento faz os malucos se colocarem a alardear preconceitos e ignorância.

Hoje as redes sociais compartilhavam coisas como o comentário de alguém do SBT que tem sobrenome de prato típico húngaro e que concordava com o linchamento de um menino no Rio, o texto de deputado homofóbico que sugeria a justiça com as próprias mãos como caminho para acabar com a criminalidade no Brasil, e a ação da PM paulista, que ameaçou com porrada usuário de metrô que tentava escapar do calor sufocante dos trens parados, outra vez dando mostras de que está a serviço do poder e não o povo etc etc etc.

Verdade segunda:

2. A cada dia estamos mais separados e mais reprimidos.

Ver uma enorme onda de cidadãos chegar ao patamar de classe média apavorou aqueles que estão no comando. Dividir o assento do avião com a empregada, que agora é protegida por leis trabalhistas iguais às da patroa, deixou a elite em paranoia delirante.

E, para os que estão no poder, a única forma de se proteger da ameaça de ter que se misturar a essa gente estranha é distribuindo medo e repressão; a violência entendida – e noticiada –apenas quando veste trajes de criminalidade e delinquência, mas nunca quando usa suas roupas de gala, as que revelam que agressão é qualquer violação física ou moral feita contra a natureza de alguém, aquela cujo requinte de crueldade é inigualável porque não reconhece a humanidade do outro.

É o instante em que nos colocamos em diferentes patamares: “ele, criminoso e delinquente”; “eu, homem bom e honesto”, esquecendo que nada do que é humano pode nos ser alheio (Terêncio). Sorry, pessoal, mas eu preciso dar o crédito ou fica parecendo que esse pensamento brilhante é meu, e como já foi estabelecido eu não sou brilhante).

Se você chegou até aqui, continue comigo nesse pensamento.

Portanto, o que vemos hoje é o alargamento da distância entre todos nós.

O abismo se acentua entre classes sociais, entre raças, entre sexualidades, entre gêneros, entre a opiniões políticas, religiosas, futebolísticas e até clubísticas — que não devem nunca ser desdenhadas porque o futebol é um dos traços mais fortes de nossa identidade cultural. É o que somos enquanto povo, e por isso tem a capacidade de funcionar como um espelho do que temos de melhor e do que temos de pior.

Aí vem o Corinthians.

O Corinthians tem importante história em batalhas sociais e políticas. Todos sabem, não vou esmiuçar. E, mais uma vez, está há alguns dias como locomotiva desse trem de violência social que pode descarrilar a qualquer instante.

A imprensa pede para que o time use sua força social para colocar um basta nisso. Pede que não entrem em campo, que façam de seu CT uma fortaleza, que coloquem de uma vez por todas, e para a felicidade geral da nação, o torcedor violento em seu lugar (e não há como separar o que aconteceu no CT do Corinthians na semana passada, um tipo de violência nunca antes vista dentro de um clube com histórico de violências, da bagunça social que estamos vivendo)

Tendo a concordar com esse raciocínio, e até escrevi um texto a respeito aqui nesse espaço. Mas, como Montaigne, também tendo a me contradizer em larga escala porque contenho multidões. Então vamos lá.

O corintiano sabe que o lugar do povo é misturado ao time. O Corinthians, enquanto abstração social — que é mais do que entidade e clube e sociedade esportiva — entende que o lugar do povo é misturado ao time. Então, por que não aproveitar a oportunidade e fazer justamente o oposto: tirar as grades. As mesmas que protegem, mas também limitam.

Abram o CT: deixem o povo entrar. Misturemo-nos em uma grande comunhão clubística para além do estádio.

Vamos mostrar que o que nos separa é a discriminação, e que a violência vem dessa distância e da desigualdade.

Hoje, o torcedor se sente afastado do time, e os jogadores se sentem ameaçados pelo torcedor, talvez justamente porque o torcedor esteja se sentindo afastado do time (e aqui falo em afastamento conceitual também, já que a torcida tem a impressão de que o atual elenco não entende a filosofia por trás do ‘Aqui é Corinthians’  – e o Rafael Castilho tem outro texto brilhante para isso cujo link está aí embaixo –, etc e tal).

Trata-se de um círculo nocivo e predatório que pode ser interrompido de dois jeitos: no muque e na repressão, ou na comunhão e no ajuntamento.

A comunhão é uma atitude de risco, mas os ingleses fizeram isso depois que especialistas em hooliganismo entenderam que quando você trata o torcedor como um bicho ele tende a se comportar como um bicho. E por lá deu certo.

Claro que a ação passaria por um pacto entre a torcida, time e diretoria. Um pacto que tem o Corinthians como fiador moral. Difícil pensar em fiador moral mais caro para o corintiano.

Esqueçam pedir fim de torcida organizada. Não vai acontecer. E o Rafael Castilho matou a parada ontem quando disse que uma torcida se organiza pelos mesmos motivos que jogadores se organizam: coletivamente fica mais fácil reivindicar, ser ouvido e atendido.

Claro também que eu entendo que coletivamente fica mais fácil ser o “macho-alfa” que puxa a pancadaria, mas há na história muitos exemplos de movimentos que conseguiram calar e aquietar e controlar essa turma de broncos em nome de uma causa comum.

Por que não? Por que não tentar? Eu também não sei se seria factível ou se é sugestão inteligente (não sou das mentes mais brilhantes), estou aqui apenas tentando refletir.

Pode dar errado, óbvio, mas pode dar bastante certo, e ser pioneiro.

Há, naturalmente, vândalos-torcedores, como há vândalos-jogadores e vândalos-banqueiros e vândalos-advogados etc etc etc. Mas se os vândalos-torcedores fossem a maioria eles já teriam tomado o clube, e a cidade, por refém.

Então, enquanto o clube pensa em como afastar o torcedor de suas cercanias, eu sugiro que se faça justamente o contrário: abram as portas. Que o clube se estruture para fazer isso, sei lá como.

Que a diretoria mostre para além de campanhas publicitárias que o Corinthians é de fato o time do povo. Deixem que o torcedor se manifeste democraticamente; vamos mostrar a ele, aliás, o que exatamente significa uma manifestação democrática. Vamos abraçar o torcedor, escutá-lo em todos os ambientes possíveis, aproximá-lo do elenco, e não dar as costas para ele.

E puna-se com rigor aqueles que desrespeitarem o pacto e a cartilha de código ético que pode vir dele. Que a polícia e a diretoria não se omitam, que a tolerância seja zero para o vandalismo. Em nome de um time mais forte, de uma torcida mais forte e, quem sabe, de uma sociedade mais forte e menos separada.

E, por favor, manerem nos xingamentos porque esse é apenas um pensamento — tão importante, bom, ruim, idiota, tosco, esplêndido ou genial quanto o seu.

Links para os excelentes textos de Rafael Castilho que me inspiraram: aqui e aqui


terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Manifesto ao manifesto dos jogadores do Corinthians



Manifesto de um torcedor comum aos jogadores do Corinthians

Senhores jogadores, antes que imaginem que me identifico como um torcedor comum em oposição aos torcedores organizados, gostaria de dizer que não se trata disso.

Fico feliz que vocês estejam se organizando em movimentos de paralisação ou mesmo na produção deste manifesto.

É certo, portanto, que vocês entenderam a importância da livre associação e da força oriunda da união entre as pessoas que compartilham os mesmos interesses e objetivos. Certamente todos ficam muito mais fortes e as vitórias mais próximas e possíveis.

Ainda que haja um grande proveito a partir da organização dos jogadores, logo vocês perceberão que não estarão livres dos erros e que não conseguirão ser responsáveis pelas diferentes expressões das partes que desejam falar pelo todo. Mas sem pressa. Isso vocês entenderão com o tempo.

De fato, não faço parte de nenhuma torcida organizada do Corinthians. Não porque eu seja contra a organização destas. A marginalização das torcidas, não é somente fruto dos erros imperdoáveis de alguns de seus integrantes. Acredito que se esta sociedade fosse tão intolerante com a violência, não viveríamos tropeçando em cadáveres todos os dias. Se quiséssemos realmente uma sociedade menos violenta teríamos construído um país mais justo ao longo dos séculos. Sobretudo com as pessoas mais pobres das periferias que são esmagadas todos os dias, seja através das balas, seja no vai e vem cotidiano em trens e ônibus superlotados. Em filas de hospitais e sem ter a quem recorrer. Mas isso vocês devem saber. A grande maioria de seus colegas tem origem entre os pobres deste país.

O que incomoda de fato nas torcidas organizadas é a ameaça da construção dos sistemas de solidariedade entre os indivíduos.

Quando alguns tolos se perdem em brigas e emboscadas, isso serve de combustível para o show de horror dos jornais sensacionalistas.

Espero que “os caras” descubram a tempo que há na verdade um processo de elitização do futebol. Que eles estão prestes a serem varridos dos estádios. E quando digo “eles” estou me referindo aos pobres. Não sou tão otimista, mas caso eles não acordarem rápido e pararam de digladiar uns com os outros e percebam que independente da camisa que vestem compõem em sua grande maioria a mesma classe social, perderão o acesso à experiência maravilhosa que é curtir uma partida de futebol, algo absolutamente ligado à cultura do povo brasileiro.

Sei que isso não é problema de vocês craques, mas não são somente os torcedores marginalizados. Professores, sindicalistas, manifestantes, blocos de carnaval, movimentos sociais, usuários insatisfeitos da CPTM. Todos estão no mesmo balaio do crime organizado, da cracolândia e do vandalismo. Fazem parte do mesmo caldo chamado “sociedade”. Algo que os conservadores não entendem muito bem como funciona e assim preferem destruir evitando uma possível sabotagem aos donos do poder.

Pois bem, vocês se organizaram e aqui estão manifestando-se pela segurança e integridade física de vocês e de suas famílias.

Nada mais justo. As ameaças e ataques são recursos que revelam a imaturidade de alguns indivíduos frente ao diálogo e a interlocução. Temos que dar um salto a diante. Superar essa condição. Aprender a usufruir de novos recursos e ferramentas de comunicação e representação.

Se o manifesto de vocês tem como objetivo combater a violência e reivindicar garantias de segurança para os jogadores e funcionários, está tudo de muito bom tamanho. Deveríamos inclusive aplaudir a atitude de vocês.

Mas espero do fundo do coração que o objetivo seja somente esse. Que não esteja embutida uma intenção de “enquadrar” a torcida do Corinthians e fomentar o insolidarismo entre nós. Que não queiram tirar da gente aquilo de mais precioso e genuíno da nossa história, que é justamente a participação.

Sei que pode parecer um inconveniente para um profissional bem remunerado do futebol, mas caso vocês não saibam, a participação da nossa torcida não se restringe aos aplausos ou eventuais vaias nas arquibancadas cada vez menores e nas numeradas cada vez maiores.

Construímos um clube popular, fruto de um pacto que envolve  a participação, a fiscalização e empoderamento deste povo que efetivamente fez o Corinthians.

O que para vocês é um emprego, para nós é a coisa mais linda que habita no nosso coração. A lembrança mais doce e ingênua da nossa infância. A memória dos nossos pais que se foram. Ou mesmo dos pais que não tivemos.

O que para vocês é trabalho, para nós é voluntarismo. Se vocês são profissionais do Corinthians, nós somos amantes. Vivemos uma relação de amor vagabundo e indecente com o Corinthians.

O Corinthians não é o Parque São Jorge, o Centro de Treinamentos ou o Itaquerão. Nós somos o Corinthians. Isso mesmo! Essa gentalha que lhes parece esquisita. A maloqueirada. Os apaixonados. Somos também empresários, lavadores de carro, bancários, vagabundos, trabalhadores que pegam todos os dias o transporte público ou o trânsito lotado sonhando em pagar a faculdade dos filhos, para que eles tenham uma vida mais digna, porém jamais virando as costas para o Corinthians.

Li o manifesto e percebi que vocês se ressentem dos últimos resultados dentro de campo. Deixem isso pra lá! Vocês não entenderam nada! Ser for isso tudo bem...

Não se trata de resultado. Que percam mais dez, vinte ou mil jogos. Seguiremos lotando os estádios e apoiando o Corinthians. Crescemos e nos tornamos mais fortes nos 23 anos sem títulos. Basílio é um padroeiro por ter empurrado aquela bola pro fundo do gol. E tanto faz se era Paulistinha, Paulistão, Libertadores ou Mundial. Era o Corinthians das nossas vidas.

Quando o Corinthians joga o Campeonato Paulista contra um Bragantino da vida, não sentimos vontade de ir à praia conforme disse o nosso intelectual de sorveteria, capitão Paulo André. Na verdade, nós cancelamos a praia, a festa, a balada, o encontro e talvez até o casamento para ver o jogo do Coringão.

Talvez seja essa a nossa dificuldade de comunicação.

O Corinthians está dentro da gente. E o que mantém ele preso aqui dentro do nosso peito, no imaginário coletivo, é justamente a identidade.

Na medida em que o Corinthians se converte numa confraria de senhores bem estabelecidos, acomodados com o recente sucesso, desfrutando as delícias das luxúrias em noites intermináveis, vocês afastam o Corinthians da gente.

Quando vocês se perdem num concurso de vaidade que salta aos olhos de todos, vocês afastam o Corinthians da gente.

Quando nossos mandatários ficam satisfeitíssimos de si por suas grandes obras e constroem novos prédios onde se supõe que talvez não possamos entrar, isso afasta o Corinthians da gente.

E vocês não têm noção dessa violência. É arrancar sem anestesia o nosso coração à unha.

Outra vez para que fique claro: a violência não dá pé. Foi tudo precipitado e feito do jeito errado. Mas espero que vocês não façam parte de um jogo sujo e tentem chantagear a torcida do Corinthians. Não queiram tirar a pressão de seus ombros, esganando justamente a torcida.

Hoje pode parecer desejável que estejamos restritos às arquibancadas ou até mesmo afastados dos estádios. Mas cá entre nós, não foi legal quando abraçamos o elenco da porta do CT até o Aeroporto, simplesmente para dizer um “Vai com Deus Corinthians?”.

Não há fronteira entre nós e o Corinthians. Não há arame e cerca elétrica que nos separe.

Não somos um CNPJ, somos um movimento social. Daqui um tempo, todos estarão longe e a torcida permanecerá. Daqui uns anos, muitos de nós viveremos em outro plano, mas o Corinthians continuará existindo nos nossos filhos.

Fechamos assim: um pacto de respeito mútuo. A violência é inaceitável. Mas que vocês entendam de uma vez por todas O porquê do VaiCorinthians!








Os donos das boas e os donos das más notícias.


Quem são os donos das boas e das más notícias?

Quem é que escolhe quando devemos regozijar em êxtase coletivo ou arrancar os cabelos uns dos outros esperando um inevitável apocalipse?

A vida da gente é a gente que toca. Nosso cotidiano está repleto de momentos agradáveis. Com satisfação e alegria. Ou mesmo com dias de tristeza. Depressões, tragédias, desilusões amorosas. Perda de entes queridos.

A economia tem grande poder de influência no nosso bem-estar. Mas não pode garantir a nossa felicidade.

As "marés boas" coletivas podem ser um fardo. Por que raios estariam todos ganhando dinheiro e tocando projetos enquanto alguns vivem seu momento de caos? A sensação de incompetência pode nos esmagar nestes ciclos de otimismo generalizado.

Do mesmo modo, algumas crises geram oportunidades de ouro para os mais astutos ou para aqueles que foram agraciados com uma onda de sorte.

Saindo um pouco da economia. Existem momentos em que a humanidade está amplamente satisfeita consigo mesma. Estaríamos em fim iniciando uma nova era de prosperidade e harmonia entre os homens.

Revoluções, términos de guerra, tratados de paz ou até a morte de um ditador.

Pessoas saem às ruas celebrando o inicio de "novos tempos". Não é assim?

Mas inevitavelmente a vitória de alguns representa a necessária derrota de outros que serão entregues aos flagelos, aos refúgios e aos paredões.

E quando homem subiu ao espaço pela primeira vez? Ao ver as primeiras imagens do nosso planeta, de cima para baixo, as pessoas ficaram maravilhadas com a "nossa" conquista. Sim, nós todos homens e mulheres teríamos pisado juntos na Lua com o astronauta americano. Mesmo os homens que já morreram ou os que não haviam nascido. Isso seria uma conquista de toda humanidade e deveríamos todos estar felizes com isso.

Os esportes também eclodem alegrias coletivas mundo afora. Seja nos EUA, na Rússia, na China, na intelectualizada França ou em Cuba. Podemos imediatamente acreditar no nosso potencial de nação ao vencermos um campeonato qualquer e nos colocarmos no lugar mais alto do pódio acima de todos os outros povos.

Uma ditadura sangrenta pode se transformar imediatamente num regime forte liderado por um líder decisionista.

O Brasil em 70, esmagado por tanques e afogado em meio ao próprio sangue deveria ser um país otimista e feliz. "Um país que vai pra frente". O mesmo ocorreu com a Argentina em 1978.

Agora, parece que nem a Copa sendo realizada aqui seria motivo de felicidade. Ao contrário, deveria nos causar vergonha, hostilidade, repulsa, revolta.

Sim, pois este não é o momento de sermos felizes. Não são dias para gozar a vida.
Foi decidido que devemos esperar apavorados o apocalipse que se avizinha. O momento é das más notícias.

Pois é, meu amigo. Há quem prefira acreditar na astrologia, outros nas hordas espirituais malignas. Há quem prefira entender que o planeta chegou no esgotamento ou que Deus estaria furioso. Existem também os mais otimistas que nos explicam calmamente que o caos em que vivemos é o prenúncio de um novo tempo em que apenas os bons espíritos selecionados poderão conviver em harmonia uns com os outros.

Embora eu mantenha um profundo respeito por todas as crenças e sinceramente até prefira acreditar em algumas delas, eu recomendo que você reflita um pouquinho mais sobre um tema muito desagradável, nada romântico, porém absolutamente necessário.

Ainda que você não goste, a política está por trás de tudo. 
Está por trás da guerra, da paz, das revoluções, das religiões, do homem na Lua, da cura das grandes doenças, da fome, da caridade, do alimento, do esporte.

A política está por trás do medo e também da coragem. Ela tem a capacidade de escolher os momentos em que ela gostaria que você estivesse se sentindo feliz, ainda que caminhando para a morte. E outros momentos espera  que você fique triste, para que ninguém se encoraje a roubar o osso de ninguém.

Há quem acredite que a alegria leva a alienação. Já a resignação das caras fechadas seria sinônimo de consciência e rebeldia.

Mas saiba que a alegria e a irreverência podem ser subversivas. O bom humor inabalável de um samba pode ser sim um sinal de resistência e insubordinação.

Por fim, essa política tão asquerosa, acreditem ou não, está muito menos na mão dos políticos burocratas e engravatados do que vocês imaginam. Ainda que o discurso permanentemente oportunista e demagógico cause profunda irritação, esses caras não ditam mais as regras do jogo.

Nós todos, digo a humanidade, como grandes políticos que somos, entregamos sem saber o nosso destino a um novo ente que pretende nos subordinar em uma nova idade de trevas.

O Mercado decide a hora que você deve sorrir e a hora que você deve cagar de medo. Eles são os donos das boas e das más notícias. Em meio as essas ondas de bom e mau humor, trilhões de dólares e de euros jorram de país em país, justamente onde há um caminho mais fácil para apropriação das riquezas.

E nós vamos tocando a nossa vidinha, torcendo para que chegue logo o momento em que podemos estar felizes com nossa própria realidade. Como um boi mugindo na fila do abate. Como um condenado fazendo seu último banquete antes do corredor da morte.

Por hora, devemos ficar apavorados com a água que vai acabar.