sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Feliz Black Friday





Desejo um Feliz Black Friday para todos!
Regozijem-se nas lojas em busca da felicidade suprema, somente alcançada através do consumo.
Feliz dia de ação de graças. Tal qual os colonos do norte fizeram séculos atrás, convidem um índio para compartilhar à mesa e em seguida massacre sua cabeça com tantos golpes de marreta forem necessários.
Por falar em índios, façamos jus às nossas origens indígenas remotas. Nos encantemos com os “espelhinhos eletrônicos” e outras tantas bugigangas capazes de nos dar um acalanto instantâneo, para imediatamente depois nos mergulhar em outra crise de depressão profunda.
Será que existe desconto para Fluoxetina e Clonazepan no Black Friday?
Alguns comemoram esta data como colonos. Outros como colonizados. Cada um cumpre o seu papel.
Agradeçamos o nosso louvor, ainda que este signifique a desgraça alheia.
Invadam os shoppings e sites de compras. Compremos tudo o que for possível pela metade do dobro do preço.
Vamos tomar Nova Iorque. Vamos, brasileiros. Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor. O Tio Sam está querendo conhecer o nosso limite do cartão de crédito.
Vamos realizar o nosso sonho. Hoje é possível falar português nas lojas de Nova Iorque.
Mas, curiosamente, os museus estão vazios. Nossos compatriotas passam longe do circuito cultural. Olhemos para frente, pois nosso passado nos dá pena. Vamos nos manter em êxtase. Parar para pensar nos dá tristeza. Apaguemos nosso passado. Aquela lembrança remota de pobreza.
Vamos plastificar malas e mais malas antes do check in. Levemos contêineres. Paguemos com gosto o gasto do excesso de bagagem.  
Tratemos com desprezo os comissários de bordo e demais funcionários da companhia aérea. Vamos mostrar quem é que manda. “Eu tô pagando!”. Vamos exigir o perfeito funcionamento dos aeroportos como jamais fizemos com escolas e hospitais públicos.
Escapemos da alfândega. É dura a vida da classe média que paga seus impostos para sustentar tantos vagabundos.
Bora comprar! Comprem como loucos!
Nós, seres humanos que passamos por tantas desventuras, aqui chegamos. Filósofos, cientistas, pensadores, guerreiros, operários, generais e profetas. Todos gastaram desnecessariamente o seu tempo. A realização humana agora parece ser tão simples. Quantos empreendimentos tolos foram levados à cabo. Quantas imagens de santos e totens foram esculpidas. Besteira! Evoluímos inclusive na alienação e louvamos à deuses que cumprem milagres instantâneos e nos conferem o gozo imediato.

Feliz Black Friday a todos.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

A modelo na cracolândia. A primeira pedra de fama é grátis.



Encontraram uma ex-modelo jogada na cracolândia. 
Cabelo loiro, traços finos e olhos azuis. 
Causou perplexidade geral, pois ali não seria o seu lugar. Dos outros pobres feios e arruinados talvez. Mas não dessa moça que um dia foi bonita, quando preservava o seu fenótipo.
As televisões e jornais se interessaram pelo caso.
O argumento deste novo show é mostrar às pessoas onde elas podem parar com o uso de drogas ilícitas.
Oferecem agora à moça uma nova droga. Que será oferecida durante algumas poucas semanas, enquanto o ibope durar.
A fama instantânea. Tão instantânea e efêmera quanto o "barato" do crack.
Será a promessa de um novo tempo. De reconhecimento. De sociabilidade. De frequentar lugares glamourosos.
A primeira pedra de fama é "de grátis".
Logo em seguida ela será jogada em alguma outra cracolândia do esquecimento, onde estão tantas outras sub celebridades que tiveram seus segundos de fama e agora também agonizam.
Dirão que ela teve uma nova chance e que outra vez jogou tudo no lixo.
Enfim, todos vão dizer como uma espécie de sentença: "Ah, então realmente ela não prestava".
E esse lance do "prestar" ou não "prestar" deixará evidente que não aprendemos nada sobre dependência química e que a cracolândia existe porque o sistema precisa e deseja que ela exista. É um limbo social.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Sinalizador dos nossos tempos



Acenderam os sinalizadores.
A imagem era linda. A fumaça cobrindo a Fiel Torcida e o povão na arquibancada gritando alto o nome do Corinthians.
Mas o sonho acabou antes de queimar o pavio.
O juiz paralisou a partida. Nos demos conta subitamente que agora estamos em 2014, quase 2015.
Quando eu era criança a gente falava do ano 2.000 com expectativas incríveis. Seria a realização de sonhos fantásticos. O futuro nos guardaria novidades incríveis e gigantescas facilidades.
Faz quase catorze anos que começou o século XXI. Olhando de perto esta modernidade não parece ser tão interessante assim.
O triunfo do neoliberalismo criou uma nova ordem econômica, política e social. Por consequência criou também um novo tipo de homem.
Uma das tarefas originais desta “nova ordem” foi a de recivilizar o homem. Não deveríamos mais questionar as grandes estruturas. O “fim da história” já foi decretado e outro mundo não é possível. A partir de então, devemos cuidar apenas dos nossos “quarteirões”. A parte que nos cabe na nossa vidinha. E não responsabilizar nenhum inimigo político ou modelo estrutural. Na sociedade da autoajuda o grande inimigo estaria “dentro de nós”. Somos nós que temos que nos mudar. Estar adequados. Pertencer. Não nos reconhecemos mais no próximo. Ele é nosso inimigo em potencial. Qualquer um pode ser seu inimigo, desde que cruze o caminho dos nossos interesses imediatos.
Tantas digressões para falar dos sinalizadores na arquibancada do estádio do Corinthians? Para quê?
O Corinthians ficou apavorado com a indisciplina de alguns de seus torcedores. Tem compromissos financeiros. Quer evitar punições. Tem sido perseguido nos tribunais desportivos e precisa de resultados econômicos para se manter de pé e competir num mercado que não é diferente de outros tantos, ou seja, cada vez mais concentrado. É preciso destruir para não ser destruído. Até que em algum momento o próprio mercado se autodestrua. Mas o importante parece ser garantir o almoço de amanhã. Ainda que não haja futuro possível para o mercado, para os países ou para o planeta.
Para evitar as tais punições econômicas e desportivas o clube denunciou os torcedores culpados pelos sinalizadores. É preciso perseguir para não ser perseguido.
Os torcedores “civilizados” também apontam e acusam o “inimigo” que mora ao lado. Alguns ameaçam e agridem. Outros os entregam à polícia. Acreditam firmemente em si mesmos e em suas virtudes. Estão protegendo o clube e seu patrimônio. Comportaram-se adequadamente (entendam bem o que é adequação). Foram corretos e decentes. Sempre entregaram em dia a lição de casa. Em suas cabeças, não passa alguma outra reflexão, a não ser o desejo de preservar o Corinthians, evitar que ele seja punido, que o estádio seja interditado. Agem com a responsabilidade possível dos nossos tempos.
Não há nada que exista no Corinthians que não tenha correspondência com a sociedade. O Corinthians ressalta virtudes e vícios, paixões e pragmatismos, emoção e raciocínio, amor e desengano. Está tudo ali, como uma representação da vida da gente. Até na devastadora percepção do desespero dos nossos dias.
Fomos jogados uns contra os outros. O esforço de recivilização do homem nos massacra e nos oprime. É preciso estar adequado. Passar por cima de sentimentos e aspirações para permanecer existindo.
Para que o Mercado (com m maiúsculo) permaneça como o grande regulador da vida entre os indivíduos é preciso quebrar os instrumentos de solidariedade entre os homens. O mundo corporativo, o mundo dos negócios, o mundo das grandes empresas, o mundo das escolhas reduzidas e renúncias impossíveis é um mundo diferente do chão que a gente pisa.
As coisas só nos atingem verdadeiramente quando afetam o nosso cotidiano. Meus amigos, não aconteceu nada demais a não ser a inserção do Corinthians na velha nova ordem mundial. Isso a gente sente no fígado. Mas é assim que as coisas são, não é não? Dá para ser diferente? Digam vocês mesmos? Caso a resposta seja “sim”, vamos todos nos encorajar.
Vivemos todos sob o mesmo flagelo. Não deveríamos culpar uns aos outros.

PS: Este não é um enredo de conformismo e pessimismo. Os agentes não são apenas miseravelmente determinados pela estrutura. Alguns agentes podem contribuir para mudanças estruturais. O Corinthians não é apenas um clube de futebol. É uma força viva da sociedade brasileira. Há muito que pode ser feito. 

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Golpistas, de volta para a caverna!


A estupidez paira no ar.
Os boçais foram todos encorajados.
Os maníacos da caixa alta saíram dos fóruns de internet e estão boiando por aí.
Foram alimentados durante anos. Comeram ração na tigela dos escravocratas. Beberam água na fonte da despolitização geral. Marombados e dopados pela velha mídia.
Ao abrir a gaveta da cômoda, deve-se escolher muito bem a cor camiseta que se vai usar. O perigo não é cruzar com a torcida organizada do time adversário.
Os maníacos da vez são garotos com os cabelos bem penteados proferindo frases feitas tão burras que não dá nem para responder.
Os meninos e meninas que faziam bullying na escola já cresceram. Ficaram fortes. Foram bem alimentados e protegidos. Batiam o pé e ganhavam um brinquedo novo. Gritavam mais alto e eram entregues às suas babás. Davam um pouco mais de trabalho e ganhavam de presente uma viagem para a Disney.
Agora estão aí, realizando protestos livres em favor da ditadura. Levantando capas de revista esperando a volta da censura. Fazendo birra porque o resultado das eleições não foi o que eles gostariam.
E mandam correios eletrônicos aos ianques clamando por uma nova emboscada.
E batem na porta do quartel implorando para que algum milico retire o pijama e entre em seu brilhante zepelim com dois mil canhões assim.
Aprenderam a fazer isso brincando de "espírito do copo".
Estão chamando qualquer assombração. Qualquer espírito maligno. O cão, o tinhoso, o coisa ruim. Qualquer um capaz de dar um golpe e restaurar as velhas hierarquias.
Enfim estão assumindo que a democracia no Brasil sempre foi um mal entendido.
A democracia parecia ser útil quando atendia ao propósito de legitimar o poder dos grandes grupos econômicos, absorvendo a necessidade de representação e participação política na sociedade brasileira.
A democracia desenhada pela oligarquia era um grande teatro. O cenário ideal para a manutenção dos velhos privilégios. E a mídia dirigia o espetáculo com maestria, cabendo ao povo o papel de referendar nas urnas a decisão anteriormente tomada pelos "formadores de opinião".
Nas últimas eleições não mais se ouviu a expressão "festa da democracia". Por que será, acabou a festa?
Alguns se fazem de civilizados. Dizem ser contra a "intervenção militar". Porém, contestar o resultado das eleições é ainda mais grave. Porque se ofende algo muito anterior à forma e o regime de governo. Quem pede a anulação das eleições coloca em jogo o princípio da igualdade. Como se o voto de uns valesse mais do que o voto de outros. Como se as motivações de quem supostamente seria "esclarecido" fossem mais valiosas do que as escolhas de quem deveria estar subjugado. Contestar o resultado das eleições é reivindicar a subordinação dos mais pobres. É exigir que cada um saiba o seu lugar na sociedade.
E sejamos francos, é justamente disso que se trata. Não é economia, inflação ou corrupção. Não à toa a babacolândia tenha sequestrado provisoriamente a bandeira do Brasil. Eles lutam em defesa das nossas tradições. Lutam pelo Brasil da Casa Grande e da Senzala. Saem à rua sonhando com um futuro de volta para o passado. Aquele país em que todos sabem silenciosamente o seu lugar e os pobres aceitam de bom grado os favores de seus senhores até mesmo quando são currados.
Agora, até mesmo alguns setores do antipetismo estão assustados.
Não imaginavam a cara nem o tamanho de sua obra.
Quem tem um mínimo de senso de legalidade, apreço pelo Estado democrático de direito e gosto pela liberdade, percebeu o tamanho desta canoa furada. 
Alguns se deram conta que num futuro próximo serão mordidos pelos cachorros loucos espumando pela boca. 
Estão temerosos com os terríveis monstros que eles mesmos libertaram.
Quando as lutas sociais estão acirradas, recomenda-se escolher rapidamente um lado, sob pena de ser esmagado.
Quem não tiver nada a ver com o hipotético golpe que fale de uma vez. Coloquem os seus dragões de volta na caverna.
Do lado de cá ninguém está com medo. A nossa gente não vai permitir que isso aconteça. Não vai rolar. Não dessa vez. Simples assim!

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Apresentação sobre Reforma Política




Ontem tive a honra de fazer uma apresentação sobre Reforma Política na Universidade de São Paulo.

Fui convidado pelo grande amigo ProfessorWagner Iglecias para a IX Semana de Gestão de Politicas Publicas da USP. 

Foi um imenso prazer dividir a mesa com a Professora Esther Solano e o Professor Pedro Fassoni Arruda, ambos muito brilhantes

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Whatsapp, Adnet, Calabresa

Na mesma semana em que as pessoas ficaram perplexas com o dedodurismo do Whatsapp, que passou a alertar quando uma mensagem foi efetivamente lida pelo receptor, outro assunto ficou na boca do povo. A suposta traição por parte de um famoso à sua esposa também famosa, flagrada pelas lentes potentes de fotógrafos ocultos.

Parece existir um descompasso entre a modernidade tecnológica e seu impacto na vida cotidiana, com a preservação da fidelidade como um "último" valor aparentemente incondicional dos indivíduos.


Curioso como parecemos estar preparados para as mais diferentes novidades e inovações em matéria de consumo e até mesmo a aceitar novas experiências no nosso modo de vida.


Porém, persiste inegavelmente, a busca exigente e incansável pela fidelidade do outro.
Ao que parece, as novidades do consumo são muito mais bem-vindas, porque estamos preparados mesmo é para possuir. Para ter. Para ser dono.


O amor e suas diferentes formas tem mudado ao longo dos anos. Amamos de maneiras diversas. Até para isso estamos preparados. Mas nem a liberdade sexual, esta deliciosa novidade das últimas décadas, foi capaz de curar os homens e as mulheres do desejo de serem donos uns dos outros.


Nos mantemos enfermos de ciúmes, cultuando uma violência que para muitas pessoas seria absolutamente justificável e desejável quando o assunto é traição.


Esperava-se da moça traída pelo companheiro um tapa na cara, uma agressão, xingamentos ou uma humilhação vexatória e pública.


No fundo, as pessoas desejavam isso. Aplaudiriam com fervor qualquer demonstração de "dignidade" e toda violência estaria permitida e autorizada.


Algumas pessoas aguardam com excitação o momento de se descobrirem traídas. 


Os dois novos tracinhos coloridos do Whatsapp só vêm atender a demanda de seus clientes ansiosos, muito mais por pegar seu parceiro numa indescupável mentira, do que a desinteressante constatação da fidelidade alheia.


Para alguns, ser traído funciona como uma comprovação emocional de que se é melhor e mais justo do que a sua cara-metade. É como se o outro detivesse tudo aquilo de terrivelmente ruim que não podemos enxergar em nós mesmos.


Quem orienta toda a sua vida, seu cotidiano e sua rotina no temor permanente de ser corneado, no fundo está conferindo ao outro a responsabilidade pela própria realização.


Fica muito mais fácil e mais leve viver quando não é preciso carregar o próprio peso. Porque se algo der errado e se você for traído, sabe-se que você foi desgraçadamente vitimado por um mal que fugiu ao seu controle e ao seu merecimento.


A mesma tecnologia que criou delícias e facilidades às pessoas, permite aos senhores da guerra monitorarem suas ideias e seus passos, permite também que seu companheiro ou companheira saiba exatamente onde você está. É um serviço extra. Um produto oferecido como cortesia aos reles mortais por entregarem suas vidas ao controle dos poderosos.


E isso não tem volta.


Quem é que pode dizer o que é ou não é traição? Isso cabe a cada um. Aliás, é possível ser linchado socialmente e tornar-se um indivíduo estigmatizado e indesejável por ousar colocar em voga a sagrada fidelidade daqueles que sabem como ninguém que o inferno são os outros.


Porém, recomendo aos novos casais, daqui por diante, serem mais cúmplices e menos vigilantes.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

O Corinthians e o futebol que aprendemos a amar não são assim!


Muitos amigos Corinthianos, os quais não havia tido a oportunidade de ser apresentado, passaram a me conhecer depois que escrevi um texto chamado "O porquê do vai Corinthians".
O texto foi lido por milhares de pessoas e trouxe coisas lindas na minha vida.
Os amigos mais próximos que me conhecem pessoalmente, sabem do amor imenso que tenho no peito pelo nosso Corinthians. Igual a todos vocês, dediquei a melhor parte da minha vida ao Coringão do nosso coração.
Não me arrependo de nenhum suor nem de nenhuma lagrima derramados. Mas confesso que estou muito decepcionado.
Não só com o Corinthians, mas com o futebol como um todo.
Pela primeira vez na vida perdi o desejo de ir aos jogos e até mesmo de acompanhar as partidas pela televisão.
Espero que isso mude, pois vivi momentos muito felizes e emocionantes nos jogos do Corinthians.
Lendo as últimas notícias vejo que o Corinthians pode ser punido pelo STJD porque:
1- uma bexiga inflável caiu no campo de jogo.
2- um cachorrinho entrou em campo no meio da partida.
3- em outro jogo, dois meninos pularam o muro e foram até os jogadores ao final da partida para tirar uma foto. Pior de tudo, para se defender de potenciais punições o Corinthians declarou que encaminhou os meninos para o Juizado de Menores!
Sei que muitos devem pensar que minha atitude é política. Mas digo sinceramente que não é. Porque politicamente, acredito que não há caminho melhor do que a participação para transformar tudo aquilo que não consideramos correto.
Porém, ocorre que minha atitude é bem mais preguiçosa. Este futebol que "os caras" construíram, absolutamente desumanizado e burro não é o futebol que eu aprendi a gostar. Simplesmente, não me interessa. Na verdade, eu gosto de outro jogo. Outro esporte muito diferente deste espetáculo deprimente que pretende apagar a nossa história e nos transformar em uma feia e triste caricatura do que se idealiza que seja o futebol europeu. Por debaixo de uma fantasia de modernidade se escancara um jogo absolutamente patético que não agrada mais a quase ninguém.
Internamente no Corinthians, o cenário também não é nada animador.
Voltando ao texto que escrevi, eu dizia que "Vai Corinthians" e "Aqui é Corinthians" eram, na verdade, elogios à simplicidade.
Hoje, eu vejo tudo no Corinthians, menos simplicidade. Ao contrário, percebo uma arrogância que não tem nada a ver com nossa história.
Fica nítido que o atual presidente não suporta a torcida. Para ele, a nossa massa é um inconveniente que se deve aturar para que o negócio continue. O time não joga do jeito que a torcida gosta, o técnico não é aquele que gostaríamos, a organização do estádio contraria o gosto da galera, a pior contratação da história do Corinthians, de um jogador que em nada tem em comum com nossa identidade, teve seu inevitável fracasso debitado da conta da torcida.
Simplesmente não nos querem.
O Ronaldo Fenômeno fez bem ao Corinthians, mas até a página 12. Fez-se uma interpretação equivocada do sucesso de sua passagem e ao que parece, decidiram que seria necessário desde então, mudar o perfil da torcida nos estádios. Uma atitude burra, além de uma violência cultural e social.
Quando o Ronaldo anunciou sua chegada, ele falou uma frase que virou clichê. Naquela ocasião foi empolgante, mas hoje poucas frases me irritam tanto. Disse ele que havia chegado "mais um louco do bando de loucos".
Ao que parece, eles estão confundindo as coisas. Ser louco é diferente de ser idiota!
A nossa loucura é aquela do "Maluco Beleza" cantada pelo Raul Seixas, misturando a maluques com a lucidez, na loucura real.
É se entregar de corpo, alma e espírito, mas permanecer vigilante e atento.
A boa loucura exige uma dose de irreverência e insubordinação. Não esta submissão e apoio cego, surdo e mudo que eles desejam.
Agora, o Mikey é do bando de loucos, os Simpsons são do bando de loucos, o Bono Vox é do bando de loucos. Só os nossos Zés da Silva que ficaram de fora.
O louco de hoje, bem-vindo como torcedor, é na verdade um alienado. Que torce, paga caro o ingresso e depois vai pra casa cuidar da vida.
O Corinthians não pode abrir mão de sua energia mobilizadora. De seu potencial de comunicação com a sociedade. O Corinthians é patrimônio histórico, humano e cultural do povo brasileiro.
Não pode haver Corinthians sem comunhão.
Espero mesmo que o próximo presidente resgate a ligação com a torcida e perceba que o Corinthians é uma grande comunidade.
Não dá pra dirigir o clube sem entender a importância da conexão com o espírito Corinthiano. Que não há vitória duradoura sem nosso inconsciente e consciente coletivo.
Quanto às demais estruturas políticas do futebol, estão transformando o esporte em algo muito distante da vida da gente. Roubando justamente o que ele tem de genuíno e que o diferencia dos demais desportos. O humanismo, a conexão com a vida social da nossa gente e a alma dos torcedores. 
Certamente, vocês vão ficar mais ricos do que já estão. Mas vão perder um público que não se interessa por este espetáculo tão broxante.  




terça-feira, 4 de novembro de 2014

Gislene e Francesco

 

          Gislene tinha de voltar logo pra casa. Seu filho havia amanhecido com febre. Sua irmã mais nova cuidava do menino. São ao todo sete irmãs, contando com Gislene. Todas viviam no mesmo apartamento no centro de São Paulo. Das sete, quatro já tinham filhos. No total viviam quinze pessoas no apê da Rua dos Guaianazes. Era um berrar e correr permanentes naquele pequeno espaço. O único homem era Lucas de sete anos, filho de Gislene. No mais eram outras catorze mulheres, entre adultas e crianças. 

          A avó resignava-se em ficar sentada o tempo todo em uma poltrona igualmente velha, segurando sempre um rádio antigo ligado na Rádio Capital AM. Não ousava se meter em nenhum assunto de suas meninas. Cada uma resolvia por si os seus homens, seus empregos e os destinos de suas crianças. Deixava que as filhas se esbofeteassem por um pedaço maior de bife ou pela televisão. Espera tranquilamente a hora em que uma das filhas coloca em suas mãos um prato de almoço ou jantar. Sempre guardam para ela um pedaço da mistura.

         As crianças raramente brigam por conta da mistura. Preferem comer bolachas recheadas e não ligam para comida. Elas também são livres para a escolha do seu cardápio. As mães consideram a refeição mais prática, rápida e barata. Naquela região da cidade existem inúmeras lojas de doces com grande variedade por preços módicos. Avisam uma só vez que o jantar está pronto, mas as crianças já se decidiram pelos doces. As mães sentem pena em privá-los das guloseimas. Quando meninas, mal sabiam o gosto de uma bolacha, de modo que consideram as crianças privilegiadas.

        Cada uma das adultas, exceto a avó, trabalha em bicos esporádicos. Mesmo que houvesse emprego daqueles com carteira assinada, não poderiam trabalhar todas ao mesmo tempo. Não haveria com quem deixar as crianças. Portanto, enquanto uma tem um emprego fixo, outra é diarista, outra é garçonete na madrugada, outra recebe seguro desemprego e outras produzem umas pulseirinhas em casa enquanto olham as crianças. Todas recebem algum programa social. O acúmulo desta salada econômica garante a comida com mistura, o aluguel, as bolachas e uma grana extra para gastarem no forró.

         Suélen, a caçula, pensa em ser diferente das irmãs. Tem dezessete anos e concluiu recentemente o ensino médio. Sonha em fazer faculdade de secretariado. Gislene tenta ajudar. Paga para a irmã olhar com cuidado o filho Lucas. Um cuidado especial. Entre todas as sete irmãs, existe uma afinidade específica entre Gislene e Suélen.

         Gislene ressente-se do seu destino. Seu filho não foi fruto de uma relação amorosa, tampouco prazerosa. Foi um acidente. Não que isso a impeça de amar ao menino, mas para ela é muito estranho perceber no rosto de Lucas a cara de um homem que não significou nada para ela. Nem amor, nem rancor, nem afeto, nem desejo. Nada. Já Suélen tem horror a homens. Diz em casa para que todas ouçam que nunca terá um filho. Também não lhe interessa as meninas. Simplesmente não da bola para o sexo. Tem outra expectativa: ser secretária executiva.

        Lucas tem febre e dor na nuca. Aguarda o retorno da mãe para tentar a sorte no Pronto Socorro.

        Gislene tem de voltar logo, mas o trabalho não é fácil. Procura concentrar-se em chupar o velho Francesco para terminar logo o serviço. Tenta não se incomodar com o odor azedo que sobe de suas virilhas. Acaricia sua pele murcha e emite sonidos de prazer para que o velho, por fim, despeje seu líquido cada vez mais raro e pague pelo serviço. Gislene não quer mal o velho, ao contrário. Agarra-se a ele com alguma dose de afeto. Não acredita mais no amor. Gislene pensou ter amado quando tinha catorze anos. Agora entende esse tal amor como coisa de menina. A realidade é outra. No mais, com Francesco ela não considera estar se prostituindo. Não há tantos conflitos pessoais. Ele é o único homem com quem faz programas. Finge ser sua amante e isso a conforta. Para Gislene, Francesco caiu do céu.

          Ele paga semanalmente. Nunca falha. Gislene visita seu apartamento na Bela Vista três vezes por semana. Ele recebe mensalmente uma aposentadoria razoável que é depositada da Itália diretamente para sua conta corrente. Ganha cinco mil e quinhentos reais. Gislene fica com mil e duzentos ao mês. Nada mal para o velho viúvo e solitário. 

          Francesco é tarado por Gislene. Adora passar o seu rosto gasto na pele lisa e cheia de sardas da jovem ruiva.  Pede sempre para que ela abra suas pernas e mostre seus pelos vermelhos libertos da gilete e da tesoura.  Seus seios são mínimos, porém firmes. Passa horas olhando e acariciando aquela mulher de vinte e nove anos. Quando não tem ereção ou quando Gislene está menstruada, sentam-se lado a lado e conversam sobre a vida. 

          O velho repete as histórias da sua infância órfã. Foi criado em um convento na Itália. Era a única criança que vivia no local. Conta sempre que tomava banho acompanhado das freiras que por vezes reuniam-se para tratar do garoto. Gostava dos pelos de Gislene porque em sua memória afetiva habitavam as inúmeras vaginas peludas e impossibilitadas de maiores cuidados das irmãs católicas.

         Quando completou dezesseis anos já era um homem. Se não o suficiente para cuidar-se sozinho, era homem formado fisicamente. A convivência no convento tornou-se traumática, mas não para Francesco, mas para as freiras que passavam muito tempo agitadas e estressadas. Por isso foi colocado em um navio rumo à Argentina. No entanto, foi obrigado a descer em Santos. Passou fome por anos até conseguir um emprego de garçom numa cantina na Mooca. Seguiu a vida até se casar com uma baiana que morrera faz cinco anos, deixando-o só. Não teve filhos. Não conhece os pais, nem tios, nem ninguém.

       Gislene suga com força. Olha fundo nos olhos de Francesco que por fim se entrega. Desfalece deitado no lado direito da cama, como de costume. Hoje ela não pode passar mais tempo na cama do homem, como faz normalmente. Pede trezentos reais ao velho, coloca na bolsa e corre em busca de seu filho.

       Chega ao prédio. Nem sequer lavou o rosto. Escuta os gracejos dos vizinhos nigerianos que passam o dia todo sentados na calçada jogando cartaz, bebendo cerveja e fumando maconha. Chegando ao sexto andar já pode ouvir o forró que grita alto no apartamento. Abre a porta. É impossível falar em voz baixa na sua casa. Só se fala berrando. Dia e noite os ruídos são os mesmos. O Forró, as crianças, a televisão, as irmãs histéricas. Chega à sala e a mãe permanece alheia a toda balbúrdia. Parece cochilar com o rádio ligado em seu colo.

         Nos braços de Suélen, Lucas parece estar delirando em febre. Gislene dá uma bronca na irmã:

- Menina, por que você não o levou para o hospital? 

- Eu não tenho dinheiro pra condução.

- Por que não pediu para as meninas?

- Elas disseram que eu só cuido do Lucas, então que eu pedisse dinheiro somente pra você.

       Gislene desceu o edifício e pegou um taxi. Sabia que o menino estava vivo porque seus braços queimavam, mas o Lucas não reagia a nada. Ao chegar ao Pronto Socorro viu que a fila era grande. Desesperada, ultrapassou a fila e começou a gritar pedindo ajuda. Outras mulheres tomaram a frente e protestaram:

- Hei boneca, você não vê que tem fila?

- Meu filho vai morrer.

- Aqui ta todo mundo esperando por mais de cinco horas, filhinha. Você vem aqui toda afetadinha e acha que tem privilégio.

- Meu filho não responde mais nada. Por favor.

          Ousou enfrentar a ira das outras flageladas e enquanto carregava Lucas em seus braços chutou a porta que divide a sala de espera e os consultórios invadindo o corredor. Entrou na primeira sala onde viu uma médica. Colocou Lucas sobre o leito do consultório.

- Pelo amor de Deus, salve meu filho. 

         Sacou os trezentos reais da bolsa e colocou na mesa da médica. A doutora segurou o menino, ouviu os batimentos cardíacos e levantou as pálpebras com o dedo. Devolveu o dinheiro para Gislene colocando-o na palma de sua mão e apertando firme. Chamou dois enfermeiros que conduziram o garoto para a emergência. Gislene quis acompanhar, mas foi impedida pelos enfermeiros. Quis permanecer no corredor interno do hospital, mas foi proibida pelos seguranças.

         Voltou à recepção do hospital para fazer o cadastro de entrada e aguardar noticias. Lágrimas escorriam pelo seu rosto. Enquanto procurava seus documentos foi atingida com um golpe na cabeça. Um tamanco pesado da mulher que reclamara o lugar na fila. Caiu no chão sangrando. Levou mais três chutes no estômago. Perdeu o fôlego e desmaiou.

          Levada à sala de sutura, um funcionário do hospital pediu que ela desse o telefone de um acompanhante para avisar o ocorrido. Sem poder pensar o porquê, forneceu o número de Francesco.

         Cansada, deprimida, ferida e preocupada, Gislene permaneceu inerte no leito. Estava em observação médica.   Não poderia adormecer. Olhava fixamente para o teto enquanto escutava os ruídos próprios de um hospital, como os gritos incessantes de bebês e médicos que repetiam exaustivamente os nomes dos pacientes que aguardam na sala de espera. De repente aparece sobre a sua visão o velho Francesco. 

         Ele não perguntou nada. Tampouco ela esforçou-se para explicar todo o ocorrido. Em poucos minutos uma ambulância levava mãe e filho para um hospital particular limpo e confortável.

        Enquanto esperavam pelo estado do menino, Gislene com um curativo na cabeça apanhou os trezentos reais na bolsa. Aquela altura o dinheiro a incomodava e envergonhava. Estendeu o braço e devolveu para Francesco. O velho tentou recusar, mas Gislene enfiou as cédulas no bolso da calça do homem. Ele aceitou e deu um meio sorriso.

        Naquele momento Gislene estava certa que chegara o mais próximo possível do amor. Nunca havia sentido gratidão na vida. Na verdade, nunca fizeram nada por ela para que pudesse agradecer, logo, aquilo era o sentimento mais acolhedor que já havia sentido. Lacrimejou, enxugou as lágrimas que pode, sugou o nariz e disse a Francesco:

- Você nunca mais tem de me pagar por nada.

        Francesco feliz respondeu falando baixinho:

- E você nunca mais vai ter que pedir.

          Segurou os ombros de Gislene com um misto de afeto e proteção. Ela sentou-se mais perto e gostou de sentir o cheiro de cigarro nas roupas gastas dele. Encostou sua cabeça no peito do velho. Não estavam mais sós.

Intervenção Militar Nunca



Artigo publicado originalmente no Estadão em sua versão digital

O Governador Geraldo Alckmin disse que considera "inaceitável" as manifestações em favor de uma"intervenção militar" no Brasil.
Fez muito bem o governador. Neste momento de crescente histeria política, espera-se atitude republicana e responsável por parte dos governantes, em especial dos líderes políticos da oposição.
Passado o período eleitoral, é hora das reflexões pacientes e eventuais correções de rumo. Espera-se que o PSDB, por sua importância no processo de redemocratização do Brasil, se desvincule e se afaste desta aventura irresponsável.
Dentre tantas distorções do nosso sistema eleitoral, vale destacar que ele favorece a busca pelo absurdo. Para que um candidato seja notado pelo eleitorado entre milhares de concorrentes, busca-se frequentemente o exagero e a apelação. No horário eleitoral nos deparamos com figuras pitorescas e outras supostamente engraçadas. Notadamente o absurdo dá voto. 
Nas últimas eleições, houve grande adesão do eleitorado aos candidatos ultraconservadores. Quem se beneficia desta lógica, não tem nenhum compromisso com a coerência. Alimenta-se justamente das conclusões tolas e da cultura autoritária que ainda permeia nossa vida social. A extrema direita foi bem votada nas eleições parlamentares, o que encoraja outros tantos aspirantes ao mandato legislativo. É a “bolsonarização” da política. 
As forças políticas se acomodam onde encontram melhores espaços. Se estabelecem no terreno que parece ser mais fértil e que apresenta melhores condições. No espaço mais receptivo e com clima menos hostil.
Quando o PT passou a transitar pelo centro da política, o PSDB acabou sendo empurrado para uma direitaintransigente, muito distante de suas raízes históricas. Ainda que a candidatura de Aécio Neves tenha sido cuidadosa em seu discurso, alguns de seus apoiadores estiveram livres para disseminar mensagens que causariam arrepios até mesmo no Tea Party estadunidense. As redes sociais em seus enfrentamentos cotidianos fizeram com que as candidaturas fossem maiores que os candidatos. Ou seja, os candidatos se tornaram muito mais do que a totalidade de seu discurso.
Se por um lado, a adesão à candidatura de Aécio – que verdade seja dita, não foi apenas do eleitorado conservador - tenha sido grande, permitindo a maior votação do PSDB nos últimos anos, por outro, a proliferação deste discurso permitiu que nessas eleições comportamento e política andassem juntos, possibilitando uma identificação mais fácil das duas candidaturas por parte de um eleitorado que estava até o momento por fora do jogo político. Muitos eleitores que votariam nulo ou que nutriam críticas importantes ao Governo Dilma, ao final, apoiaram sua candidatura. Em outras palavras, o discurso ultraconservador e autoritário de alguns apoiadores da candidatura de Aécio, unificou o eleitorado de esquerda em torno da candidatura da Presidenta Dilma.
A necessidade de uma reforma política parece evidente. Porém, tão importante quanto reformar as regras do jogo seria a reorganização do centro da política. O fisiologismo parece ser o principal elemento de adesão gravitacional aos governos federal e estaduais. Seria desejável, no entanto, que as forças políticas interessadas nas transformações sociais que o Brasil precisa tivessem abrigo para além da polarização entre PT e PSDB. As críticas e a oposição ao governo do PT, necessárias para o funcionamento da democracia, não deveriam estar entregues ao histerismo e ao retrocesso. 
A presidenta foi escolhida pela maioria dos votos em eleições livres. Nossas instituições funcionam regularmente. É necessário que haja uma oposição responsável, democrática e republicana. É possível fazer críticas duras e combativas ao Governo Dilma, mas que sejam para o avanço social e fortalecimento de nossas instituições. Parece pavoroso perceber que quase tudo o que não é governismo cego e improdutivo descambe para o extremismo odioso. As vozes coerentes e democráticas da oposição devem ser levantadas para que não prevaleça os berros histéricos dos cães raivosos.
Tirar proveito político de manifestações que defendem “intervenção militar”, além de ser um oportunismo irresponsável, significaria uma derrota histórica e irreversível para as forças políticas que pretendem se comunicar de maneira séria e coerente com a sociedade brasileira.