quinta-feira, 7 de abril de 2016

O movimento inflável pelo golpe e a consciência crítica da sociedade brasileira






Não é por acaso que os dois totens que provocam catarse coletiva nas manifestações pela interrupção do mandato democrático da presidenta Dilma são dois objetos infláveis.

O primeiro totem ficou conhecido como “Pixuleco”. Trata-se de uma caricatura do Presidente Lula, retratado como presidiário. Tem sido cultuado com paixão enlouquecida, sendo inclusive reproduzido em miniaturas e vendido nos semáforos das grandes cidades.

Outro símbolo, igualmente inflável, é o Pato Amarelo. Este é fruto de uma campanha publicitária da FIESP. A Federação que deveria defender os interesses dos industriais brasileiros, por conta de mais uma das aberrações e particularidades sociais e políticas brasileiras, reproduz com paixão a cartilha e o projeto do neoliberalismo econômico, justamente o estopim da desindustrialização do Brasil e propulsora do “livre mercado” que condena e implode qualquer proteção do Estado à indústria nacional e escancara a economia às quinquilharias importadas que tornam as indústrias brasileiras cada vez menos competitivas. Isso sem falar na desidratação do mercado interno, a perda do poder de compra do trabalhador e até mesmo os direitos trabalhistas que, pasmem, ainda que odiados pelo “moderno” empresariado brasileiro, é justamente o que oferece condições para que as indústrias que ainda resistem, aos trancos e barrancos, continuem existindo. Ou seja, sem mercado interno, os senhores da Casa-grande pretendem vender pra quem? Um Estado que privilegia o mercado financeiro e a farra especulativa em detrimento dos setores produtivos, como pode ser positivo para a indústria brasileira?





O Pixuleco incorpora o ódio pessoal ao ex-presidente Lula manifestado por parte da sociedade brasileira, mas também é um símbolo do incômodo e resistência à insubordinação e subversão de classe social. Houve um investimento na produção do Pixuleco. As pessoas seguem o Pixuleco. Há uma organização para a proteção do Pixuleco. Sem dúvidas, trata-se de um símbolo importante. Na mentalidade da Casa-grande, incorporada e levada à diante pelo empresário industrial brasileiro, o sindicalista (ou quem quer que reclame seus direitos de empregado) é antes de tudo um ingrato. Alguém que não aceita de bom grado a mão amiga do chefe patriarcal. Alguém que faz a cabeça dos outros funcionários. Degenera. Subverte.

Um subordinado virar chefe, líder e, ainda por cima, bem sucedido é subverter e corromper as hierarquias estabelecidas. Neste sentido, Lula é sim um corrupto e corruptor. Compreensivelmente odiado. Claro que este sentimento não se restringe ao empresariado industrial brasileiro.

Qual a ferramenta que torna possível um “analfabeto” como Lula se converter em um líder mundial. Ora, a política, é claro. Não é apenas Lula o odiado pelo corporativismo privado. É a classe política como um todo. Isso não ocorre apenas no Brasil.

Existe um imenso contingente de homens e mulheres que perseguem a realização, o empreendimento e o protagonismo no mercado de trabalho, dispondo de abnegação e devoção religiosa em busca das melhores posições, nas melhores empresas globais. Cada um como pode. Alguns com seus negócios próprios, pequenos ou grandes. Outros logrando cargos e funções de destaque nas grandes corporações. Talvez, em outros tempos históricos, encontrassem essa realização nos empreendimentos coletivos. Nos exércitos e nas guerras, provavelmente. Na própria política, talvez. Nas artes.

Mas a ideologia burguesa dos nossos tempos oferece como cenário das grandes realizações individuais, não as glórias públicas, mas o bem-estar material, a satisfação íntima e o sucesso no mundo dos negócios.

Ora, o indivíduo passa a vida inteira perseguindo essa glória no mundo corporativo privado. Investe tempo. Se prepara. Se esforça. Faz coisas que não concorda. Suporta humilhações. Porém, em dado momento, ele se dá conta que jamais terá reconhecimento coletivo pela glória que ele acredita ter alcançado. Pior, muito provavelmente não haverá glória sequer na própria corporação. Talvez passe a vida inteira com a faca e a forca no pescoço, ou mesmo será descartado no meio do caminho, quando atingir determinada idade. Alguns pouquíssimos conseguem algum reconhecimento em seu segmento.

Ainda que o sujeito acumule dinheiro, ainda que receba promoções, ainda que alavanque o próprio negócio, dificilmente seu sucesso deixará de ser silencioso e invisível. Alguns se consideram o tal “self made man” e passam a promover uma espécie de “auto marketing”, mas o fato é que, ao final, terão apenas lá em casa alguns amigos e camaradinhas que respeitam. Pois é…

O protagonismo jamais chegará. O desejo tão humano por reconhecimento será frustrado. Não é difícil entender o desprezo e raiva do mundo corporativo privado pela classe política. O político exerce o poder. Ainda é detentor do protagonismo histórico. O político manda. Não é difícil também entender o porquê dos aplausos enlouquecidos e calorosos que recebeu o ex-presidente Fernando Henrique quando declarou em palestra aos colaboradores de uma seguradora internacional que um “analfabeto” não pode ser Presidente do Brasil. Ele sabia com quem estava falando.



Já o Pato inflável representa o incômodo com os direitos e deveres públicos. A abolição da escravidão foi um pato. A legislação trabalhista é um pato. Os direitos humanos são um pato. Os impostos são um pato. Os programas sociais são um pato. As merendas são um pato. A legislação de trânsito é um pato. As normas são um pato. Ora, dirão, ninguém é contra nada disso, só não querem ter de “pagar o pato”. Ocorre que nesta coletividade somos todos sócios. Por isso se chama sociedade. Todos precisam de todos. Ocorre que alguns acreditam que não precisam do Estado. Mas esquecem que precisam do poder público para proteger a propriedade privada, para cobrar as dívidas, para o asfalto onde transitam seus carros, para a justiça, etc. Isso quando não pedem diretamente subsídios, isenções e créditos do setor público, um pato para toda coletividade de brasileiros.

Comecei o texto dizendo que, não por acaso, os dois maiores símbolos do golpe são infláveis.

A verdade é que tudo isso é muito inflável. Os “movimentos” são infláveis. Aquele grande número de pessoas nas avenidas é inflável. A oposição é inflável. Os apoios políticos que o governo construiu e acreditava que possuía também foram infláveis e explodiram.

As coisas podem parecer grandes no tamanho, mas não tem substância. Com um simples alfinete na mão de uma criança tudo se desmancha.

Nas últimas semanas aumentou muito a consciência crítica da população com relação ao golpe. Foi de imensa importância a manifestação pública de grandes figuras da classe artística e intelectual. Foram importantes também as grandes manifestações que ocorreram em defesa da legalidade democrática. O menos importante era se tinham duzentas mil, cem mil ou quarenta mil pessoas. Foi incrível a participação de diferentes segmentos da sociedade, inclusive de pessoas e movimentos sociais críticos ao atual governo. Muitos universitários e professores. Marcante a participação de pessoas da terceira idade que viveram os horrores do golpe de 64 e da consequente ditadura militar.

As vozes interessadas na manutenção da democracia se levantaram. Foi fantástico ouvir quem falou contra o golpe, mas ajudou também ouvir quem falou em favor do golpe. A postura violenta, agressiva e intolerante de muitos quadros do impeachment favoreceu a unificação e mobilização dos setores progressistas.

Quando se eleva a consciência crítica da sociedade, há um avanço que possibilita grandes saltos qualitativos a uma nação.

Alguns discursos raivosos e conservadores, destarte, fazem mais barulho e emergem com mais facilidade, pois dependem menos de coerência. Mobilizam corações amargurados. São de fácil reprodução, porém são infláveis.

Seria muito positivo se o atual governo desse o mesmo salto qualitativo ocorrido com essa massa de brasileiros que está saindo às ruas para defender a legitimidade deste mandato. Aliás, durante a eleição, os progressistas já haviam dado esse salto, porém não parece ter sido o suficiente para comover e encorajar este governo. Tomara que esta seja uma nova oportunidade.

A consciência crítica da população não depende deste governo. Não há protesto em defesa dessa gestão, mas em defesa da democracia e contra os retrocessos sociais. Não é possível ainda saber com certeza, pode até não ter golpe. Mas, ou esse governo acorda ou a gente segue à diante.

Se o governo quiser continuar deixando a jugular exposta, justamente à serviço de quem quer colocar sua cabeça na guilhotina, que o faça sozinho. Nós não morreremos juntos. Convidamos esse governo que já foi muito mais progressista a seguir conosco. Acontece que nosso salto é para sempre. Não queremos retrocesso. Queremos democracia de verdade. Com justiça social, distribuição de renda, reforma agrária, educação para o nosso povo, cultura política, saúde, desenvolvimento e com a independência do Brasil.

Um comentário:

  1. Concordo plenamente, todos esses movimentos não tem essência, podem ser esvaziados a qualquer momento é a mesma sensação que eu tenho...

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