sábado, 23 de junho de 2012

Na América Latina, governo que sofre golpe é fraco. E governo que resiste é autoritário e populista

Não foram rifles nem tanques que desfilaram pelas ruas de apenas mais um pais latino americano.

Agora, os neo-golpistas utilizam expedientes "institucionais" para promoverem seus golpes com alguma presepada jurídica.

Assim foi em Honduras, assim tentaram fazer na Bolívia, Equador e Venezuela.

Na América Latina  funciona assim: 

Os presidentes que desagradam os interesses das elites locais e não conseguem estabelecer alianças com a sociedade civil que venham a garantir o funcionamento das instituições, são depostos do dia para noite, sem muitas explicações.

Já os presidentes que mobilizam a sociedade entorno dos projetos de transformação social, e buscam ordenar as relações privadas (historicamente desiguais) utilizando o Estado como indutor de desenvolvimento com diminuição das desigualdades, são tratados como populistas e autoritários.

As elites não aceitam presidentes que não sejam meros empregados e despachantes dos grandes interesses.

Pobre América Latina, com veias tão abertas e elites tão perversas.

Estaremos condenados para sempre ao atraso das nossas instituições e a regulação das relações entre os indivíduos será eternamente a lei do mais forte?

Historicamente, os processos políticos históricos são conectados na América Latina. Simultaneamente, vivemos períodos de colonização, independência, populismo, interferência, ditaduras, redemocratizaçao e neoliberalismo. 

O Brasil deve ser firme, liderando os países de seu bloco de influencia para impedir que golpes como este sirvam como alternativa para estas "forças ocultas".

Até porque, para as elites latino-americanas, a democracia sempre foi um mal entendido. Deveria apenas servir para legitimar a expropriação dos recursos do Estado.

Enquanto os pobres votavam obedientes, seguindo as ordens dos patrões, a democracia parecia ser conveniente. Assim, podiam se livrar da ameaça de revoluções e do intervencionismo do Estado, algo que só viria a limitar suas ambições.

Mas quando as grandes massas de trabalhadores passaram a escolher seus lideres e oferecer prestigio político suficiente para processos mais ou menos transformadores, a democracia passou a ser desinteressante. Talvez, seria preferível para estes golpistas um tipo de democracia que viesse a oferecer um peso maior nas eleições aos "esclarecidos" que estariam mais aptos a fazer escolhas equilibradas, diferente dos mortos de fome.

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O sinal de alerta já foi ligado.

A "judicialização" da política é um perigo. Conferir ao judiciário as decisões que deveriam ser dos políticos é um erro.

Acontece que num primeiro momento esta pode parecer uma alternativa interessante, já que acelera algumas transformações, sem o incômodo e o barulho próprio das lutas políticas.

Os políticos estão deixando de fazer política. A grande maioria evita participar dos grandes debates e grandes decisões, como forma de evitar o desgaste de suas imagens em setores como igrejas, imprensa, sindicatos e organizações não governamentais.

Os tecnocratas ocuparam as áreas de decisões estratégicas. Os juízes (que não precisam de voto) tomam decisões no lugar de um legislativo insípido e obediente.

Criou-se um falso consenso de que a política é o território dos maus e a área privada o território dos bons, onde tudo é permitido.

Não se pode confundir eleitorado com consumidores felizes. A sociedade deve participar das grandes decisões, ainda que este seja o caminho mais desconfortável pra muita gente.

Caso contrário, nossa democracia também ficará em risco.

Não podemos permitir que as grandes decisões sejam tomadas apenas "lá em cima".

segunda-feira, 18 de junho de 2012

O Acordo Lula-Maluf e o Limite das Alianças Políticas.



A queda do presidente Fernando Collor de Melo, há vinte anos deixou alguns “legados” na política brasileira.

Alguns destes “legados” são verdadeiros, como a necessidade de os governos eleitos construírem uma coalizão política, que venha a incluir uma parte dos derrotados no processo eleitoral como forma de construir uma maioria no legislativo (e também na sociedade).

Mas a experiência do impeachment deixou também alguns “traumas” e “medos” nos políticos mais pragmáticos. A famosa “governabilidade” tornou-se uma espécie de “seguro conspiração”. Algo perseguido por todos governantes desde então, em todos os níveis da federação.

O fato de que os governos dependem de alianças políticas bem sedimentadas não é uma inverdade. Ao contrário, a história da nossa república nos mostra que é impossível governar sozinho. Até mesmo nos períodos de ditaduras, os governos construíram hegemonias polícias que garantiram o atendimento de interesses heterogêneos.

Mesmo no período imperial, o poder moderador exercia de alguma forma o equilíbrio no nosso absolutismo jabuticaba tupiniquim.

Mas o que derrubou Collor, não foi somente a falta de base de apoio no legislativo.

Faltou, sobretudo, apoio na sociedade civil organizada. Collor esteve só desde o início. São vários motivos para esta “solidão” em relação aos diferentes grupos de pressão, mas trataremos disso numa próxima análise.

Com o fracasso das medidas econômicas de seu governo, sua popularidade derreteu. E não havia nenhum braço da sociedade civil que desse sustentação ao seu governo.

O caso de Lula foi diferente.  Conciliador, o presidente foi feliz na construção de sua base de apoio. Mas Lula não chegou ao Planalto por um acaso ou um golpe de sorte. Sua eleição foi construída durante mais de uma década e existia uma equivalência entre os dotes políticos de Lula e o apoio que ele contava na sociedade. Foi isso que permitiu a reeleição do presidente mesmo depois da “crise do mensalão”.

Não foi somente a base de apoio de Lula que criou as condições para que no segundo mandato o presidente contasse com uma aprovação histórica. O inverso também é verdadeiro. A grande aprovação de seu governo colaborou decisivamente para garantir uma confortável sustentação política no congresso.

Enquanto escrevo este post, acompanho um desconforto tremendo nas redes sociais com a aliança entre Lula e Maluf em São Paulo para a eleição de Fernando Haddad.

Certas coisas se explicam, mas não se justificam.

Vamos então à explicação. Petismo e lulismo, definitivamente são fenômenos políticos distintos. Embora haja indiscutivelmente uma intersecção entre eles.

O lulismo chegou ao poder e se consolidou como uma frente política ampla na medida em que o ex-presidente soube – com muita habilidade e grandeza – atender aos anseios políticos nacionais depreciados no período FHC. Lula caminhou para o centro e empurrou os tucanos para a direita. E de lá o PSDB não saiu até hoje. Estão lá, prensados na direitona mais boçal, regozijando gostosamente.

Para implantação do projeto neoliberal, o governo FHC (aliado à grande mídia) aniquilou diversos quadros do “desenvolvimentismo” brasileiro. Desde à esquerda até à direita.

Este processo “arrasa quarteirão” gerou ressentimentos e deixaram expostas feridas no Brasil. A política do governo FHC efetivou-se como uma traição ao projeto nacional, pelo qual sacrificaram-se gerações de brasileiros.

Os desenvolvimentistas estavam órfãos de representação política. O governo Lula soube atender aos anseios nacionais muito além do que já contemplava originalmente o programa do PT.

Lula tem a consciência de sua importância como elemento aglutinador destas diferentes expressões políticas brasileiras. E sabe muito bem quem são seus inimigos.

O PT sabe que se manterá no poder durante o tempo que for capaz de liderar uma hegemonia política. O que é bem diferente de mandar e ser obedecido.

Mas a aliança política com Maluf na cidade de São Paulo é um erro. Se este acordo político atende aos interesses imediatos das duas correntes políticas da capital paulista, por outro lado fortalece o discurso dos oponentes.

E pior, desagrada ao eleitorado dos dois políticos.

Os petistas (ou lulistas) se ofendem com esta aliança que inibe o ímpeto de sua militância, fator conhecidamente decisivo no processo eleitoral.

Mesmo o eleitor malufista não irá aceitar este acordo tão improvável. Aliás, no segundo turno das eleições em 2008, a candidatura de Marta já havia contado com o apoio de Paulo Maluf, mas isso não significou sequer uma possibilidade de vitória.

Para os malufistas, a rejeição a esta aliança pode até reforçar o voto conservador. E se o ex-governador Serra tem sido bem sucedido em alguma coisa nos últimos tempos é em atrair este eleitorado de direita.

Tudo bem que a candidatura de Haddad ganha mais um minuto na campanha de TV (e tira um minuto do principal adversário).

Mas por outro lado, esta eleição em São Paulo tem um forte apelo por renovação política. Os paulistanos estão fartos da velha política que vem condenando São Paulo ao atraso. Esta cidade, acostumada a liderar o Brasil, nos últimos anos está à reboque, perdendo a chance de crescer junto com um Brasil vibrante e transformador.

A aliança com Maluf representa a velha política. Inibe o potencial renovador da candidatura de Haddad.

Lula pretende desenhar um novo mapa político nas principais cidades brasileiras. Interferiu em diversas candidaturas e será testado nestas eleições.

No caso de São Paulo, nunca é demais lembrar que certo tipo de interferência na política local tende a não ser bem recebido.

O “dedaço” de Lula e a soberba de Serra – que rendeu o PSDB em benefício de seu projeto político – podem fortalecer uma terceira via. Quem viver verá!

sexta-feira, 15 de junho de 2012

A Rio+20 é uma farsa! Sem pensar no homem, não há como preservar a natureza.




Nos próximos dias, os principais telejornais do mundo estarão com suas câmeras focadas no Rio de Janeiro.

No entanto, a Rio+20 está longe de representar um alento ou um fio de esperança para a comunidade internacional.

Vinte anos atrás, a Eco 92 reuniu um bom número de chefes de Estado no primeiro encontro internacional sobre meio ambiente após a queda do bloco soviético.

Na ocasião, o presidente dos EUA era o George Bush (pai) e o presidente do Brasil era o Collor.

A Rio+20 se propõe a fazer uma releitura dos debates ocorridos há vinte anos. “Reacordar” o que foi acordado, mas não foi cumprido. Reinventar o fracasso.

A Eco 92 foi engendrada sob a luz de um “mundo novo”. Com o colapso do bloco soviético, o planeta teria apenas um modelo econômico e social possível.

O capitalismo havia vencido a guerra fria e não haveria mais espaço para qualquer alternativa de modelo político.

E se existia alguma teoria econômica vitoriosa, era o neoliberalismo. Reagan, Tchatcher e Bush haviam vencido a “ameaça comunista” com um choque de eficiência econômica, que incluía a derrota de seus inimigos internos, aumentando a reserva de mão-de-obra e dissolvendo os sindicatos.

Pronto! Era o fim da história.

Para a geração dos anos 90 restava se apoiar nas “teorias” de auto-ajuda. Uma maneira de lutar pelo progresso pessoal, sem eleger nenhum inimigo político como elemento causador dos infortúnios cotidianos.

Discutir política? Nem pensar.

Os movimentos ambientalistas ofereceram um cardápio de opções para que os idealistas ocupassem sua pauta de reivindicações.

A grande maioria dos ambientalistas é imbuída de boas intenções. Mas a missão que lhes foi entregue era a de lutar pela preservação do planeta sem ameaçar o status quo e desorganizar as relações políticas e econômicas estabelecidas.

O próprio conceito de sustentabilidade é uma piada.

Consumo sustentável? Como assim?

Trata-se de um engodo defender a tese de que é possível impedir a deterioração do planeta sem transformar o modelo econômico predatório que transformou a humanidade em “bateria” para carregar o lucro das grandes corporações.

Como se a preservação do meio-ambiente dependesse apenas da consciência e boa vontade dos homens, ou do mero comprometimento dos políticos e chefes de Estado. O mercado e os grandes interesses econômicos a que os Estados e seus indivíduos estão subordinados ficam de fora do debate. Como se fossem entes alheios ao processo.

Funciona assim: o mercado é bom, os homens é que são maus. Veja só, toda grande empresa hoje em dia tem suas metas de responsabilidades ambientais em seus sites, não é verdade?

A busca pela proclamada “eficiência” do neoliberalismo, obriga também os empresários a maximizarem suas oportunidades de ganhos para competir no mercado e ao fim do mês pagarem o que devem aos bancos.



Não há espaço para uma nova consciência ambiental. Isto é uma mentira.

Não há como salvar o planeta cuidando do meio-ambiente, como se o homem estivesse do lado de fora.

Não há como tratar com seriedade a questão do desmatamento sem harmonizar a relação do homem com a terra.

De que adiantam as campanhas publicitárias se os trabalhadores do campo vivem ainda como nômades porque não tem garantido o direito à propriedade de terra?

Existem centenas de artistas globais fazendo campanhas ambientais, mas nenhum deles defendendo a reforma agrária.

O aumento na produção de alimentos poderia salvar bilhões de pessoas da fome. Mas para que serve gente? Para nada. Os seres humanos não passam de estatística para essa gente.

Existem centenas de ONG’s financiadas para defender árvores, mas muito poucas que se preocupam com os bilhões de famintos.

Atores “globais” protestam contra Belo Monte. Tudo muito chique. Mas qual destes artistas apareceu na tevê cobrando investimentos em saneamento básico nas cidades brasileiras?

A poluição dos rios não acontece simplesmente porque as pessoas não têm educação.

Quem vive equilibrado num morro ou numa área de manancial não o faz por mero “estilo de vida”. A falta de acesso à moradia é uma tragédia humanitária. Mas quem se preocupa com o ser humano?

A Rio+20 é uma farsa, simplesmente porque ela já nasce de uma mentira.
Não é à toa que os filmes de Hollywood, quando retratam os tempos futuros apresentam uma realidade destroçada. O homem vive no subterrâneo, no mar, em desertos. Tudo está destruído. No fundo, todo mundo sabe que não existe futuro para a humanidade neste sistema capitalista predatório.

Vamos sim defender o planeta. Proteger os rios, as árvores e o ar. Mas comecemos cuidando dos homens. Porque não haverá de existir equilíbrio ambiental se não houver equilíbrio social.

Cuidar da natureza é cuidar do homem; cuidar do homem também é cuidar da natureza.






quinta-feira, 14 de junho de 2012

O porquê do "Vai Corinthians"






Vez por outra, algumas pessoas perguntam o porquê do “Vai Corinthians”.

Curiosos, tentam entender porque inevitavelmente exclamamos “Aqui é Corinthians”.

Qual seria o significado destas exaltações?

A mágica de ser corinthiano não se revela somente no ato de torcer pelo Timão dentro das quatro linhas.

O jogo do Corinthians é uma forma de interpretação da realidade. A maneira como celebramos as vitórias ou lamentamos as derrotas é uma representação da vida da nossa gente.
O sofrimento, a superação, a desilusão, o engano, a paixão, a época de vacas gordas, ou as vezes de vacas magras...

A sorte, o revés, a resignação e a euforia.

A plena compreensão de que nada vem fácil na vida da gente.

Nada do que acontece dentro de campo pode fazer sentido sem que haja uma correspondência com a vida social cotidiana.

Mas tal qual aquele ditado em que “a vida imita a arte”, podemos dizer que além do Corinthians jogar o jogo como a gente joga a vida, o contrário também é verdadeiro, ou seja, experimentamos nossa vida reproduzindo a cada momento uma espécie de ética corinthiana.

Uma ideologia que aspiramos nas partidas de futebol, de alguma forma passa a orientar o nosso comportamento.


Tentarei ser um pouco mais claro.

Quando alguém te oferece uma cerveja, mas revela timidamente que vai te servir naquele famoso copo do requeijão, você responde: “Por favor, aqui é Corinthians!”.

Você é chamado para uma entrevista de emprego. Um trabalho que você esperava há tempos. Ao entrar na reunião você murmura quase em silêncio: “Vai Corinthians!”.


Ao ajudar um amigo com a mudança, ou mesmo dar aquela força para carregar cimento e “encher a laje” da casa que o cara está construindo com muito esforço. Se o camarada demonstra gratidão e oferece um abraço, é muito comum chegar no cara e dizer: “ô mano, é nois. Cê ta ligado que Aqui é Corinthians!”.


A mulher da tua vida sorri para você. Olha nos seus olhos e te oferece um beijo. O beijo que você esperou durante dias, semanas, meses ou talvez a vida inteira. Ao voltar para casa você dará socos no ar e vai gritar para a rua inteira escutar “Vai Corinthians!”.

Ano novo. Vamos estourar um Champanhe? Só tem Cidra. Tem problema?

Adivinha: “Aqui é Corinthians”.

Bateram no seu carro. Ele estava sem seguro. Você terá de trabalhar meses para arrumar o carango. Bola pra frente. Vai Corinthians!

Quem nunca ouviu essa frase: “Oi filho, seja bem-vindo na minha casa. A casa é simples, mas recebe todo mundo muito bem. Não repara a bagunça”. Inevitável resposta: “Tia, aqui é Corinthians”.

Você foi promovido? Vai Corinthians.

Sua filha se formou na faculdade? Vai Corinthians.

Vai para a balada? Vai Corinthians.

Preserva e admira as coisas mais simples da vida? Aqui é Corinthians.

Identificou-se com este texto? Aqui é Corinthians!


Moral da História: “Vai Corinthians” e “Aqui é Corinthians” são elogios a simplicidade. Demonstram uma satisfação com a própria identidade. Uma afirmação da nossa origem.

O Corinthians é a maior expressão de quem somos. Ele joga no campo reproduzindo nossa realidade.

Alguns acham que temos sorte, fazemos gols no final do jogo, vencemos pelo cansaço.

Outros que jogamos com raça.

Tudo bem. Isso não deixa de ser verdade.


Mas o que conta no final das contas é o seguinte: O Corinthians tem presença de espírito.

Nós somos o Corinthians.

E o Corinthians também está dentro de nós.

Aqui é Corinthians.







quarta-feira, 6 de junho de 2012

England Shoes


Estava passeando pelas ruas de Londres.

Era uma sensação que me lembrava as primeiras vezes em que saí sozinho até o centro da cidade.

Ao deixar as estações de metrô, descobria uma cidade nova. A cada estação uma paisagem diferente. Era mágico descobrir São Paulo em diferentes surpresas.

Não foi difícil me apaixonar por São Paulo. Quando adolescente, a cidade me parecia muito maior.  Ou talvez eu fosse menor. O fato é que tinha o mundo inteiro por descobrir e o centro da cidade era a porta de saída para uma vida nova que se abria.

Londres foi a primeira cidade que senti novamente este deslumbramento. Não sei se é maior do que Sampa, mas foi interessante demais.

Novamente me surpreendiam os lugares e as pessoas.

O sentido contrário do transito me obrigava a prestar muita atenção e cada um se vestia de modo particular.

Tudo muito interessante que me remetia àquela sensação do menino que começava a conhecer o centro de São Paulo.

Precisava comprar sapatos. Teria uma reunião no dia seguinte e estava desprevenido.

Particularmente, não gosto de shopping center.

Quando eu era moleque, achava muito bacanas aquelas lojas antigas do centro da cidade.

O shopping transformou as lojas em espaços fashions para eternos adolescentes. Tudo com muita luz e música alta. O território perfeito para a compulsão consumista, mas sem bom gosto algum.

Falando o português claro, não se encontra mais loja de homem. Carrancuda, sóbria, silenciosa, onde se pode comprar desde uma bela camisa até uma caneta decente.

Não que os homens de hoje devam andar com suspensório. Mas o fato é que atualmente a adolescência começa aos sete anos de idade e só termina aos 45.  Deve ser um valor dos nossos tempos. Sei lá. Na verdade eu sei sim, mas não quero tocar neste assunto agora.

Voltando à Londres.

A cidade é cheia dessas lojas carrancudas. Em uma delas eu me fixei em uma vitrine com alguns sapatos elegantes. Os preços eram acessíveis e resolvi entrar.

Abri a porta de vidro e este movimento acionou uma sineta. Recurso bem conservador. A loja tinha um carpete da época do Henrique VIII. No balcão um casal de velhinhos que me cumprimentavam educadamente, mas sem sorriso algum. Ainda bem.

Eram dois idosos esfarrapados. Vestiam roupas que pareciam pijamas. Talvez fossem.

Apontei para os sapatos da vitrine e a senhora ergueu o ombro direito e deu uma leve bufada. Trouxe os sapatos e sofremos um pouco até encontrar o meu número.

O velho apenas olhava atrás do balcão. Eu era o único cliente da loja naquele momento.

Logo o velho trás em suas mãos um par de sapatos diferente. Trazia em sua expressão um ar solene.

Gostei dos sapatos e pedi para provar. Tinha todo tempo do mundo. Poderia passar a tarde toda ali na calefação da loja para decidir por um único par.

Realmente eram belos. Perguntei o preço, mas achei muito caros em comparação com os outros que havia visto na vitrine.

O senhor respondeu com poucas palavras: "england shoes".

Continuei achando caro, embora os outros tenham ficado menos interessantes. O sapato de velho era realmente mais bonito.

O velho continuou.

- este não é um sapato indiano. Não que a Índia seja uma terra má, mas estes são sapatos ingleses, senhor. De onde você veio?

- sou brasileiro.

- sim - continuou o velho - o Brasil produz alguns dos melhores sapatos do mundo. Mas estes são ingleses.

O velho virou o sapato do avesso e iniciou um discurso o qual eu entendia algumas partes, porque o cara desembestou a falar muito depressa e meu inglês ainda é ruim.

Só sei que ao final ele batia na sola do sapato com o nó dos dedos e esbravejava em voz alta: "england shoes, england shoes”.

O velho me convenceu. Meu pai sempre me disse um dia que o mais importante na vestimenta de um homem eram os sapatos. Não queria chegar na reunião esculachado.

Mandei embalar os "england shoes".

O velho voltou para o balcão silenciosamente e sua companheira agradeceu em voz baixa e suave assim que paguei pela compra. Disse adeus e fui embora, abrindo a porta que disparava a sineta.

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Por estes dias têm chovido muito aqui em São Paulo. Uma chuva constante e intermitente. Resolvi calçar os meus england shoes.

Eles são ótimos para andar nas calçadas de cimento e no asfalto.

Mas ao pisar em alguma superfície lisa, tal qual os pisos que existem aos montões por aí, tive uma experiência angustiante.

Os tais england shoes não tem aderência alguma. Para não cair com a bunda no chão precisei fazer manobras de patinador.

Parecia o Charles Chaplin com terno, guarda-chuvas e dançando como um idiota na frente de um prédio tentando evitar a queda.

Os tais england shoes vendidos pelo velho protecionista, embora sejam bonitos, não serão úteis para mim.

Ao menos que os leve para que um sapateiro aqui do Largo do Arouche coloque um solado de borracha bem aderente.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Governo Tucano anuncia que fechará estações Itaquera e Morumbi em dia de jogos e espetáculos





No mundo todo, o planejamento dos novos estádios e arenas de espetáculos tem em conta a proximidade com transportes públicos de massa.

O próprio estádio da Copa migrou para Itaquera com o apelo de contar com uma estação de Metrô a 600 metros de distância.

A estação Morumbi levará o nome de São Paulo F.C. justamente por estar nas proximidades do estádio do tricolor paulista.

A questão do trânsito na cidade de São Paulo deixou de ser um problema e passou a ser um flagelo. Quem vive nessa cidade, torna-se a cada dia um pouco mais infeliz pelas horas perdidas em congestionamentos que nunca terminam.

Em dias de shows no Morumbi, a parte sul da cidade fica absolutamente congestionada.

Campanhas publicitárias e de utilidade pública procuram convencer a população paulistana da importância de deixar o carro na garagem e utilizar o transporte público.

A Lei Seca fiscaliza e pune os motoristas que usam o carro após consumir bebidas alcoólicas. Não seria melhor que os motoristas deixassem seus carros em casa para assistir a uma partida de futebol ou a um espetáculo musical?

Mas nada sensibiliza a camarilha tucana que parece não enxergar a sociedade para além de suas planilhas.

Qual seria a justificativa do fechamento destas estações?

Os transtornos? O vandalismo? A Violência?

Para que servem as leis deste país?

Ora, não podemos tratar nossos cidadãos como imbecis. Estamos na segunda década do século XXI, mas alguns governantes acreditam estar lidando com silvícolas.

A população se comporta numa relação direta de como ela é tratada. Judiar do público não ajuda em nada no processo de emancipação dos cidadãos.

Nos estádios mais modernos do planeta, o público vai e volta de metrô.

Mesmo em Oslo, na Noruega, o eldorado dos Estados de Bem Estar Social, houve um tumulto por estes dias que deixou dezenas de adolescentes feridos em um show do Justin Bieber.

O que faz os tucanos acreditarem que os europeus podem dispor destes transportes em dias de eventos grandiosos e nós tenhamos que ficar na rua?

Senhor governador Alckmin, seríamos nós inferiores aos europeus civilizados?

Meus amigos, esta é a visão que o PSDB tem do povo brasileiro. Não é à toa que os tucanos são gradativamente varridos do mapa político brasileiro. São Paulo é uma das últimas fronteiras.

Quando o PSDB governa, o povo é um inconveniente que o partido não sabe muito bem como lidar. Dá um trabalho danado e a sociedade não se comporta como o planejado inicialmente em suas planilhas.







O Chato-Google





Esta semana conversei com um chato.

Não há quem não tenha se deparado com alguma espécie de chato.

Talvez nós todos sejamos um pouco chatos. Eu mesmo estou seguro que sou uma verdadeira mala para um monte de gente.

Algumas pessoas sequer conseguem ocultar a antipatia com minha existência.

Mas não faz muito sentido falar das próprias chatices. Até porque o incômodo invariavelmente se manifesta a partir do contato com as particularidades alheias.

Mas enquanto conversava com este chato especifico, percebi que se tratava de um tipo que talvez não tenha sido até o momento catalogado pelos estudiosos do assunto.

Trata-se do Chato-Google.

O Chato-Google é aquela pessoa que conversa com você com duas preocupações permanentes.

A primeira é testar seus conhecimentos no assunto que ele propõe a discutir. Assunto este que o chato acredita possuir absoluto domínio sobre a questão.

A segunda preocupação é saber se você está realmente prestando a devida atenção em seu discurso.

Este tipo de chato já começa a conversa fazendo uma pergunta meio pegadinha.



Um exemplo qualquer

- Você sabe qual a origem do nome forró?

O Chato-Google é um sujeito sagaz e experiente. Ele não permite que o ouvinte se livre rapidamente da conversa, como inicialmente esperava. Quando ele faz uma pergunta, espera sempre uma resposta. Afinal, seria uma grande indelicadeza com o chato, o ouvinte virar as costas e sair andando.

Vez por outra, o ouvinte inutilmente tenta dar uma resposta curta para que o “Chato-Google” comece logo o seu “talk show de curiosidades”.

O Chato-Google repete a pergunta:

- Você sabe?

- O que?

- Qual a origem do nome forró?

- Sei.

Ferrou tudo. Ele não irá terminar a conversa com um “então...”. Ele vai testar seus conhecimentos:

- Por quê?

- Por causa do forrobodó.

Quanta ingenuidade. Você realmente achava que o Chato-Google não se prepararia antes da conversa?

- Errou. Nada disso. Responde o Chato em seu esperado momento de glória.

Nestes momentos, o ouvinte geralmente decide pela opção de dizer: “tá bom, então explica”.

Mas alguns desavisados (porém bem informados) embarcam na viagem do Chato-Google e tentam argumentar:

- Como não, o forrobodó vem da expressão farbodão, muito utilizada na península ibérica. Por sua vez, ela tem origem no francês faux-bourdon. Uma batida rítmica monótona.

Pois bem, pode-se imaginar que o Chato-Google deu azar porque encontrou um especialista no assunto. Mas esta espécie de chato sempre tem um Plano B.

- Errou de novo – diz o Chato.

- Hã – responde o ouvinte.

Daí o cara lança mão de um argumento escondido na cartola.

- É porque na época da guerra, os ingleses ocupavam a costa do nordeste e eles eram convidados vez por outra para os bailes. Estas festas eram chamadas de For All, ou seja, para todos. Entendeu?

- Entendi.

- Entendeu o que? – continua o chato.

- Entendi que o for all é parecido com a expressão forró.

- Não, é porque forró vem do for all, entendeu?

- Ah sim!

- Então.

O Chato-Google sempre irá vencer os debates, porque ele vence o ouvinte pelo tédio.

Mas se o ouvinte quiser aproveitar a deixa para fugir, deve fazê-lo com astúcia e agilidade. Porque logo o Chato irá segurá-lo pelo antebraço.

Deus do céu. Como é chato este tipo de Chato que segura a gente pelo braço.

E aquele que fica cutucando para impedir que você olhe para os lados e se distraia. Putaquipariu como irrita.

Como eu disse, a segunda preocupação do Chato-Google é ter certeza que você está devidamente concentrado na palestra que ele, seguramente, considera muito interessante.

Durante o restante da conversa, o Chato irá alternar considerações e perguntas surpresas. Este é um recurso extraordinário para garantir sua atenção absoluta.

Ele fala durante alguns minutos seguidos. De repente ele interrompe:

- Você concorda?

- Lógico. Concordo sim! – responde o ouvinte de bate pronto.

- Com o que? Você entendeu o que eu quero dizer? – Grande filho da puta esse chato.