sábado, 26 de novembro de 2016

A Grande Aventura de Fidel Castro

Quem aprendeu a amar o Comandante Fidel Castro sente no peito a perda de um pai.
Fidel não era apenas um político, um chefe militar, um presidente. Fidel foi um exemplo de homem. Um revolucionário. Fidel foi também um líder existencial. Um camarada. Alguém que nos faz refletir a cada dia o que queremos como indivíduos. Que podemos ser muito mais do que uma vidinha jogada no universo. Que podemos ser homens e mulheres protagonistas do nosso tempo e com condições de transformar o mundo, mover a história, fazer muito mais do que aceitar as injustiças como algo naturalizado e comum.
É difícil para muitos entender o amor do povo por Fidel. Ainda mais nos dias atuais. Vivemos uma era de culto ao individualismo. De idolatria à satisfação pessoal e íntima. Ao consumo. Como entender o amor por Fidel se a cada dia a humanidade é levada a odiar o público e a amar o privado? Como entender o amor por Fidel nesses dias em que a atividade política é criminalizada? Em que o mundo idolatra empresários, homens de mercado e até fazem deles seus líderes governamentais?
Eu aprendi a amar o Fidel.
Desde jovem. Lia as histórias da Revolução Cubana e me pareciam fantásticas. Sei que não era um adolescente comum. Não me encantaram os super heróis. Eu gostava do Fidel e do Che. Não sonhava em conhecer a Disney. Sonhei durante anos conhecer Cuba, visitar Havana, como depois tive a sorte de fazer em algumas oportunidades.
Honestamente, eu não culpo quem não entende esse amor pelo Fidel. Não culpo, tampouco, quem odeia o Fidel.
São décadas e mais décadas de lixo midiático. De ódio sendo disseminado contra figura de Fidel.
Fidel escapou de mais de 600 atentados contra sua vida. A humanidade não pode escapar da violência do imperialismo. Violência militar, política e midiática, deformando visões de mundo e corrompendo a história.
Fidel também foi odiado porque a coragem de uns revela a covardia de outros e esta coragem parece ser insuportável e subversiva. Quem fez a escolha pela obediência detesta os rebeldes. Quem resolveu aceitar as humilhações cotidianas e se submeteu a tudo esperando a promessa de um bem-estar que só se realiza na hora dos calmantes precisa de alguma maneira se convencer que sua vida valeu à pena. Alguns precisam odiar Fidel para comprovar a si mesmos que sua escolha não foi tão ruim e que sua vida não foi desnecessariamente ordinária. Que sua crença no progresso pessoal não foi em vão. Que aceitar os assédios, as injustiças, os choros cheios de soluço dentro do banheiro também valeram à pena.
Muitas pessoas precisam odiar o Fidel para suportarem a si mesmas. Precisam olhar para Cuba, repleta de carências e precariedades, para convenceram a si mesmos de que vivem repletos de bem-estar.
Claro que Cuba precisa ser odiada. É evidente que todas as dificuldades que vive o povo cubano merecem destaques e manchetes escandalosas. As pessoas precisam do flagelo de Cuba para aceitar com algum conforto nossas misérias cotidianas, nossos milhares de desabrigados, nossas crianças de rua, nossos irmãos tendo que comer lixo, nossas cadeias lotadas, a criminalidade, as pessoas sendo baleadas, nossos jovens envenenados pelo capitalismo, entorpecidos pelo consumismo, a polícia repressora, nossa democracia de faxada.
Como se as carências de Cuba fossem resultado apenas de seus erros internos e não houvesse o papel do inimigo que desde o primeiro dia da Revolução Cubana fez de tudo para destruir o país e desconstruir essa experiência como alternativa para os povos.
Sim, os cubanos gostariam de ter o seu tênis Nike. As meninas gostariam de usar Natura. Como convencer uma mulher do século XXI que ela não precisa de xampu e condicionador? Os meninos gostariam de brincar com seu PlayStation.
Mas o povo cubano conseguiu algo que é muito difícil de possuir. Esse povo tem dignidade! Esse é um povo lindo, com um brilho no olhar que eu temo estarmos nós, povo brasileiro e irmão de alma dos cubanos, perdendo para sempre. Dignidade não se compra no supermercado. São crianças na escola, acolhidas, bem educadas. Quem fica doente não é tratado como bicho. São casas simples, sem luxo nenhum, mas muito dignas. É cada pessoa tendo direito a ter seu lugar no mundo. Sabe o que é você conversar com um jovem que não está infeliz? Que não parece apavorado, envenenado e com medo? Essa é a imagem que eu guardo de Cuba.
Fidel foi um dos maiores homens da história! Para sempre será lembrado.
Sabem qual foi a maior aventura de Fidel?
Não foi pegar em armas para chegar ao poder.
Não foi enfrentar os Estados Unidos durante meio século e sair vencedor.
Sabe o que torna a Revolução Cubana diferente de todas as outras que o mundo já conheceu?
A maior aventura de Fidel foi tentar construir o HOMEM NOVO. Produzir um novo tipo de indivíduo que fosse solidário, verdadeiro, camarada, desapegado das coisas, voluntário, altruísta, generoso, não invejoso, firme, forte, correto, doce, sem medo e com capacidade de manifestar seu amor pela humanidade. De lutar contra as injustiças e, caso necessário, oferecer sua vida pela liberdade de seu povo.
A construção do homem novo. Essa foi a grande e linda aventura. Foi um projeto de Estado. Uma experiência sem igual na humanidade que ganhou um significado mais do que especial como acontecimento nesse país tropical tão lindo. Um lugar para a humanidade se amar. Um espaço de liberdade.
Essa aventura valeu muito à pena!
Ainda que a humanidade tenha se espatifado em alguma esquina da história. Ainda que tenhamos sido definitivamente envenenados. Ainda que estejamos reduzidos a consumidores. Ainda que a humanidade tenha rodado tanto tempo pra terminar como compradores de coisas. Ainda que sejamos irremediavelmente egoístas e individualistas.
Mesmo assim a aventura de Fidel Castro foi linda e valeu muito à pena.
A presença física de Fidel chega ao fim. Mas seu exemplo, seu pensamento e principalmente seus grandes atos acompanharão a humanidade para sempre. De alguma forma nosso Comandante en Jefe, estará sempre conosco.
Viva Fidel!
Hasta siempre Comandante!

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Nós somos!


Nós somos tudo aquilo que vocês mais detestam.
Somos aquilo que deixa vocês com medo.
Porque vocês não entendem, não sabem ao certo como enxergamos o mundo.
Não conseguem prever como pensamos.
Isso os apavora.
Não conseguem nos controlar, porque sequer imaginam o nosso próximo passo.
Somos imprevisíveis porque não fazemos parte do mundo de vocês.
Somos mais ameaçadores para os poderosos do que qualquer organização política.
Nós somos a ideia que não tem dono. Somos o pileque que extravasa. Somos o que se fala pelas esquinas. Somos o que anda na cabeça do povão.
Somos o risco que vale à pena. Somos a consciência de classe possível nesse mundo de alienação. Somos o inconsciente coletivo. Somos o empoderamento.
Nós somos a voz de quem não tem voz. Somos um movimento social com trinta milhões de líderes.
Nós somos a anticolonização. Nós somos o clube dos refugiados. Nós somos quem sofreu na seca, nas guerras, no tronco.
Nós somos uma Mesquita que foi bombardeada.
Nós somos o judeu esmagado no campo de concentração.
Nós somos o negro escravizado. Amontoados num navio negreiro ou numa cela de cadeia.
Nós somos a mulher que foi espancada pelo marido.
Somos o pobre espremido no transporte público.
Nós somos a reputação destruída pela mídia bandida.
Nós somos o pai de família que ficou desempregado.
E vocês nos querem com medo. Nos querem humilhados.
Vocês nos querem sem condições de acreditar em nós mesmos.
Por isso nossa vitória ofende tanto vocês! Por isso as nossas glórias acabam por ser desmerecidas.
Por isso a nossa casa "foi dada de presente", num suposto conluio qualquer.
Caras de pau! Justo vocês que roubaram um país inteiro! Que tomaram todas as nossas riquezas e viraram donos de quase tudo aquilo que seria propriedade de todos. Que geraram milhões de miseráveis. Que num país tão grande, com tanta terra, deixaram milhões pessoas vivendo nas ruas ou nos barrancos.
Hipócritas!
Vocês querem, mas não conseguem, dobrar nossa coluna.
Por isso nossos irmãos são torturados por genocidas com credencial para exterminar o povo. Fazem isso todos os dias. No estádio ou na favela. Rastejam vergonhosamente para os poderosos e pisam do pescoço de quem é pobre. Capitães do Mato!
Tudo isso, sob o sorriso cúmplice de quem se faz de santo, mas vive com ódio no coração. De quem diz ser "de família", mas despreza a mãe pobre que chora a perda de um filho. Que ajoelha em nome de Deus, mas é incapaz de sentir amor pelo próximo. Que reza apenas pela própria conta bancária.
Sim, nós somos aqueles que "mereceram apanhar". Somos da turma onde "não tem santo". Somos aquela parte da sociedade que ninguém se importa quando o morro desliza. Somos a senhora negra que não é recolhida pela ambulância. Somos quem não merece advogado. Somos a tragédia que vira estatística. Somos quem "tem mais é que morrer".
Quem conhece nossa história sabe que já nascemos estigmatizados. Foi assim desde sempre.
O desprezo de vocês, apenas nos torna mais fortes.
O ódio de vocês nos faz cada dia mais unidos como irmãos. Como filhos de Deus.
Nossos instrumentos de solidariedade são indestrutíveis.
Sim, nós somos a Fiel Torcida.
Ninguém vai render o nosso amor pelo Corinthians, simplesmente porque nós somos tudo isso que já foi dito, até mesmo quando não sabemos ao certo que somos.
Porque nós não somos matéria. Não somos um corpo físico torturado no Maracanã, nem o concreto do estádio de Itaquera.
Nós pairamos no ar. Nós somos a presença de espírito. Vocês nunca vão nos destruir porque habitamos nas mentes rebeldes e nos sonhos encantados de muitos outros que irão se levantar em seu nome, Sport Club Corinthians Paulista. A nossa casa, a nossa pátria, a nossa família, o nosso mundo.
A nossa vida!
Vai Corinthians!

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Golpe! Foi Golpe!



GOLPE! Foi GOLPE!
Sinto um gosto amargo na garganta. Uma tristeza pelo Brasil. Teremos que passar por mais isso.
Quero agradecer ao Presidente Lula e a Presidenta Dilma por tudo que fizeram pelo Brasil. Redução da miséria extrema. Derrubar pela metade a mortalidade infantil. Só isso já seria o suficiente. São vidas humanas que foram resgatadas.
Mas não foi só isso. O Brasil ganhou dignidade. Passou de uma nação corcunda e submissa para uma potência emergente. Que se apresentou ao mundo com dignidade. Que liderou um grande número de países que sonham com um mundo mais justo e de paz.
Essa nação, ainda escravocrata, por algum momento olhou de verdade para os mais pobres. Fez a opção por aqueles que nunca tiveram vez nem voz. Que foram excluídos e esmagados.
Ainda que para isso tenha sido feito a escolha (certa ou errada - a história dirá) de negociar uma trégua com esta elite atrasada. Essa escolha de costurar alianças com certa parte de elite que, esperava-se capaz de assumir um pacto pelo desenvolvimento do Brasil e passasse a aceitar a inclusão social como condição necessária para que todos pudessem crescer..
Ainda que os interesses das elites tenham sido preservados, no que se refere aos grandes lucros. Ainda que o crescimento econômico e a inclusão de milhões de brasileiros no mercado de consumo tenham garantido ganhos imensos. Que os bancos só tenham aumentado seus lucros indecentes. Nada disso evitou que essa trégua acabasse.
Nada menos que um governo absolutamente servil, essa elite aceita. Nada menos que um governo que se pareça com ela. Nada menos que um espelho desta elite suja e cruel se tolera no Palácio do Planalto. Não tem arrego! Não tem acordo!
Voltemos para os anos 90, pois. Ainda que nosso país se veja atrofiado, desmanchado. Ainda que as indústrias fechem as portas que ainda restam abertas. Sim, ainda que os industriais do "Pato Amarelo" sejam apunhalados pelo novo governo, gozarão com alegria. Ainda que a classe média branca dos grandes centros urbanos brasileiros percam seus direitos, seus empregos, sua possibilidade de aposentadoria, seus apartamentos com varandas gourmet. Ainda que o Brasil entregue seu subsolo, sua chance de um futuro melhor, ainda que o SUS seja desmontado. Nada disso roubará o sorriso dessa gente tola em servir aos velhos senhores e não perder o privilégio, o status social e o protagonismo tão reivindicado desde que a "escória petista" assumiu o poder.
Obrigado, Presidente Lula. Não esquecerei jamais daquela foto em que um menino negro e pobre toca sua barba. E o senhor se deixa tocar. Carregado nos braços pelo pai, o menino se reconhece no presidente. Pode tocá-lo. Pode também sonhar. Saber que é gente. Que pode chegar lá. Que não nasceu apenas para ser escravo. Obrigado, Presidente Lula. Minha vida efetivamente mudou muito. Minha vida e da minha família.
Jamais perdoariam o que o senhor fez de melhor. Jamais perdoariam a eleição de Dilma. Uma guerrilheira que foi a candidata vencedora dos mais pobres por duas vezes. Uma mlher honesta e honrada que não se sobrou diante dos ladrões e aves de rapina. Jamais! Jamais aceitarão que um menino pobre possa sonhar em ser presidente. Querem destruir a sua imagem, justamente porque tentam apagar o que o senhor significa. Não conseguirão! Por muitos anos o senhor se manterá como um símbolo da luta dos mais pobres por dignidade.
Por fim, esse país tão lindo e maravilhoso não merecia estar tão perto dos Estados Unidos da América. Daqui cinquenta anos (ou menos), talvez tenhamos outros relatórios nos dando conta de como esse golpe foi costurado. Talvez tenhamos outros tantos hipócritas pedidos de desculpas dos órgãos de imprensa por apoiar mais uma vez um golpe de Estado.
É duro entrar nessa década sonhando com o futuro de um Brasil mais justo, sem fome e miséria, com desenvolvimento econômico e social e acordar nos dando conta que voltamos a ser uma rebubliqueta de bananas, com quarteladas, tapetões, presepadas e viradas de mesa. Com 54 milhões de votos jogados no lixo.
Da nossa parte, mais valem as lágrimas da derrota por ter lutado por aquilo que acreditamos, do que a satisfação tola de quem sorri diante da tragédia de um país que mais uma vez perdeu a chance de resgatar as vidas humanas que fingimos não ver, sofrendo de fome, miséria e abandono, sem um lugar digno para morar e sem esperança de se sentirem de fato irmãos brasileiros.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

O orgulho de ser o perdedor. Somos o sonho de liberdade



Continuamos nos esborrachando na história.

Morrendo pela espada de quem defende o status quo.

Porque as coisas são assim como são e ponto final.

Permanecemos esganados pelas mãos de quem odeia as ideias transformadoras.

Aqueles que outrora consideravam radicais e subversivos os homens e mulheres que combateram a escravidão.

Somos ainda sufocados pelos obscurantistas. Aqueles que precisam alienar o homem sobre a própria existência. Aqueles que tentam nos envergonhar justamente de tudo aquilo que nos torna humanos. Nossos desejos, nossos vícios, nossos fluidos, nossa fisiologia, nossos amores, nossa convivência. Tudo o que nos aproxima de nós mesmos há de ser considerado sujo, imoral, pecado e se possível estabelecido como crime.

Continuamos sendo queimados em fogueiras santas.

Não por acaso o conservadorismo político ajoelha safadamente no genuflexório do conservadorismo religioso.

A liberdade sobre o próprio corpo e a liberdade sobre o próprio espírito são as duas mães lésbicas de todas as outras liberdades. Quem é dono de si mesmo não abre só o corpo, mas abre a cabeça e a mente para novas ideias. Para outros sonhos lindos de liberdade. Quem não ajoelha no milho dos pastores severos, supera os dogmas e o medo do inferno. Não presta mais para ser escravo de ninguém. Questiona hierarquias cosmológicas e terrenas.

Façamos fila pois, para queimarmos em praça pública. A não ser que digamos em voz alta que o universo gira em torno da terra. Que o planeta não é redondo. Que viemos do barro. Que a Eva veio da costela de Adão. Que a miséria sempre existiu e sempre vai existir. Que é normal sair de casa e ver alguém comendo lixo à sua frente. Que devemos assistir milhões de pessoas sucumbindo às pestes e doenças por não pagar a patente do remédio. Que o homem leva um foguete até marte, mas os carros não conseguem andar sem combustível fóssil. Que se gasta trilhões em armas de guerra, enquanto vemos irmãos e irmãs da mesma espécie morrendo desnutridos como caveiras humanas. Tudo isso é normal! Gritemos! As coisas são assim e pronto!

Somos o incômodo do mundo. Os que não aceitam as fórmulas prontas. As malas que não se submetem e não acreditam em soluções simples. Os rebeldes. Não somos os bons filhos. Somos as filhas que vão para onde querem. Por isso precisam nos eliminar para manter a ordem e garantir o progresso. Ordem pra cima de nós todos e progresso em benefício deles poucos.

Quem aceita tudo de bom grado, quem acredita nas promessas como bom gado, quem confia no sistema, precisa necessariamente nos odiar. É preciso nos apagar para acreditar na própria felicidade. Para confirmar que as realizações que custaram tanto são realmente importantes. Que não se traíram tanto assim. Que a angústia que mora no fundo do peito não há de ser nada. Nossa coragem revela uma covardia geral. Por isso precisamos sumir. Por isso nos mandam pra Cuba, pro Nordeste, pra Coréia, pra Rússia, pra cadeia, pro cemitério.

Incomodamos mais do que qualquer governo. Mais do que qualquer partido. Somos o triunfo do Alecrim e a lágrima do Pierrô pelo amor da Colombina.

Somos o esforço humanitário contra a lei do mais forte. Somos o desejo de liberdade. A vontade de independência. Somos contra o imperialismo. Somos contra a opressão. Seguramente haveríamos de ser indesejados por quem aceita a dominação de bom grado e não se preocupa em questionar nada, com medo de perder o mísero privilégio que acredita possuir.

Não temos medo da luta. Questionamos as regras. Por certo que somos inimigos de quem dá as cartas.

Defendemos os Direitos Humanos. Obviamente seríamos detestados por quem aceita e apoia a tortura. Somos xingados todos os dias em horário nobre na tevê, no rádio, no jornal e na internet.

Denunciamos o racismo. Necessariamente haveremos de enfrentar os racistas. Àqueles que acham que o melhor remédio contra a injustiça é fingir que a injustiça não existe. E fiquemos todos falsamente amigos. Alguns com os privilégios. Outros com o chicote, as favelas e a exclusão.

Senhoras e senhores. Permitam-me chama-los de companheiros, camaradas, irmãos e irmãs, amigos e amigas. 
Meus amores.

Não derramem uma só lágrima. Não abaixem vossas cabeças supondo que foram derrotados. Não há do que se envergonhar. Não há porque esmorecer.

Há certas fogueiras onde é bom queimar. Há certas guerras onde é bom tombar. Há certas batalhas onde não há vergonha nenhuma em perder.

Há certas vezes na vida e na história que o melhor mesmo é estar entre os perdedores.

Simplesmente porque seria insuportável para nossa consciência livre estar entre os vencedores. Porque não haveria humilhação maior do que trair àquilo que acreditamos.

Ergamos nossas cabeças. Estejamos mais próximos do que nunca.

“Eles” berram alto. São raivosos. Vivem do golpe porque não convencem mais ninguém. Não tem condições de liderar. Não oferecem nada de novo. Não são alternativa para nada. Tudo que há neles é velho, arcaico e medieval.

A verdadeira evolução possível para os homens é a evolução nas relações humanas. Só haverá futuro possível multiplicando a cultura de paz

Vamos nos perder em boemias criativas. Em amores ardentes. Saiamos dos guetos e ocupemos as ruas, as praças, as avenidas. Joguemos fora todas as arrogâncias. Falemos com as pessoas. Sejam generosos. Aceite carinhosamente quem até outro dia pensava diferente. Vamos dividir o melhor que a gente tem e mobilizar o mundo em tremendas ondas de amor.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

O dia que vale por décadas de atraso





Este é o dia que vale por trinta anos. Três décadas de retrocesso.

A redemocratização do Brasil era até então uma história de sucesso. O país melhorou sob todos os aspectos após o final da Ditadura Civil-Militar (1964 – 1985). Ainda que nas últimas três décadas tenhamos taxas absurdamente baixas de crescimento econômico, o Brasil aumentou sua importância relativa na geopolítica internacional e também sua importância econômica global. Os índices de desenvolvimento social foram muito superiores às décadas anteriores, sejam eles no acesso à educação fundamental ou ao ensino superior. Na expectativa de vida, na redução da mortalidade infantil. Na prestação dos serviços públicos. Na estabilização da moeda e na redução da miséria extrema.

Aos trancos e barrancos, no fundamental o Brasil ia bem. Sem superar totalmente as injustiças históricas, sem uma estratégia definida de desenvolvimento econômico e social, sendo reflexo da negociação entre os grandes interesses econômicos e as pressões sociais e políticas que ganhavam força e acúmulo, mas estávamos encontrando nosso caminho.

O mundo passou a enxergar o Brasil como uma potência emergente. Nos reposicionamos de maneira muito interessante na política externa. Ganhávamos o respeito e despertávamos o interesse de quem investia pensando no futuro.

Mas jogamos agora tudo na lata de lixo onde se depositam os livros de história que não serviram para nada.

Com todos seus problemas internos, o Brasil tinha algo que era uma espécie de trunfo para ser considerado uma aposta de futuro. Tínhamos estabilidade política. Uma democracia moderna, repleta de distorções (que agora se revelam como nunca), porém não haviam rupturas drásticas e a ameaça de convulsões políticas e sociais. As instituições democráticas trabalhavam todas livremente. O voto livre e secreto tornou-se universal e o resultado das urnas respeitado.

Já que a direita liberal gosta tanto de falar em “atrair investimentos externos” ou “ambiente de negócios”, vale fazer algumas reflexões.

Tal “ambiente de negócios” certamente não será mais o mesmo daqui por diante.

O fato de o Brasil ser uma democracia estável e até mesmo o fato de um operário metalúrgico ter se tornado presidente, sem que houvesse rupturas no processo político, certamente era decisivo para quem decidiu investir no país.

A direita liberal, com a sanha privatista que possui, deveria fazer uma reflexão. Em geral, os contratos de concessão envolvem duas ou três décadas. A confiança na estabilidade política é decisiva para um “ambiente saudável para os negócios”.

No governo do PT não houve ruptura de um só contrato que este país tenha assinado, ainda que alguns desses contratos tenham sido assinados de maneira espúria na calada da noite. Ainda que para desapontamento das forças políticas de esquerda, todos os acordos foram mantidos. Isso, sem dúvidas, foi de grande estímulo para os investimentos diretos.

No governo do PT houve permanente compromisso com a estabilidade da moeda. Ainda que tenhamos em algum período ligeira alta da inflação – por decisões políticas que também geraram ganhos para o país – não houve descontrole. A inflação foi compatível com os números do Governo FHC, por exemplo.

Ainda que existam interpretações diferentes sobre o papel do Estado na condução, regulação e orientação da atividade econômica privada. Ainda que os liberais sintam-se em condições de “acusar” o governo de intervencionista e interpretar livremente os resultados da atuação do Estado nos resultados econômicos, segundo a visão de mundo que dispõem, não há como dizer que este governo tenha inibido ou se apropriado dos ganhos do setor privado. Todo mundo trabalhou livremente. E ganhou dinheiro.

Houve plena liberdade de imprensa (inclusive liberdade de conspiração). Houve liberdade política. Liberdade de manifestação. Não houve aparelhamento de nenhuma instituição. Não houve mudança na Constituição! Lula não pleiteou um terceiro mandato. Dilma não foi apenas eleita. Foi reeleita pela maioria da população que, mesmo sob o efeito da crise econômica que se iniciava, fez o seu balanço e em sua consciência livre optou por mais um mandato à presidenta. Preferiu Dilma e negou eleger o candidato da oposição, talvez por entender que o que estaria por vir (e agora insiste em surgir), seria uma agenda muito mais crítica e danosa para a população mais pobre.

Quem acreditará que após o Golpe haverá confiança, reconhecimento e estabilidade no próximo governo, se justamente o governo eleito democraticamente foi destituído?

Quem acreditará que o resultado das próximas eleições será respeitado, quando não houve respeito ao voto de cinquenta e quatro milhões de brasileiros, não por acaso, em sua grande maioria, da camada mais pobre da sociedade?

Quem não irá acreditar que retrocederemos a um ciclo de golpes, contragolpes, golpes nos contragolpes, canetadas, tapetadas, carteiradas e assim por diante? Quem desejará investir (me refiro a investimentos sérios) num país assim?

Quem confiará que os contratos serão cumpridos em longo prazo, quando o maior contrato de todos não foi respeitado?

Qual capitalista não sentirá pavor de um próximo governo de esquerda (e sim, estejam certos que ele virá), quando se sabe que mesmo cumprindo todos os acordos, contratos e respeitando os lucros indecentes dos grandes bancos, frutos menos de seus méritos administrativos, mas de uma política de juros promíscua e perniciosa, este governo foi premiado com um Golpe tramado pelo o que há de mais sujo na política brasileira?

Quem acreditará que somente a força policial, a repressão e os crimes de Estado serão suficientes para garantir estabilidade para os “negócios”, quando mesmo os regimes mais detestáveis do mundo não suportaram ao desejo de liberdade de seu povo?

Por fim, qual investidor deste país não sentirá a ausência de um líder político capaz de mediar os grandes interesses das elites, negociando com as demandas sociais em suas diferentes expressões. Sendo que tais demandas não são de nenhum partido ou movimento social, mas de uma população que carrega o peso de séculos de escravidão, exclusão, miséria e abandono? O que fazer quando esse líder que consegue realizar esta mediação social é colocado na cadeia e na ilegalidade política?

Evidentemente, esta é uma derrota dos trabalhadores mais pobres do Brasil. A agenda que será imposta é de desregulação dos direitos e garantias, arroxo, desemprego, recessão e também repressão política.

Mas a luta social é uma necessidade permanente e cotidiana do povo trabalhador. Não há folga. A repressão acontece todo dia nos esculachos diários nas periferias. Nada de novo.

O comodismo político é um luxo que não deveria fazer parte do cotidiano do povo trabalhador. Quando este ocorre, inevitavelmente significa perda e mais submissão. O comodismo e desatenção política se convergem e rápidas e contundentes derrotas.

A parcela mais pobre da população certamente será sacrificada. Porém, o prejuízo histórico não estará restrito aos pobres.

A ambição desmedida. O ressentimento político. O preconceito. A tolice. Tudo isso custará muito caro ao Brasil.

Por hora, é interessante ver como a mentalidade escravocrata e precarização do capitalismo arcaico brasileiro se convergem num atraso que se precipita à política e ao Estado.

A política brasileira, refletida nesse Golpe é a cara da nossa elite: burra, atrasada, cafona, intolerante, egoísta e com uma visão muito estreita e limitada do que está por vir.

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Meu Malvado Favorito


"Meu Malvado Favorito!"
É isso que acontece quando passamos por cima da democracia.
É isso que ocorre quando o país abre o precedente que abriu para o Eduardo Cunha. Ficando de joelhos. Permitindo tudo, aplaudindo as tempestades golpistas. Jogando na lata do lixo os ritos, trâmites, normas e processos.
É isso que acontece quando se tortura o regimento e as leis até que elas confessem.
Dá nisso quando se usa a "democracia" contra a própria democracia. Quando passamos a depender das atitudes intempestivas de quem "tem aquilo roxo", de quem é o "malvado favorito", de quem "faz o serviço".
É isso que acontece quando se ganha no grito.
Quando se passa por cima das urnas.
Quando se abre mão das regras comuns e passamos a aplaudir o golpe, porque assim nos convém.
Isso que dá aplaudir a exceção.
O problema de ser o país do Golpe é justamente se tornar o país do contragolpe. Do golpe no contragolpe. Do golpe no contragolpe do golpe.
O Brasil deve ficar assim por um bom tempo (um péssimo tempo).
O país das canetadas. Do juiz que derruba as canetadas. Do Congresso que derruba as urnas, Do tapetão que derruba o Congresso. Das pessoas que aplaudem quando o golpe é contra o candidato em que ele não votou. Do país em que ninguém se suporta. Onde ninguém se entende.
E assim será até que não tenha mais eleições, nem deputados, nem juízes, nem leis e nem nada.
Será a lei do mais forte. Voltaremos definitivamente à barbárie.
Como sempre, controlará a situação quem dispõe das armas.
Vão colocar o trabuco na cara da sociedade até que ela se acalme. Muitos irão aplaudir isso também, se assim for conveniente.
Isso pode funcionar por um tempo.
Até que a raiva se acumule e entremos em erupção. Mas a raiva não é remédio para nada. É a pior das armas.
O problema do Golpe não é derrubar o PT, o PSDB, o PMDB nem nenhum outro partido.
O problema do Golpe é que aquilo que um dia nos convém, no outro nos esmaga. É ninguém respeitar a escolha de ninguém. É o ressentimento correndo nas veias de todos. É jamais existir o consenso.
É assim que querem o Brasil.
Precisam do Brasil paralisado e anestesiado.
Se esse povo soubesse a grandeza do Brasil…
Estaríamos melhor num abraço fraterno, respeitando nossas diferenças.
Mas somos tolos.
Nossa tolice é mais eficiente do que dez mil bombas!

segunda-feira, 18 de abril de 2016

"Deus" derrubou Dilma


Resultado de imagem para crente mentiroso


Quanta canalhice falada e praticada em nome de Deus.
Quantos criminosos cuspindo, babando e falando em honestidade contra a corrupção.
Quantos degenerados falando em valores e família.
Quanta bandeira verde e amarela nas mãos sujas dos entreguistas que desejam um Brasil de joelhos e humilhado.
Quanto papagaio de pirata. Caras e bocas.
Quanto bullying opressor.
Quantos gritinhos escrotos, típicos de moleque babaca no colegial.
Quanto deputado safado que vivia beijando as mãos do Lula como aduladores, quando este tinha 80% de aprovação do povo brasileiro, agora expondo a face mais sórdida de seus caráteres, sem nenhum pudor.
Ao menos, esse mar de lama tóxica serviu para destacar os grandes quadros parlamentares da luta contra o golpe.
Gente decente e corajosa, muitas vezes tratadas com descaso por um governo que em muitos momentos acreditou que tinha "amiguinhos" na elite. Que o banalizado e famigerado "pragmatismo" estava garantindo "alianças pela governabilidade". Ao final não ficou ninguém. Ninguém. Ficaram apenas aqueles que tem conexão direta com o povo e suas lutas.
Repito, aqueles que tantas vezes foram tratados no chicote, enquanto tantos outros cafajestes viviam no Camarote Vip
do Planalto. Serve para aprender. Para que todos aprendam.
Quantas coisas tivemos que engolir pela governabilidade?
Quantos ideais relativizados?
Quanta gente ruim que aturamos?
Os votinhos que faltaram para barrar o impeachment podiam ser do Cunha e do Temer? Pois é, podiam.
Mas podiam ser também do partido do Malufão amigão.
Do ministro Kassab.
Do Sarney.
Do Edir Macedo que orientou sua bancada para defenestrar Dilma.
Ora, quantas vezes demos tantos "carões" na nossa bancada porreta que lutava pelas questões relacionadas aos direitos humanos e respeito às diversidades para "compor" com a bancada evangélica?
Ao final, quem deles votou contra o Golpe? Ninguém.
Tudo bem. Sei que ainda não é o momento de lavar a roupa suja e, especialmente nesse dia, isso torna-se particularmente irritante.
Mas não posso deixar de fazer essa reflexão ao ver nossos melhores quadros defendendo com coragem a democracia, sofrendo a tentativa de intimidação e até humilhação por parte de quem vivia com tratamento VIP no governo.
Este é aquele momento do "pronto falei".
Claro que não foi só isso que definiu o Golpe na Câmara.
Mas quem apoiou com vigor a eleição de Dilma no segundo-turno, passando por cima de decepções, mas firmando seu apoio, era também quem estava lá no plenário defendendo seu mandato. Era quem estava nas ruas do Brasil contra o golpe. E foi também quem ficou de fora na composição, organização e representação desse governo.
Chega. Paro por aqui pra não irritar. Até porque não foi somente isso que definiu o Golpe que passou na Câmara. Mas que ajudou ajudou.
Galera. Diga-me com quem marchas que eu te direi quem és.
É impossível estar satisfeito com o que ocorreu nessa noite de domingo.
Mas tem uma coisa. Me orgulho muito da minha posição política.
As caras de todos e todas estão filmadas ou "printadas". Não há do que se envergonhar, muito pelo contrário. No futuro saberemos como cada um se posicionou nesse momento.
Não estamos derrotados. Ao contrário.
A população viu ao vivo esse espetáculo deprimente e sabe reconhecer na cara a canalhice quando ela existe.
A consciência livre desse povo certamente fará o seu juízo.
Vamos lutar até o fim.
Estamos lutando a boa luta.
Se ganhar a eleição não foi suficiente para garantir as condições para governar o Brasil, também não será um golpe indecente que vai conferir a eles a legitimidade para liderar o país.
Se a luta não pára quando se vence uma eleição, por que pararia depois de um golpe?
Coragem! Estejamos unidos nesse momento. A luta está apenas começando.

quinta-feira, 14 de abril de 2016

A Festa Oficial do Golpe



Brasileiros,
Nós que defendemos o impeachment da presidanta Dilma (VTNC), tivemos a honra de receber o 36° pedido de interrupção do mandato das mãos deste grande expoente da classe artística brasileira, o grande ator Alexandre Frota!!
[Pausa para os aplausos]
Ele que emocionou o Brasil por suas atuações em "Fazendo Sacanagem", "Anal Total 10", "Bad Boy", entre outros tantos títulos.
Temos também a honra de ter o apoio da atriz Suzana Vieira que nos acompanha há muitos anos (só não podemos dizer quanto), Luana Piovani, essa gracinha de pessoa e de Maitê Proença, que não pôde estar aqui conosco porque foi retirar sua pensão vitalícia, antes de subir ao nosso palanque para fazer um brilhante discurso contra os vagabundos que recebem o Bolsa Família. Regina Duarte não veio porque estava com medo.
Além da mais fina flor da teledramaturgia brasileira, recebemos também esse humorista engraçadíssimo Danilo Gentile.
[Gargalhadas da multidão]
Além de Otávio Mesquita, campeão de audiência no horário nobre, minha gente.
Por falar em artistas, queremos chamar ao palco dois artistas que encantam a juventude brasileira e arrastam multidões. Com vocês Lobão e Paulo Ricardo!
[Platéia grita eufórica "hey ho Let's Go].
Mas nem só de artistas vive nosso movimento. Temos também representantes da intelectualidade. Esta aqui a jurista Janaina Paschoal que já está com a língua de fora e vai cantar agora uma música do Sepultura. Rodrigo Constantino viria, mas a crise pegou ele que está desempregado e sem dinheiro para viajar até Brasília.
Temos entre nós autoridades eclesiásticas. Peço à platéia que receba com muito louvor e muito dinheiro o Pastor Silas Malafaia!
[ALELUIA]
Esse homem de Deus, caridoso, desapegado dos valores materiais, que segue os caminhos de Jesus e não atira a primeira pedra, não julga para não ser julgado, respeita todos os seres humanos e tem sempre um discurso de amor ao próximo e carinho para com as diferenças humanas.
Acaba de chegar outro pastor: Marcus Feliz Si Ânus!
[It's raining men, Aleluia].
Feliz Si Ânus veste um terno bem cortado, usa seu novo corte de cabelo chamado "me pega rapaz", colocou silicone nas nádegas, plástica no nariz, botox e vai agora fazer um discurso inflamado contra a viadagem atual.
Senhoras e senhores! Vamos chamar agora as autoridades do novo governo do Brasil.
Com vocês esse grande democrata e defensor das liberdades e dos direitos humanos. O chefe do Estado maior dos nacionalistas que querem entregar o Brasil para os EUA:
Jaiiiiiiiir Bolso Mito
[Eeeeeeeeeeeee ouve-se tiros]
Chamamos também um homem honesto. Defensor da luta dos trabalhadores do Brasil. O sindicalista preferido dos patrões:
Paulinho da Farsa, quer dizer, da Força!
Chamamos esse político carismático que todo mundo adora, principalmente a Folha e o Itaú:
José Serra! Chega aí, Zé. Seu queridão.
Chamamos também o nosso malvado favorito. O homem que tem licença para roubar, manipular, chantagear, porque o povo que luta contra a corrupção apoia.
Com vocês, Eduardo Cunha!
[Gritos histéricos do povo com a camisa da seleção].
Estou quase terminando. Com vocês um homem de família, que faz tudo pelos seus, um homem de energia hidrelétrica, ligadaço. Um homem que voa de helicópteros, um homem que voa de avião porque tem até aeroporto particular pago pelo povo, um homem do Leblon, a capital das Minas Gerais. Um homem que esta sempre com a galera na balada e nem pede carona. Para o delírio geral, com um brilho no olhar:
Aeeeeeeeeeeecio Neeeeeeeeves
[Musica de balada putzputzputz]
E pra terminar. O futuro presidente do Brasil. Um político que sempre foi muito bem votado. Campeão das urnas. Reconhecido pelo povo. Um político leal. Fiel. Que faz politica com princípios. Um homem sem ambição no coração.
Ele que também vai ser leal e fiel à você, povo brasileiro. Pode acreditar.
O nosso líder. Chefe máximo da nação. O cara de defunto:
Michel Temer!!
[Tema da Vitória da Globo tocando e a multidão se abraçando e chorando de emoção]
Vencemos companheirada! Nossa luta valeu à pena! O Brasil venceu a corrupção!

quinta-feira, 7 de abril de 2016

O movimento inflável pelo golpe e a consciência crítica da sociedade brasileira






Não é por acaso que os dois totens que provocam catarse coletiva nas manifestações pela interrupção do mandato democrático da presidenta Dilma são dois objetos infláveis.

O primeiro totem ficou conhecido como “Pixuleco”. Trata-se de uma caricatura do Presidente Lula, retratado como presidiário. Tem sido cultuado com paixão enlouquecida, sendo inclusive reproduzido em miniaturas e vendido nos semáforos das grandes cidades.

Outro símbolo, igualmente inflável, é o Pato Amarelo. Este é fruto de uma campanha publicitária da FIESP. A Federação que deveria defender os interesses dos industriais brasileiros, por conta de mais uma das aberrações e particularidades sociais e políticas brasileiras, reproduz com paixão a cartilha e o projeto do neoliberalismo econômico, justamente o estopim da desindustrialização do Brasil e propulsora do “livre mercado” que condena e implode qualquer proteção do Estado à indústria nacional e escancara a economia às quinquilharias importadas que tornam as indústrias brasileiras cada vez menos competitivas. Isso sem falar na desidratação do mercado interno, a perda do poder de compra do trabalhador e até mesmo os direitos trabalhistas que, pasmem, ainda que odiados pelo “moderno” empresariado brasileiro, é justamente o que oferece condições para que as indústrias que ainda resistem, aos trancos e barrancos, continuem existindo. Ou seja, sem mercado interno, os senhores da Casa-grande pretendem vender pra quem? Um Estado que privilegia o mercado financeiro e a farra especulativa em detrimento dos setores produtivos, como pode ser positivo para a indústria brasileira?





O Pixuleco incorpora o ódio pessoal ao ex-presidente Lula manifestado por parte da sociedade brasileira, mas também é um símbolo do incômodo e resistência à insubordinação e subversão de classe social. Houve um investimento na produção do Pixuleco. As pessoas seguem o Pixuleco. Há uma organização para a proteção do Pixuleco. Sem dúvidas, trata-se de um símbolo importante. Na mentalidade da Casa-grande, incorporada e levada à diante pelo empresário industrial brasileiro, o sindicalista (ou quem quer que reclame seus direitos de empregado) é antes de tudo um ingrato. Alguém que não aceita de bom grado a mão amiga do chefe patriarcal. Alguém que faz a cabeça dos outros funcionários. Degenera. Subverte.

Um subordinado virar chefe, líder e, ainda por cima, bem sucedido é subverter e corromper as hierarquias estabelecidas. Neste sentido, Lula é sim um corrupto e corruptor. Compreensivelmente odiado. Claro que este sentimento não se restringe ao empresariado industrial brasileiro.

Qual a ferramenta que torna possível um “analfabeto” como Lula se converter em um líder mundial. Ora, a política, é claro. Não é apenas Lula o odiado pelo corporativismo privado. É a classe política como um todo. Isso não ocorre apenas no Brasil.

Existe um imenso contingente de homens e mulheres que perseguem a realização, o empreendimento e o protagonismo no mercado de trabalho, dispondo de abnegação e devoção religiosa em busca das melhores posições, nas melhores empresas globais. Cada um como pode. Alguns com seus negócios próprios, pequenos ou grandes. Outros logrando cargos e funções de destaque nas grandes corporações. Talvez, em outros tempos históricos, encontrassem essa realização nos empreendimentos coletivos. Nos exércitos e nas guerras, provavelmente. Na própria política, talvez. Nas artes.

Mas a ideologia burguesa dos nossos tempos oferece como cenário das grandes realizações individuais, não as glórias públicas, mas o bem-estar material, a satisfação íntima e o sucesso no mundo dos negócios.

Ora, o indivíduo passa a vida inteira perseguindo essa glória no mundo corporativo privado. Investe tempo. Se prepara. Se esforça. Faz coisas que não concorda. Suporta humilhações. Porém, em dado momento, ele se dá conta que jamais terá reconhecimento coletivo pela glória que ele acredita ter alcançado. Pior, muito provavelmente não haverá glória sequer na própria corporação. Talvez passe a vida inteira com a faca e a forca no pescoço, ou mesmo será descartado no meio do caminho, quando atingir determinada idade. Alguns pouquíssimos conseguem algum reconhecimento em seu segmento.

Ainda que o sujeito acumule dinheiro, ainda que receba promoções, ainda que alavanque o próprio negócio, dificilmente seu sucesso deixará de ser silencioso e invisível. Alguns se consideram o tal “self made man” e passam a promover uma espécie de “auto marketing”, mas o fato é que, ao final, terão apenas lá em casa alguns amigos e camaradinhas que respeitam. Pois é…

O protagonismo jamais chegará. O desejo tão humano por reconhecimento será frustrado. Não é difícil entender o desprezo e raiva do mundo corporativo privado pela classe política. O político exerce o poder. Ainda é detentor do protagonismo histórico. O político manda. Não é difícil também entender o porquê dos aplausos enlouquecidos e calorosos que recebeu o ex-presidente Fernando Henrique quando declarou em palestra aos colaboradores de uma seguradora internacional que um “analfabeto” não pode ser Presidente do Brasil. Ele sabia com quem estava falando.



Já o Pato inflável representa o incômodo com os direitos e deveres públicos. A abolição da escravidão foi um pato. A legislação trabalhista é um pato. Os direitos humanos são um pato. Os impostos são um pato. Os programas sociais são um pato. As merendas são um pato. A legislação de trânsito é um pato. As normas são um pato. Ora, dirão, ninguém é contra nada disso, só não querem ter de “pagar o pato”. Ocorre que nesta coletividade somos todos sócios. Por isso se chama sociedade. Todos precisam de todos. Ocorre que alguns acreditam que não precisam do Estado. Mas esquecem que precisam do poder público para proteger a propriedade privada, para cobrar as dívidas, para o asfalto onde transitam seus carros, para a justiça, etc. Isso quando não pedem diretamente subsídios, isenções e créditos do setor público, um pato para toda coletividade de brasileiros.

Comecei o texto dizendo que, não por acaso, os dois maiores símbolos do golpe são infláveis.

A verdade é que tudo isso é muito inflável. Os “movimentos” são infláveis. Aquele grande número de pessoas nas avenidas é inflável. A oposição é inflável. Os apoios políticos que o governo construiu e acreditava que possuía também foram infláveis e explodiram.

As coisas podem parecer grandes no tamanho, mas não tem substância. Com um simples alfinete na mão de uma criança tudo se desmancha.

Nas últimas semanas aumentou muito a consciência crítica da população com relação ao golpe. Foi de imensa importância a manifestação pública de grandes figuras da classe artística e intelectual. Foram importantes também as grandes manifestações que ocorreram em defesa da legalidade democrática. O menos importante era se tinham duzentas mil, cem mil ou quarenta mil pessoas. Foi incrível a participação de diferentes segmentos da sociedade, inclusive de pessoas e movimentos sociais críticos ao atual governo. Muitos universitários e professores. Marcante a participação de pessoas da terceira idade que viveram os horrores do golpe de 64 e da consequente ditadura militar.

As vozes interessadas na manutenção da democracia se levantaram. Foi fantástico ouvir quem falou contra o golpe, mas ajudou também ouvir quem falou em favor do golpe. A postura violenta, agressiva e intolerante de muitos quadros do impeachment favoreceu a unificação e mobilização dos setores progressistas.

Quando se eleva a consciência crítica da sociedade, há um avanço que possibilita grandes saltos qualitativos a uma nação.

Alguns discursos raivosos e conservadores, destarte, fazem mais barulho e emergem com mais facilidade, pois dependem menos de coerência. Mobilizam corações amargurados. São de fácil reprodução, porém são infláveis.

Seria muito positivo se o atual governo desse o mesmo salto qualitativo ocorrido com essa massa de brasileiros que está saindo às ruas para defender a legitimidade deste mandato. Aliás, durante a eleição, os progressistas já haviam dado esse salto, porém não parece ter sido o suficiente para comover e encorajar este governo. Tomara que esta seja uma nova oportunidade.

A consciência crítica da população não depende deste governo. Não há protesto em defesa dessa gestão, mas em defesa da democracia e contra os retrocessos sociais. Não é possível ainda saber com certeza, pode até não ter golpe. Mas, ou esse governo acorda ou a gente segue à diante.

Se o governo quiser continuar deixando a jugular exposta, justamente à serviço de quem quer colocar sua cabeça na guilhotina, que o faça sozinho. Nós não morreremos juntos. Convidamos esse governo que já foi muito mais progressista a seguir conosco. Acontece que nosso salto é para sempre. Não queremos retrocesso. Queremos democracia de verdade. Com justiça social, distribuição de renda, reforma agrária, educação para o nosso povo, cultura política, saúde, desenvolvimento e com a independência do Brasil.

quinta-feira, 31 de março de 2016

Não quero ir de encontro ao azar



O Brasil entrou no ano de 1985 cheio de esperanças por um futuro melhor.
Enfim, terminava a Ditadura Militar. Teríamos um governo que seria o fruto genuíno das lutas pela redemocratização do Brasil.
Daí o Tancredo Neves passou mal. Teve uma diverticulite e pimba! MÓ-RREU.
Assumiu o Sarney que já era da base civil de apoio à ditadura, coroné, oligarquia local e tudo mais.
Como em tantos outros momentos em sua história, o Brasil mudava justamente pra continuar sendo a mesma coisa.
Vez por outra, o Brasil ensaia tentar algo diferente. Nada muito brusco. Bem de boas. Mas logo emerge o que passou a ser conhecido como a "síndrome de habib's". Prevalece o sentimento do "eu quero meu país de volta".
Ou seja, de volta os velhos privilégios, o velho protagonismo, a velha organização social, as velhas hierarquias.
Não querem pagar o pato.
O pato da justiça social, o pato da distribuição de renda, o pato dos programas sociais, o pato dos serviços públicos, o pato dos direitos trabalhistas.
E então, aquele suspiro de mudança termina com uma família real tendo que fugir depois de abolir a escravidão (e surgir o primeiro pato), um suicídio na Guanabara, uma renunciazinha para inaugurar Brasília, um parlamentarismozinho, um golpezinho militar, um ex-presidente que bate o carro na Via Dutra, outro que erra o remédio para o coração, uma pequena diverticulite que dá uma dor de barriga desgraçada. Nem o "caçador de marajás" que tentou governar sozinho foi perdoado. Caiu também.
Passado o luto pela morte do Tancredo Neves, os brasileiros ligaram o rádio e cairam numa gargalhada ainda meio silenciosa.
O sempre genial Raul Seixas, com sua simplicidade (que o tornava mais genial ainda), não precisou de muita poesia pra dar voz e ritmo a uma espécie de intuição coletiva que rolava na casa dos brasileiros que, malandramente, sem saber no que ia dar aquela abertura democrática, cantavam aquela nova canção sem fazer muito alarde. Apenas um olhando nos olhos do outro com um sorriso malicioso nos lábios.
A canção já de cara começava com os seguintes versos:
"Mamãe não quero ser prefeito,
Pode ser que eu seja eleito
E alguém pode querer me assassinar.
Eu não preciso ler jornais, mentir sozinho eu sou capaz, não quero ir de encontro ao azar".
Puta que pariu. Era uma bomba!
Claro que ninguém teria condições de especular muito sobre a morte do Tancredo que aparentemente foi natural. Ficará para sempre entre as inúmeras teorias de conspiração.
O problema é que no Brasil conspiração é coisa que não falta.
Mas fica a dica. Dependendo de quem você traz para bem perto de você, isso pode dar um azar filho da puta.
Ou como disse o Raul, é "ir de encontro ao azar"...

quinta-feira, 17 de março de 2016

Aquele que você lincha hoje, irá lutar por sua liberdade no futuro



Hoje, você celebra a proximidade do golpe que aparentemente se avizinha.

A camisa amarela do sete a um, permanece sendo humilhada.

Hoje, as catracas são liberadas, as avenidas interditadas, os aplausos são solidários, as panelas batem em melodia atormentadora. As varandas dos prédios piscam felizes para você.

A patrulha de choque, reverentemente, lhe presta continência.

Você é o grande herói do Brasil de mãos limpas, rosto branco, olhos fechados, coração ressentido e consciência pesada.

A grande mídia transmite e convoca seu protesto em horário nobre. Todos querem filmar você e sua família de comercial de margarina.

Luzes, câmeras, ação! Todos são protagonistas deste reality show, transmitido em tempo real.

Mas, tal qual esses programas de tevê de sub celebridades instantâneas, a fama dura pouco. A escuridão e o anonimato logo se aproximam.

Depois de derrubar este governo do PT que você tanto odeia, os flashes serão apagados, as bilheterias serão cobradas, as avenidas desinterditadas, os telejornais estarão mais sorridentes, a margarina estará rançosa. E agora, José?

Os grandes acordos serão selados na calada da noite. Você não será mais tão necessário assim. Não serás mais convidado para essa festa pobre que os homens armaram pra te convencer.

O Brasil precisará de um conclamado "pacto pela governabilidade". Todos estarão unidos para reverter a "herança maldita" e, enfim, entregar-nos à modernidade onde alguns decidem, poucos lucram e muitos apanham.

Sim, eu acredito, você ainda irá tentar tirar os outros corruptos do poder. Aquela classe política que você tanto odeia. “Bora derrubar todos os outros”.

Mas logo descobrirá que eles são meros instrumentos de um sistema que trabalha para si mesmo. Perceberá que o buraco é muito mais em cima.

Mas agora, seu protesto já não será mais necessário.

Você foi descontinuado dessa festa.

Colocarás dez mil na Paulista, quinze mil em Copacabana, mas não serás noticiado, apenas com uma nota de rodapé.

O Estado Democrático de Direito, que você pouco se importou em ver usurpado, poderá voltar contra você.

Permaneça em casa e ligue o televisor. Seja um cidadão de bem.

Caso contrário, a Patrulha de Choque, com a qual você tirou um self, não mais lhe prestará continência. Vais levar um cassetete democrático no meio da testa. Um cassetete altamente pedagógico, pra você aprender.

Não sei se sentirás dor. Não sei se ficarás indignado. Talvez voltes pra casa feliz e satisfeito, com a certeza que estarás em um país mais seguro e severo, que não dá mole para vagabundo e onde as velhas hierarquias voltaram a ser respeitadas.

Talvez conforme-se com os governantes que aqui se sucedem por séculos e séculos entregando nossas riquezas e escravizando nosso povo.

Talvez se transforme. Talvez aprenda muitas coisas, talvez não.

O certo é que eu poderia sentar no meio fio e cair na gargalhada ao ver você apanhar por protestar contra “todos os outros”. Eu poderia dizer que você não tem nenhum direito de reclamar, já que perdeu todos seus direitos e até achou bacana quando as violências jurídicas atendiam aos seus desejos imediatos.

Mas, não! Estaremos onde sempre estivemos. Lutando pela liberdade, lutando pela democracia, lutando contra as injustiças, lutando pelo direito de você voltar as ruas quando quiser e protestar contra um governo eleito democraticamente por meio do voto direto. Governo esse que não te massacra por você pensar diferente.

Talvez isso aconteça, talvez não. Talvez esses caras “vermelhos” que vocês odeiam estejam em cana, julgados por alguma lei de segurança nacional contra o terrorismo.

Na dúvida, só te recomendo o seguinte. Pare de linchar quem pensa diferente de você ou usa uma camiseta com a cor diferente da sua.


O moleque que você lincha hoje, será aquele que vai lutar pela sua liberdade no futuro.

quinta-feira, 10 de março de 2016

ESTAMOS TODOS NUMA GRANDE RODA DE LINCHAMENTO




Estamos numa grande roda de linchamento. Não há muito tempo para se pensar. Não há espaço para quem é razoável. Falas coerentes e raciocínios lógicos não são bem-vindos. Todos gritam muito alto. Muita gente querendo sangue.
O clima está todo formado. Muitos machões se aproximaram. Todos demonstram ser corajosos. Todos muito seguros das próprias virtudes.
O ódio transbordando das ventas. Sangue nos olhos. Sangue na garganta. Alguém tenta pedir calma. Propõe que se acredite na justiça, que seja ouvida a versão daquele réu amarrado num tronco. Mas, o sensato da vez leva um tapa na cabeça. É chamado de covarde. Acusado de estar do mesmo lado do condenado.
Alguém pega gasolina. Joga em cima do acusado no meio da praça pública. O tempo urge. Agora não vai demorar muito tempo. Aqueles que acompanham com um pouco mais de distância percebem que vai dar merda. Tudo acontece muito rápido. Ninguém pode conter os acontecimentos.
É um tribunal de exceção. A massa começa a gritar. Tem pressa. Tem gosto na execução. Começam os chutes. Pauladas na cabeça. Um dos machões chega perto do acusado e dá um pontapé no estômago do desgraçado e vários socos no seu rosto. Começa a festa. Uma festa insana. As pessoas gritam freneticamente. Parecem histéricas. Tomadas por um sadismo incontrolável. A euforia é devastadora. As pessoas ficam satisfeitas em conhecer esse lado cruel que até àquele exato minuto permanecera oculto. Alguém chega com uma espada. A disputa é grande. Todos querem perfurar a vítima. Nem que seja uma pontada apenas.
A polícia acompanha de longe. Não irá interferir na vontade popular. Os antigos amigos da vítima também ficam distantes. Sentem medo de uma condenação igual. Negam o linchado. Dizem que não o conhecem.
Cada um que perfura a vítima sai do círculo com uma sensação de alívio. De absolvição, na verdade. Quem desfere um golpe, sente-se imediatamente pertencente ao grupo dos bons. Ele está com a maioria. O problema não é mais com ele. Ufa. A absolvição vem do entendimento que ao punir o desgraçado, filia-se automaticamente ao lado do bem. Por que afinal estaríamos infelizes? De onde emanaria a natureza de todos os males? Por que eu não sou reconhecido? Por que não há lugar para os meus méritos. Eu também tenho mérito. Por que minhas virtudes não são bem vistas? Que sociedade é essa que não dá valor a quem realmente tem? Por que premiam vagabundos como este? Alguém tem que ser culpado. Estou do lado dos bons. Me dá logo esse fósforo. Quero acender o fogo. Me dá aqui esse pedaço de pau. Toma!
Mas o amanhã chegou. O dia clareou com um sol estridente. O sol não se incomodou em romper com força a escuridão da madrugada. Veio com tudo. Todos tem de encarar o que fizeram. Olhar na cara uns dos outros. Cria-se um pacto intuitivo entre as partes. Não mais se fala no assunto. É como se não tivesse acontecido. Estavam todos em catarse. Mas aconteceu. São todos cúmplices agora.
Na praça onde ocorreu o linchamento ainda há muito sangue. Os transeuntes passam por lá, mas fingem que nada podem ver. Mas o tronco onde o desgraçado foi amarrado continua ali. Houve sim o linchamento. Existiu. Abriu-se um precedente terrível. Abriram a porta do inferno!
Alguém tem uma ideia! Para que o ocorrido deixe de ser crime, é preciso que ele vire lei. É preciso estar prevista aquela condenação. Sem mais ritos. Sem instâncias. Sem mais processos.
Logo alguém transforma o tronco do linchamento num monumento pela justiça e pela paz.
Mas, ora, é preciso dar utilidade àquele tronco. É preciso provar que o que se fez foi muito justo. Foi nobre. Foi digno. Ensinar as próximas gerações. Se justificar com elas.
A cada semana, novos linchamentos acontecem. Eles não podem mais parar. Toda sexta-feira é a mesma coisa, alguém sendo linchado no meio da rua.
Alguns parecem estar exaustos. Não querem mais conviver com aquilo. O que passou passou. Foi só um momento. Não precisa mais existir.
Mas não é assim. Não se pode mais interromper o curso das coisas. Existe uma disputa muito grande pelo controle daqueles tribunais improvisados de linchamento. Eles agora serão oficiais.
Muitas vozes cobram coerência. É preciso linchar mais gente, para ser justo com quem foi linchado antes.
As disputas agora são grandes. Estão todos contra todos. Os linchamentos não podem mais parar. Qualquer um pode ser o próximo!

sexta-feira, 4 de março de 2016

Carta ao Presidente Lula.




Presidente Lula.

Hoje não falo como sociólogo nem como um observador político. Ainda que eu possa falar como tal, já que mesmo depois dos 30 anos de idade consegui cursar uma universidade e conquistar um diploma. 
Tive a chance que meus pais não tiveram na vida, pois viviam num país "mui honesto" sem corrupção e que não incentivava vagabundo a ganhar o peixe.
Sendo assim, pra não morrer de fome, tal qual o senhor, eles também não tiveram a chance de pisar numa faculdade. Ah, entraram a primeira vez na minha colação de grau.
Ambos, muito inteligentes e esforçados, me passaram o gosto pelo conhecimento e me fizeram quem eu sou.
Por isso, como disse, quero falar apenas como homem feito, não como profissional.
Obrigado por ter sido Presidente do Brasil. Certamente, o senhor honrou a importância do seu cargo. Não foi um traidor da sua classe. Não traiu o Brasil. Fez com que esse país mudasse de patamar e fosse respeitado, sem jamais se curvar diante das injustiças do mundo.
Querem destruir o senhor, evidentemente, pelo o que o senhor fez de melhor. Por sua independência.
Como disse o Presidente Getúlio em sua carta antes do suicídio "Não querem que o trabalhador seja livre".
Esse país tão lindo, quando acredita em si mesmo é insuperável e pode vencer, não inimigos de guerra, mas as mais terríveis dificuldades e injustiças que essa elite perversa quer perpetuar sobre o nosso povo.
Presidente, é por isso que precisam te destruir. Para que não haja mais nenhum outro líder com capacidade de mobilizar a sociedade brasileira em busca de seus sonhos. Para que os escravos continuem sendo escravos. Para que o povo não acredite em seu potencial. Para que nenhum menino, como eu fui, e tantos outros, jamais sonhe e jamais ouse querer ser presidente do país.
Querem roubar nossas riquezas. Querem destruir nossa natureza. Querem nosso subsolo e, principalmente, querem roubar todos os nossos direitos e nos fazer escravos dos velhos senhores de sempre.
Eles tem raiva de ver por aí, todos aqueles que passaram a acreditar em si mesmos e a vencer.
A base do domínio dessa elite é conservar os privilégios na mão de muito poucos.
Não é à toa que falam do tal triplex ou do tal sítio. É sintomático.
Olhe esse recado para o Brasil dado pela elite. O privilegio é de poucos. É tudo deles.
Provocam a ira das almas pequenas e espíritos mesquinhos, que aceitam de bom grado a humilhação vinda dos velhos senhores, mas não suportam quem veio debaixo alcançar o sucesso. Isso faz com que se sintam agredidos e fracassados.
Presidente, muito obrigado.
Depois do seu governo superei as imensas dificuldades.    
Pude estudar. Me formar. Me pós graduar. Estudar fora do país. Educar a minha filha. Colocá-la na faculdade (nossa segunda geração de universitários). Minha irmã também se formou. Tem um bom emprego. Meus pais vivem com dignidade e são felizes. Meus sobrinhos estão muito bem. Nossa vida melhorou.
Na era FHC éramos todos informais. Não tínhamos emprego. Nem sonhar direito eu sonhava. Quem fala de crise hoje não sabe o que era aquilo. Um país de joelhos, deprimido e sem esperanças.
Sei que eu tenho meus méritos no sucesso que alcancei.
Mas sei perceber que o país que vivo hoje é muito diferente. Com muitas injustiças. Com erros repetidos. Sim, presidente, o senhor errou por vezes. Achou que esses bacanas podiam ser seus amigos. Negociou demais com esses trastes. Não tirou o doce da boca dos banqueiros. Em algum momento achou que iriam te reconhecer e te perdoar pela grande obra que cumpriste. Mas, acertou mais do que errou. O saldo é muito positivo.
Queria mesmo é fazer a minha homenagem diante desse mar de hipocrisia geral que inunda o Brasil.
Diante desse Golpe de Estado disfarçado. Desse regime de exceção. Da violência jurídica. Desse Estado policial. Desse bando de demagogos, achacadores, rapineiros que agora dizem "combater a corrupção. Tudo ladrão!
A gente tem que ter coragem de dizer aquilo que pensa.
Eu quero te dar um abraço. Sinta-se abraçado, senhor presidente.
Quando tudo isso passar, me convide pra tomar uma naquele seu barco de lata.
A história se encarregará de colocar cada coisa no seu lugar.
Se tem uma coisa que o povo pobre conhece de perto é a injustiça. Sabe que a justiça é cega para alguns, míope para outros e tem olhos de águia para poucos.
Este povo saberá interpretar os fatos com sua consciência sábia e livre.
O senhor tem seu lugar na história garantido. No coração da nossa gente. Sua liderança será sempre uma referência para muitas gerações.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Ou Dilma Veta ou Já Era! Simples assim!



Não que isso importe para alguém. Tenho consciência da minha insignificância.
Porém, gostaria de dizer que estou MUITO próximo de interromper qualquer tipo de apoio ao governo Dilma.
Decepcionado com o governo que ela construiu e também com a presidenta pessoalmente.
Dei a cara para bater. E bateram muito.
Apoiar um candidato não é fácil.
Acreditei em outra proposta de governo.
Votei naquela foto da guerrilheira e recebi a presidenta que faz acordo com o Serra para entregar o nosso subsolo.
Vou esperar os próximos acontecimentos e ainda tenho esperança do VETO dela à entrega do Pré Sal.
Caso não ocorra esse veto, entendo que o governo dela acabou. Não apenas para mim, mas para qualquer progressista que tenha amor pelo Brasil.
Fomos suficientemente pragmáticos para apoiar Dilma sabendo de todos os problemas. Acreditávamos que era importante evidenciar que não significaria a mesma coisa a vitória dela ou de Aécio.
Foi imposta uma derrota histórica à direita. Eles que usaram todas as armas, as mais sujas.
Dilma venceu com a força do povo. Era o momento de ter coragem e trazer esse povo para dentro de seu governo, mas não foi isso que ocorreu.
Agora, não há mais pragmatismo que resista. Simplesmente, porque ao entregar nosso petróleo de mão beijada, não vejo mais diferença entre um projeto e outro.
Também não faz sentido viver com medo apoiando o ruim com medo do mais ruim.
Não tenho partido algum. Infelizmente.
Mas entendo que mesmo aqueles que tem partido, devem ser leais principalmente à construção de um país mais justo.
Sou leal ao Brasil.
Não posso conviver com um governo entreguista e traidor da pátria sem combatê-lo.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

CHORANDO NA RUA




Na sala de aula do curso de inglês a professora dava lição e treinava seus alunos adultos para utilizarem o “Simple Past”.
O exercício consistia em responder tudo em inglês, forçando o cérebro do aluno a elaborar sentenças sobre seu passado, seja ele distante ou recente. Era uma turma pequena com seis ou sete alunos e alunas.
A mim foi perguntado sobre o que eu fiz no mês passado. Dei o meu jeito e respondi com muita dificuldade que havia participado de um seminário, passado um final de semana no litoral e saído bastante com os amigos pelos bares da cidade. Tudo isso em inglês. No meu caso, um inglês torturado.
A regra foi a mesma para os outros alunos. Todo mundo com respostas meio óbvias, procurando sempre os verbos mais fáceis de serem utilizados. Uns falavam sobre os jantares outros sobre as viagens, os passeios mais singelos e por aí foi.
Em determinado momento, a “pergunta/exercício” foi dirigida para a aluna que estava sentada à minha esquerda. De uma maneira estranha, ela sempre me chamou atenção. Era uma mulher bonita, porém com aparência tristonha. Vestia sempre roupas igualmente tristes e discretas. Seus olhos não diziam nada. Os olhos pareciam cumprir apenas uma tarefa funcional. Serviam apenas para ver, nada mais. Eram olhos passivos. Não expressavam nada. Na verdade, tudo naquela mulher aparentava ser funcional, quando não paralisado. O corte de cabelo, a postura, o caminhar, a maneira como cumprimentava as pessoas.
A professora perguntou:
- O que você fez na semana passada?
A aluna respondeu, a princípio concentrando-se para “acertar” os verbos:
- Levei meus filhos à escola. Busquei meus filhos na escola. Levei-os à natação. Fiz compra no supermercado e … acho que só.
A professora continua:
- O que você fez ontem?
- Levei meus filhos à escola. Busquei meus filhos na escola. Levei-os à natação e ao judô. Respondeu a aluna.
A professora não ficou satisfeita. Parecia ter ligado um botão e iniciou a operar na “função sacana”.
- Mas você não fez mais nada? Perguntou a teacher.
- Fiz jantar para meu marido que chegou tarde do trabalho. E… só. Disse a moça agora com voz embargada e trêmula.
A professora ligou a função “sacana pra caralho”.
- Você não saiu para um restaurante, um cinema, ou uma caminhada no quarteirão de casa. Não fez nada por você?
- BUÁÁÁÁÁAÁ! A aluna começou a chorar compulsivamente. Era um choro grave. Ela soltava tudo de uma vez. Fungava o nariz, limpava o que escapava na manga da camisa. Era um choro que saia de dentro do peito.
A moça tentou se controlar. Eu não sabia como me comportar. Lembro-me sempre dessa situação. O que se deve fazer com um ser humano que começa a chorar, aparentando muita tristeza, a menos de um metro de você?
Não sabia se esboçava algum afago. Se tocava a mão levemente em suas costas com algum gesto de carinho fraterno. Achei melhor não. Em geral sou carinhoso com meus amigos, inclusive com os homens. Mas naquele caso pareceria assédio. Pensei inclusive em convidar ela para almoçar no restaurante árabe ao lado da escola. Mas também decidi que não. Podia soar como sacanagem da minha parte também. Embora não fosse. Mas certamente pareceria. Pensei também que ela não aceitaria, dizendo que precisava buscar seus filhos na aula de esgrima ou coisa assim.
Eu nunca me esqueço desse caso. Ele me faz pensar em como devemos nos comportar ao nos depararmos com uma pessoa chorando compulsivamente nos espaços públicos. O que seria melhor? Fingir indiferença? Estar efetivamente indiferente? Forçar-se ou acostumar-se a estar indiferente? Seria muito pior ser indiscreto e invasivo se intrometer na vida privada da pessoa?
Certa vez eu me vi chorando numa praia. Foi um período muito triste na minha vida. Não chorava por nenhuma decepção amorosa. No meu caso estava deprimido mesmo. Havia interrompido subitamente as pílulas antidepressivas, algo que dizem não ser recomendável pelos médicos. Tinha jogado todo o medicamento fora no vaso sanitário. Larguei tudo e fui ao Rio de Janeiro curtir uma praia. Em dado momento achei que aquilo podia funcionar melhor do que qualquer remédio farmacêutico. Cheguei ao Rio horas depois. O dia era lindo. Céu azul sem nenhuma nuvem no céu. Fui à Ipanema. Aluguei uma cadeira e um guarda-sol. Pedi uma cerveja. Estava lá na Cidade Maravilhosa, de frente para o Oceano Atlântico. Tudo muito bonito. As pessoas praticavam esporte. Pareciam felizes. Puta que pariu me bateu uma tristeza terrível. Era algo que doía fisicamente. Me deparei com coisas do passado. Enfrentei sem massagem todos os fantasmas. Tirei a sujeira do tapete. Parei de tentar me convencer que tudo estava bem. Não estava. Rejeitei a ideia de destino, que as coisas ruins na minha vida existiam porque eu tinha que passar por aquilo. Mentira! Efetivamente haviam pessoas muito mais felizes que eu. Melhores do que eu. Senti inveja da felicidade alheia. Passei a acreditar que eles sim foram muito protegidos. Eu não tinha sido protegido de nada. Deparei-me com minha desgraça. Aquela praia linda, com céu e mar azul, passou a ser cinza. Lembrei-me daquela música do Tom Jobim chamada “Inútil Paisagem”. Chorei muito. Soluçava. Fazia isso na frente dos outros. O choro saia como se fosse um vômito. Simplesmente, não podia controlar. As pessoas me olhavam de canto, depois desviavam o olhar. Era constrangedor.
Efetivamente, naquele momento, eu não queria que ninguém viesse me acalantar. Que ninguém viesse me perguntar o que se passava. Apenas tinha que passar por aquilo. E de fato tudo passou. Foi um período. Não quero pensar muito nisso agora. Já passou. Aprendi a construir o meu espaço e mandar ao caralho quem não me respeita. Eu me respeito. Hoje escrevo porque aprendi a dar importância para mim mesmo. Eu não me dava importância. Agora dou. Já passou. Ainda bem.
Mas a pergunta fica. Como agir quando vemos uma pessoa chorando no ônibus ou no metrô? Esses dias vi uma moça sentada na calçada chorando muito. É foda. Não sei como agir.
A professora interrompeu a aula por alguns instantes. A aluna conseguiu se recompor. A teacher não se deu por satisfeita. Escolheu outra pessoa para fazer a mesma pergunta. Era uma mulher com mais de cinquenta anos, sempre muito sorridente e festiva.
- O que você fez no seu final de semana?
- Eu fui a um restaurante francês com minhas amigas. Era um restaurante muito bom. Depois fui a uma discoteca, a The History, toca muito flash back, foram vários amigos. Ficamos lá até o dia amanhecer. Eu posso fazer isso porque sou divorciada. I’m Divorced.
- BUAAAAAAAAAA! - O choro veio com tudo no meu ouvido esquerdo
A moça abandonou o idioma inglês e começou a falar tudo em português:
- Eu vou me divorciar. Eu preciso me divorciar. Eu não tenho vida. Buaaaaaaa. Eu vou fazer isso.
Quando terminou a aula, a moça agarrou os livros, saiu correndo, pegou o carro na garagem e foi embora apressada.
Tempos depois encontrei a professora no ônibus, perto do Hospital das Clínicas. Perguntei se ela ainda dava aulas de inglês. Ela disse que não. Que dava aulas até terminar o estágio em psicanálise. Agora estava abrindo a própria clínica, então não daria mais aulas. Ah tá, eu respondi

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Lava Jato, Mostra a sua Cara!









Acerta quem percebe que a operação Lava Jato, com todo seu contorcionismo jurídico, atende a propósitos políticos, cumprindo tarefas preestabelecidas, que vão muito além do suposto espírito apaixonado de paladinos da moralidade pública, imbuídos do desejo de combater a corrupção no Brasil.

Erra quem presume que a “missão política oculta” da Lava Jato é apenas a de destituir o PT do poder e impedir a eleição de Lula em 2018.

Olhando com alguma atenção, perceberemos que é muito mais que isso.

No governo anterior ao de Lula, os grandes bancos controlavam o sistema político partidário e instituições governamentais quase que sem concorrência. Ou seja, tinham importância relativa muito maior nas doações de campanhas para eleições nacionais, estaduais e municipais do que ocorreu até a última eleição.

O período do Governo FHC, ficou notabilizado pela priorização da agenda da estabilidade econômica. Não foi um período de grandes obras. O setor de construção, em especial, viveu um período de grave retração. O corte dos investimentos para cumprimento das “metas inflacionárias”, superávit primário, ou mesmo com as condições estabelecidas pelo Fundo Monetário Internacional para os empréstimos que socorriam os ataques especulativos contra a economia brasileira, custou caro para o país.

Foi uma período marcado por um forte processo de desindustrialização, sobretudo nos grandes centros urbanos. Os investimentos em infraestrutura foram precarizados de maneira alarmante. O sintoma mais evidente e doloroso foi o alto índice de desemprego, porém, mais do que isso, a “Era FHC” foi marcada por forte desnacionalização da economia brasileira e a agenda neoliberal interrompeu (ou deu novo curso) à estratégia nacional de desenvolvimento do Brasil, iniciada principalmente durante o governo do Presidente Getúlio Vargas.

Até mesmo a Ditadura Militar brasileira (1964-1985), foi notabilizada por governos quase sempre desenvolvimentistas. Algo diferente do ocorrido nas ditaduras argentinas e chilenas, por exemplo.

O primeiro Governo Lula foi marcado pelo esforço político inicial de se confirmar que o Brasil não seria uma filial local do chavismo. Nos últimos dias da campanha presidencial de 2002, a atriz Regina Duarte (uma das mais famosas do Brasil), apareceu na campanha do candidato José Serra dizendo que sentia medo de que o Brasil “virasse uma Venezuela”.

Nos meses anteriores à chegada de Lula os mercados ficaram inquietos. O dólar subiu. Temia-se a fuga em massa de capitais.

A escolha pelo rompimento com o “tripé econômico” de estabilização da moeda durante o Plano Real se mostrava arriscada e talvez impraticável. O Governo Lula já nascia sob desconfiança. Desde sempre dizia-se pelos cantos que Lula não teria condições de ficar no governo por mais de um ano. Que sua “instrução” seria insuficiente para permitir que ele governasse o Brasil. Que os setores mais conservadores da economia e da sociedade não aceitariam Lula no comando.

Diante da impossibilidade (ou dificuldade) política de estabelecer mudanças drásticas e estruturais nos pilares que fundamentaram o neoliberalismo brasileiro (com todas as suas particularidades), o Governo Lula se dedicou a construir uma trégua com as elites econômicas, sobretudo com os grandes bancos e sistema financeiro, além de mobilizar sua coalizão de “base de apoio político”, enquanto estruturava os principais programas sociais que vieram posteriormente a se consolidarem como marcas do lulismo.

Os programas sociais tinham dois objetivos principais. O primeiro era atenuar os efeitos da miséria histórica do Brasil, resgatando milhões de brasileiros da fome e da indigência. O segundo era, a partir da inclusão social e dos subsídios governamentais reativar a economia, gerando uma pressão positiva, aumentando a classe média e consequentemente o mercado interno consumidor.

Também, sem fazer as modificações estruturais, absolutamente necessárias (e que custam caro até hoje), o governo optou, por meio do crédito, fomentar o mercado e aquecer a economia. Os maiores beneficiados foram os setores industriais de bens duráveis, agrícola e de pecuária, de construção, serviços, entre outros. Além de, obviamente, o aumento de poder econômico das classes médias.

No segundo Governo Lula a economia melhorou. O desemprego chegou aos índices mais baixos da história. Ao raiar da “Crise de 2008”, o Brasil optou por seguir em “marcha forçada”. Prolongar os ganhos econômicos e sociais, ainda que o receituário neoliberal recomendasse o corte drástico nos investimentos do Estado.

Agora, mais de meia década depois, sente-se o efeito da escolha política diante da crise. Mas quem disse que essa escolha foi errada? Quem garante que o Brasil estaria melhor com a retração da economia iniciada meia década antes? Quantos brasileiros, nesse meio tempo, puderam formar seus filhos ou comprar a casa própria?

O resultado político da escolha de Lula foi a adesão dos amplos setores do desenvolvimentismo brasileiro. Foi, sem dúvidas, um grande momento.

Lula forjou essa adesão. O BNDES trabalhou decisivamente para a consolidação dos “Campeões Nacionais” e depois dos “Campeões Mundiais”. Empresas brasileiras de diferentes setores, sejam elas da construção, agropecuária ou siderurgia. Mais do que isso, a estratégia da política externa brasileira caminhava de mãos dadas com o grande setor empresarial. Seja na “Cooperação Sul Sul”, na política brasileira para o Oriente Médio ou na formação dos BRICS, as multinacionais brasileiras tornaram-se parceiras estratégicas durante o Governo Lula.

Isso não ocorreu sem críticas, denúncias e ilações que desencadearam de alguma maneira em muitas das investigações da Lava Jato.

Em primeiro lugar é preciso dizer que, para além do discurso político sazonal, é preciso encarar o fato de que é assim mesmo que funcionam os Estados.

Alguém imagina que isso seja diferente com os Estados mais desenvolvidos do mundo? Ao contrário, isso é muito mais agudo. Quem não se lembra quando o Brasil estava prestes a comprar os aviões caças de alta tecnologia para a FAB? O governo teria escolhido o Dassaut Rafale da França, quando Hillary Clinton, então Secretária de Estado, pegou o avião e veio até Brasília, nos idos de 2010, pressionar para a compra dos caças da empresa estadunidense Boeing. Esse é apenas um exemplo entre tantos outros. As embaixadas dos países desenvolvidos funcionam menos para as atividades políticas internacionais clássicas e mais como verdadeiros escritórios de representação das grandes empresas nacionais.

Se desejamos construir Estados mais interessados em promover o bem comum e o bem-estar social, que nos empenhemos ao máximo nessa tarefa. Com todas as nossas energias. Porém, como o velho Marx já dizia, “o Estado é o comitê central da burguesia”.

Pois é, continua sendo. A questão pragmática e, quem sabe, irrelevante é: de qual burguesia?

Errada ou não (o tempo dirá), a escolha de Lula foi fomentar e aumentar a competitividade de certa parcela da burguesia nacional e tentar (talvez sem sucesso), associá-la a uma estratégia nacional de desenvolvimento.

É possível dizer que o plano continha também a tentativa de dar direção a uma elite supostamente produtiva, ou seja, que gera empregos, renda e desenvolvimento, capaz de disputar a hegemonia do Estado com os setores monetaristas, especulativos e financeiros que controlam hoje a maioria dos sistemas políticos mundo afora, isso sem contar o controle sobre os grandes meios de comunicação em massa que são de sua propriedade e ponto final.

Antes da Lava Jato, nas eleições de 2012, os bancos, investimentos, consórcios e seguros foram responsáveis por 6,8% do total de doações. Enquanto isso, as construtoras e o setor de agropecuária juntos foram responsáveis por 63,4% das doações legais contabilizadas (Fonte: prestação de contas dos partidos ao TSE e prestação de contas das campanhas de 2012).

Essa conta é uma espécie de termômetro para saber quem tem hegemonia sobre o Estado. Não é uma conta exata. Não é uma ciência. Mas é um ótimo indicador de como as coisas mudaram nas últimas décadas.

A operação Lava Jato, com suas idiossincrasias, particularidades, novidades e intempestividades, sob o arrepio das leis, deixa nítido e evidente o ataque frontal a toda essa articulação montada a partir do Governo Lula.

O alvo não é somente Lula. As grandes empresas brasileiras que parecem estar correndo o risco de desaparecerem, são grandes competidoras mundiais. Concorrem com competitividade e até com vantagem estratégica no mercado mundial. Mais do que isso, são players decisivos nos processos decisórios de diferentes países da América Latina e da África. Caminham de mãos dadas com o Estado brasileiro em sua estratégia de política externa para o continente. São grandes doadoras de campanhas eleitorais também na Venezuela, Equador, Peru, Bolívia, Argentina, entre outros.

Bilionários estão na cadeia. Isso não ocorre por mero procedimento institucional corriqueiro. Não é paisagem comum. Tampouco pode ser encarado como uma articulação política qualquer.

Oxalá bilionários estivessem indo para a cadeia para que esse país pudesse se tornar mais justo e menos desigual. Antes essas forças da Justiça e da Polícia Federal fossem realmente interessadas em limpar o Brasil. Tomara sejam…

Que todos os políticos corruptos, principalmente os que se diziam de esquerda e ludibriaram a fé do povo e passaram a servir aos interesses dos opressores, aceitando suborno ou organizando quadrilhas, apodreçam na cadeia e sirvam de exemplo!

Porém, desafortunadamente, eu não acredito que seja este o principal resultado da Lava Jato. A espetacularização das investigações, o vazamento seletivo dos resultados, as estranhas delações superpremiadas e, principalmente, a seleção partidária de escândalos e denunciados, permitem conclusões decepcionadas quanto a nossa “operação mãos limpas”.

Ao que parece, a Lava Jato está mais para uma ferramenta de ajuste de contas entre as elites pela hegemonia do Estado, quando não uma ação que atende interesses ocultos para a destruição da estratégia de desenvolvimento brasileiro e a chance que o Brasil teria para ser dono das próprias riquezas e do próprio destino. De servir como uma liderança internacional alternativa, pacífica e progressista.

E também, é claro, para essa tarefa, torna-se necessário derrotar o lulismo e seu legado. Mais do que isso, impedir que as forças populares tenham capacidade política para combater as injustiças sociais, as desigualdades e fazer com que as riquezas nacionais finalmente estejam a serviço do nosso povo, sobretudo para as pessoas mais pobres, investindo em educação, para fazer desse país uma grande nação.

Nesse momento, estão nos jogando uns contra os outros. Não percebemos quem é o real inimigo e entramos em uma guerra civil fria, com o Brasil interditado. Na política e também na economia. Nada anda. A caravana passa e mais uma vez podemos perder o trem da história.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Com faixas, Gaviões cumpre seu papel histórico.



Parabéns aos Gaviões da Fiel. Sempre na vanguarda.
Cada um cumpre seu papel na história.
O tempo se encarrega de colocar cada coisa no seu lugar.
Os corvos serão sempre corvos.
E os espíritos livres, aqueles que não se curvam por medo, por adulação ou por submissão, terão seu lugar de honra garantido.
O que é a merda de uma punição desportiva, diante de um ideal? Diante do direito e a vontade de dizer aquilo que se pensa? Que lição queremos deixar para as próximas gerações?
A Globo escondeu o movimento das Diretas Já, por que não esconderia também a faixa dos Gaviões?
A torcida do Corinthians não fez nada que estivesse distante dos nossos 105 anos de existência, ao contrario, confirmou o proposito de luta desse povo que criou um clube operário para dar voz e vez aos excluídos.
Por isso, ao longo dos anos, fomos o clube dos maloqueiros, favelados, retirantes e refugiados.
O time daqueles que perderam. E também o clube daqueles que venceram no campo e na vida, sem trair os seus ideais, sua identidade e suas origens. Sempre com o Corinthians no coração.
Viva os Gaviões da Fiel!
Viva o Corinthians!
E viva a Democracia!
Viva o povo brasileiro!

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Nina e o Feio (Parte 1)



Não era comum. Não havia explicação razoável para que Nina se sentisse atraída por aquele homem considerado tão feio.


Era isso que Nina ouvia de suas amigas, quando foi tomada por um ataque súbito de sinceridade e confessou para algumas poucas pessoas sua atração pelo tal Davi.

O Davi aparentemente não tinha nada. Não era rico, não era importante, não reunia nenhuma das qualidades tão interessantes ao grupo social da Nina. Pior, o Davi era feio. Feio mesmo. Não era uma questão de perspectiva pessoal. O rapaz era feio. Dono de uma feiura que chegava a ser comovente. Tocava a alma das pessoas. Não passava despercebido de forma nenhuma.

Nina também considerava o rapaz feio. Mas, foi surpreendentemente tomada por uma paixão louca. Primeiro começou a observar o Davi, um pouco curiosa. Começou distante, sem que ele pudesse perceber. Simpatizou com o rapaz.

As ocasionais e esporádicas observações ficaram frequentes, depois de algum tempo. Sem que Nina se desse conta, o Davi passou a fazer companhia em suas noites mais quentes e gostosamente solitárias. Com a porta de seu quarto trancada, ela deixava o pensamento voar longe e se entregava a sonhos muitos eróticos e interessantes, repletos de picardias deliciosas. Não podia dormir sem que seus pensamentos a premiassem com pelo menos um orgasmo que, embora fosse solitário, parecia muito mais interessante do que a maioria das experiências sexuais que ela colecionara em sua vida ainda curta.

Nina era jovem. Bonita. Possuía uma aparência capaz de agradar qualquer homem que se interessasse pelo sexo oposto. Somada à beleza facilmente perceptível, era uma menina muito doce. A simpatia em pessoa. Extremamente educada, tratava a todos com absoluta consideração e respeito, qualidades incomuns às outras meninas da sua turma. A gentileza e elegância deixavam Nina ainda mais bonita. Nina era desejada e irresistível. As qualidades humanas de “boa moça” e a sensibilidade de Nina, de forma nenhuma a transformava em uma figura deserotizada. Tinha um olhar envolvente. Fazia tremer as pernas do interlocutor. Olhava fundo, mergulhava dentro da pessoa. Tinha a pele clara, cheia de pintinhas delicadas que mais pareciam terem sido pintadas à mão, os cabelos castanhos, o sorriso lindo e sapeca, o corpo esbelto, não muito extravagante, também compunham aquela figura tão encantadora.

Ela morava em Perdizes. Vivia com o pai num apartamento confortável. A mãe morrera a alguns anos, vítima de câncer. O pai nunca mais foi o mesmo. Jamais se recuperou. Envelhecera de maneira nítida e perceptível. Não era tão velho, mas os setenta anos de idade pareciam lhe pesar muito mais. Já era idoso e parecia abatido.

Nina e o pai trabalhavam juntos numa farmácia no centro da cidade. Depois do falecimento da mãe, o pai vendeu uma rede de farmácias que possuíam em diferentes bairros de São Paulo. O velho pôde acumular um importante patrimônio e vivia confortavelmente com o rendimento do capital investido. Porém, aquela antiga farmácia na Rua Direita não podia ser desfeita. O pai havia jurado ao avô de Nina manter o negócio “onde tudo começou”. Ela acreditava, porém sabia que o pai vivia conectado com o passado. Guardava coisas, ouvia discos, assistia programas de televisão do passado. Aparentemente, o velho se sentia melhor com as lembranças do passado, ao viver o presente e esperar pelo futuro.

Certo dia, Davi entrou apressado na farmácia. Parecia afobado. De imediato, chamou atenção aquele homem alto, com orelhas grandes, nariz levemente torto, boca também grande, mas com dentes bem tratados, uma cicatriz que cortava o lado direito da face. Parecia uma caricatura. Ele veio direto até o balcão e perguntou se Nina era a farmacêutica.

- Sou eu, respondeu Nina.

- Isso, farmacêutica. Eu preciso de uma recomendação.

Pediu um remédio para a dor de ouvido. De imediato tirou o dinheiro amassado no bolso para mostrar que teria como pagar. Sabia que estava mal vestido. Sabia que não era muito bem-vindo em algumas lojas da região.

- É para você? Perguntou Nina.

Davi explicou que havia uma criança doente, que chorava muito e se queixava de dor de ouvido.

Nina perguntou se o rapaz não tinha receita, se não era melhor procurar um médico.

- Médico demora muito, moça. Não tem vaga. A gente não vai em médico, se cura sozinho.

- É para seu filho?

- Não, é para um menino aqui do prédio.

Davi pegou o remédio e voltou correndo.

“Esse é da invasão”, comentou o pai de Nina.

Davi passara a viver em uma ocupação ao lado da farmácia. O prédio estava vazio fazia quase uma década. Ao ouvir a sentença do pai, Nina imediatamente pensou como alguém conseguiria viver naquele prédio tão destruído e abandonado.

As visitas de Davi passaram a ser mais frequentes. Quase todos os dias Davi entrava na loja para comprar algum remédio ou produto de perfumaria. As vezes fazia compras grandes, o que garantiu alguma complacência por parte do pai diante das curtas conversas de Davi com a farmacêutica da casa e até mesmo uma distante e fria simpatia pelo rapaz que comprava bem e sabia conversar.

“Davi falava bem; nem parece sem-terra”, exclamava o pai quando o rapaz saia da loja.

Foi nesse tempo que Nina passou a se envolver. Era discreta. Passou a gostar do rapaz silenciosamente. Olhava suas mãos apoiadas no balcão. Gostava da cicatriz na face do Davi. Olhava muito para a cicatriz. Ficava louca de desejo com a cicatriz.

Por vezes, sentia vontade de agarrar Davi ali mesmo na farmácia. Já gostava quando sentia o cheiro de seu suor. Durante aquele período de visitas frequentes passara a viver uma obsessão silenciosa e inofensiva. Não conseguia mais pensar em nenhum outro rapaz. Aqueles meninos bem vestidos e razoáveis já não lhe diziam mais nada. Agora era só o Davi.

O rapaz não tinha nada na vida. Quando criança havia se criado sozinho. Davi não conheceu o pai. Viveu um tempo com a mãe e o padrasto. Apanhava demais. Havia sido muito judiado. O marido da mãe não queria a presença do menino que desde cedo se acostumara com a ideia de ser um incômodo. Por isso passava tanto tempo se desculpando por sua presença, seja onde estivesse. Inclusive na farmácia de Nina. Estava sempre apressado. Entrava e saía rápido dos lugares. Odiava a ideia de ser convidado a se retirar. Davi se via sempre como um peso na terra. Simplesmente não havia lugar para ele no mundo. Entendeu isso desde o inicio. Nas ocupações, nada mais natural do que ser arrancado de um lugar e partir para o outro. Para ele a vida era assim, e pronto! Não sabia que as coisas podiam ser diferentes. Por isso agradecia quando trocava mais do que dez frases com a Nina. Quando essas dez frases se tornaram vinte passou a se comover com a generosidade da moça que falava com ele olhando nos olhos e com um sorriso lindo nos lábios. Agradecia sempre. Era inevitável. Ao sair da farmácia, falava “obrigado”. Agradecia a Nina, ao pai de Nina e se mais alguém estivesse atrás do balcão.

A mãe não defendia o filho das surras que ele levava do padrasto. Jamais contrariava o marido. Tinha medo de perder o seu homem. Ele apanhava feio. A mãe dizia que ele mereceu. Apanhava outra vez. A mãe ficava em silêncio. Apanhava de novo, via a mãe chorar silenciosamente. Certa vez sua mãe ficou chocada com o tamanho da surra que Davi levara do padrasto. Apanhou com o fio do telefone e depois com o arame farpado. A mãe decidiu defender o filho, ainda que timidamente. O cafajeste do marido bateu na mulher com gosto. Depois arrumou as coisas e disse que iria embora. Que não era respeitado naquela casa. Logo em seguida a mãe caia de joelhos pedindo para ele ficar. Ela mesma se encarregou de dar outra surra no menino que não tinha nem forças mais para chorar. No dia seguinte acordou e não tinha mais ninguém em casa. Mãe e padrasto haviam ido embora. Davi ficou sozinho no barraco alugado. Não sabia o que fazer. Pedia comida aos vizinhos. Sobreviveu como pode, até o dia em que foi despejado e posto na rua.

Saiu correndo e foi para a Igreja. Bateu à porta da casa do padre. Recebeu abrigo. Um pouco de cuidado e carinho. Depois foi viver num abrigo na Pastoral da Criança. Esse foi um período de paz e alegria para Davi. Não apanhava. Adorava as Missas. Queria ser Padre. Era dedicado, estudava bastante. Os padres percebiam o gosto de Davi pelo conhecimento. Estimulavam sua curiosidade. Presenteavam com livros e Davi lia todos. Conheceu alguns clássicos.

Quando ficou maior de idade, novamente não tinha para onde ir. O menino feio foi apresentado aos movimentos de moradia. Conheceu a luta. Passou a entender como funcionavam as diferenças sociais. Os instrumentos de exclusão. Estudou economia, sociologia, filosofia, história. Se interessava por música, poesia e fazia de uma banca perto da Praça da Sé, que vende “livros velhos”, a sua biblioteca. Ganhou a confiança do dono.

Começou a ganhar a vida recolhendo livros antigos nas casas das pessoas. Aprendeu quanto valia cada um. Quanto podia pagar e por quanto conseguiria vender nos Sebos de São Paulo. Era um negócio simples. Não rendia muito. Mas Davi nunca soubera o que era ter tanto dinheiro no bolso. O negócio crescia e ele estava satisfeito.

Ajudava como podia os seus companheiros de ocupações. Não suportava o sofrimento alheio. Especialmente das crianças. Quando alguém ficava doente e não tinha dinheiro para remédio, já sabia a quem recorrer.



Nina já sentia falta de Davi. Fazia duas semanas que seu cliente especial não aparecia. Ficou um pouco preocupada. No mais, lhe atormentava a ideia de que ele nunca mais aparecesse à sua frente. Estranhou esse sentimento.

A sexta-feira terminou vazia. Nina fechou a loja com a ajuda de um funcionário. O pai havia voltado mais cedo para casa. Ao sair pela rua, Nina viu a ocupação. Algumas bandeirinhas enfeitavam a fachada daquela construção desgastada e caótica. Havia música alta tocando. As pessoas na porta pareciam alegres. Sem dúvida, se tratava de uma festa.

Nina chegou à porta. Ficou com a garganta seca, mas controlou a ansiedade e perguntou pelo Davi. Imediatamente foi reconhecida. “Você não é a moça da farmácia?”. Imediatamente foi convidada a entrar.

- Pode vir moça. Entra. O Davi tá lá no sarau.

Ela gostou de entrar na ocupação. Seu coração batia acelerado. Não sentiu medo, mas certamente estava diante do desconhecido. Muitas crianças brincavam com os brinquedos pedagógicos. Havia um tapete de borracha para elas. Nina percebeu que era uma creche que funcionava lá dentro. Uma mulher negra, forte e muito bonita chegou até ela. Trazia uma cerveja.

- Bebe, moça. Tá geladinha. Quer comer alguma coisa. Tem sanduíche de carne louca.

Nina comeu. Bebeu mais uma lata de cerveja antes de subir as escadas de mármore. Aquele prédio era realmente velho, mas guardava em alguns detalhes uma reconhecível imponência de outros tempos.

Ela reconheceu a voz de Davi. Ele recitava uma poesia do Neruda. Interpretava de maneira apaixonada. Gesticulava. Colocava muito bem a voz. As palavras pareciam bonitas, mas não faziam muito sentido àquela altura, diante de tantos estímulos e surpresas que tomavam sua alma.

As pessoas prestavam atenção em Davi. Era comovente. O Davi era bom mesmo. Quando ele se deu conta da presença dela, imediatamente gaguejou. Perdeu o prumo. Levou alguns segundos até que recuperasse o ponto onde havia se perdido. Ele ficou visivelmente constrangido.

Ela também ficou constrangida. Sem saber como agir foi para casa. Depois, Davi não sabia se havia sonhado, delirado ou se ela realmente havia passado pela festa na ocupação.

Na segunda-feira, Nina já sabia muito bem o que fazer. Ao fechar a loja foi direto ao prédio. Pediu autorização para entrar. Perguntou qual era o apartamento de Davi. Subiu nove andares de escada. Bateu à porta. Era um cômodo muito simples, porém ela se sentiu muito interessada. Havia um colchão no chão, bem perto da janela. Livros empilhados em cima de uma cômoda velha e desgastada.Outros livros no chão.

Davi, estranhamente não se sentiu surpreso com a chegada da moça. Gostou. Sentia-se seguro naquele momento. Teve uma ereção instantânea. Pegou a moringa de barro e serviu um pouco de água para a garota. Ela engoliu rápido a água. Não falou nada. Ninguém falou. O silêncio era absoluto.

Ela passou a chave na porta. Davi ficou com o coração acelerado. Sabia que estava para acontecer algo extraordinário em sua vida. Festejava por dentro. Era como se estivesse gritando, mas continuava em silêncio.

Nina chegou mais perto. Segurou a cintura de Davi e pressionou seu corpo contra o dele. Sentiu que ele estava explodindo. Beijou sua boca. Colocou a língua lá dentro. Provou sua saliva.

O silêncio só foi interrompido quando Davi perguntou com a voz embargada:

- Você tem certeza?

Sim. Ela tinha certeza. Não havia mais nada a ser dito. Nina beijava com os olhos abertos. Queria olhar bem para o rosto de Davi. Isso a excitava mais ainda. Gostava que ele fosse feio. Enfim, poderia se entregar gostosamente para aquele feio. Não havia ninguém para julgar. O lance agora era só com ela. Deitou no colchão. O quarto cheirava umidade e mofo. Foda-se, pensou ela. Nunca estivera num lugar melhor. A fronha e o travesseiro tinham o azedume do suor cotidiano de Davi. Gostou também. Adorou. Molhou-se inteira. Tiveram ambos o sexo mais gostoso de suas vidas.

Nina adormeceu depois que se entregaram a um relaxamento luxurioso. Davi não dormiu. Ficou acordado. Talvez estivesse curtindo muito mais aquele momento de carinho do que o ato sexual. Sentiu-se acolhido. Ah, como era bom sentir aquilo.
Nina se assustou com o horário. Olhou pela janela do apartamento e teve uma visão incrível do centro da cidade. Viu tudo e ficou maravilhada. Era lindo. Comentou que a janela dele era muito mais bonita que a janela dela. Sem saber como era a paisagem de Nina concordou com a afirmação.

“Tchau, gato!” Disse Nina partindo apressada para casa, mexendo no celular e deixando uma mensagem para tranquilizar o pai. Foi embora.

No outro dia, Davi apareceu bem cedo na farmácia. No balcão estava somente o pai. Davi foi até o fundo da loja e perguntou por Nina.

- Pode falar o que o senhor deseja. A Nina está em atendimento – Disse o velho, já sem entender o grau de intimidade entre os dois.

Ao reconhecer a voz de Davi, Nina saiu da sala onde aplicava as injeções mais doloridas do Centro Velho e disse que já tinha terminado o que estava fazendo. Uma senhora também saiu de dentro da sala resmungando que fora deixada com a bunda de fora e sem direito a esparadrapo.

O pai aproveitou a ocasião para acudir a velha e deixar a filha a sós com Davi. Não sem antes resmungar no ouvido da filha: “vê lá o que você está fazendo da sua vida”.

- Eu estou aqui pra te dizer muito obrigado por ter ido no sarau e depois por ter me feito aquela visita. Eu gostei, disse Davi.

Ela se recusou a aceitar os agradecimentos do rapaz.

- Você não precisa agradecer sempre que fala comigo. Eu fui por que eu quis.

Davi ficou sem palavras. Mas antes que pensasse em algo para responder ouviu sirenes dos carros da polícia e muitos soldados com escudos e cassetetes indo ao prédio vizinho.

Ele saiu correndo e foi até o prédio para apoiar os seus companheiros de ocupação.

Minutos depois já se ouviam as primeiras bombas de efeito moral. As sirenes também deixavam todos aflitos.

- Vamos fechar a loja – ordenou o pai.

Nina saiu até a porta. Deparou-se com uma cena de desespero. As pessoas carregavam como podiam seus poucos pertences pessoais. Crianças choravam na calçada segurando seus brinquedos. Uma menina bem pequena beijava a boneca e pedia calma para ela. Com isso, ela também parecia se acalmar.

Algo mudou dentro de Nina. Uma coisa que trasbordava o seu corpo físico. Era muito forte. Ela tremia. Seu couro cabeludo parecia ferver. Não sabia ao certo o que estava sentindo. Era a primeira vez que ela sentia de verdade tamanha indignação e perplexidade. Nina se viu chorando. Gritou desesperada. Pedia para polícia parar com aquilo. Na verdade berrava. Seu pai, dentro da farmácia gritava:

- Pare, Nina! Entre pra dentro. Fecha a loja e entra. Estou mandando. Para, já!

Um policial xingou Nina de piranha. “Vai defender vagabundo?”, provocou o PM.

Nina voltou para dentro da loja, mas não cumpriu a ordem do pai. Pegou o celular e começou a filmar a ação de reintegração com ordem judicial.

O vídeo do celular conseguiu captar um policial mirando uma espingarda em direção da farmácia. Uma explosão destruiu uma das prateleiras de vidro da loja. Logo em seguida um gás insuportável invadiu o ambiente. O pai deitou-se no chão e começou a passar mal.

Vendo a cena, num impulso ela partiu para cima de um policial com quase dois metros de altura. Tentava esbofetear o homem, mas não provocava nenhum dano. Logo ela foi carregada pelos cabelos e arrastada pela rua.

Davi viu a cena. Partiu apressadamente com uma voadora nas costas do policial que largou Nina e caiu ao chão. Em seguida veio outro PM, com um escudo e um cassetete. Davi segurou o escudo, colocou o pé no peito do policial e virou o homem de ponta cabeça que caiu ao chão sem entender ao certo o que havia ocorrido.

Algo também mudou dentro do coração de Davi. Ele acabava de decidir que não mais aceitaria passivamente todos os golpes da vida. Que não mais seria desalojado sem nada fazer.

Estava furioso. Toda a mágoa que tinha acumulada, enfim podia ser libertada. Um terceiro policial atingiu suas costas com um golpe certeiro. Davi fraquejou e dobrou as pernas por um instante, mas levantou. Conseguiu arrancar o cassetete da mão do PM. Distribuiu outros tantos socos. Davi era agora um animal. Parecia cena de filme. Ninguém controlava aquele ninja feio, com cara de sofrido.

Nina sentada na calçada, pôde apenas assistir aquele filme que passava diante dos seus olhos. Àquela altura, Davi não era mais feio. Era lindo. Um herói.

Foi abatido com um tiro de verdade. Não era bala de borracha. Nina apenas chorou. Não gritou. Chorou. Viu Davi ser arrastado pelas pernas até o fundo do camburão que partiu apressado. Voltou para a farmácia. Acudiu o pai que estava passando mal dentro da loja. Chamou uma ambulância. Fez tudo isso chorando.