quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Sobre Joelmir Beting (sejamos menos maniqueístas e pensemos o desenvolvimento do Brasil)


 

Cresci vendo e ouvindo o Joelmir Beting.
Desde criança, prestava muita atenção em seus comentários. 
E desde sempre, me impressionava a construção de seus textos, com frases conexas e coerentes. 
Eu ficava estático ouvindo seus comentários. Obviamente, não podia entender tudo, mas fui tomando gosto.
Considerava muito elegantes aquelas crônicas sobre economia política. Embora esse assunto fosse menos atrativo se comparado a tantas coisas da vida que um cronista pode narrar. Ou seja, não é nada romântico falar de economia. Nunca foi. 
Mas por conta do Joelmir eu queria ser economista quando crescesse. Depois jornalista. Acabei sociólogo. 
Com o tempo, a gente vai construindo o nosso próprio leque de idéias e, por vezes, discordei das posições do Joelmir.
A esta altura, ele já não era uma figura encantada. Mas ganhei um outro tipo de respeito por ele.
E é sobre isso que eu gostaria de falar.
A honestidade deste jornalista.
Uma figura do universo político - e os jornalistas fazem parte deste universo - não pode ser considerada "boa" apenas se compartilhar conosco as mesmas posições políticas.
Um comentarista não pode ser "ruim" quando defende um ponto de vista distinto do nosso e imediatamente passar a ser "bom" quando estivermos do mesmo lado.
Mas, justiça seja feita, independentemente das posições defendidas pelo Joelmir, ele jamais o fez para panfletar suas idéias. Tampouco fez alarde para gerar instabilidade a qualquer governo, aceitando encomendas dos barões da mídia constantemente interessados em conspirar.
Sinceramente, não sei se falo bobagem, mas o Joelmir sempre me pareceu um conservador.
E, sinceramente, não vejo problema nenhum que um indivíduo seja conservador. Na verdade, todos nós somos conservadores em alguma proporção.
A questão é que hoje em dia temos uma leva de comentaristas conservadores que vulgarizaram este conceito.
As televisões e jornais estão repletos de cronistas histéricos que não escondem sua nostalgia dos tempos em que a hierarquia social estava muito bem definida e acomodada.
O pensamento político conservador se organizou nas ultimas décadas sobre dois pilares. O primeiro era o combate ao comunismo. O segundo, foi a defesa do "livre mercado". Pois bem, o comunismo deixou de ser uma "ameaça" há mais de vinte anos. E os paradigmas do livre mercado ruíram junto com as bolsas de valores e as economias dos países ricos.
Portanto, o pensamento político conservador ficou desorganizado, "liberando" todo tipo de manifestações preconceituosas e até mesmo fascistas.
Com todo respeito à classe jornalística, nós sabemos que um comentarista estudioso e preparado como Joelmir Beting é a absoluta minoria.
Existe uma leva de subordinados que rezam obedientemente à cartilha neoliberal sem interesse na análise crítica, papagaiando conceitos vazios e decadentes.
Por tudo isso, o Joelmir sempre foi diferenciado.
A preocupação central de seu discurso sempre foi o desenvolvimento do Brasil. 
Enquanto Joelmir acreditava na superação do subdesenvolvimento, os jabores e mainardis espalhados por aí não se cansam de burlar nosso potencial histórico, agachando-se gostosamente perante aos poderosos e tentando nos convencer de nossa inferioridade.
Esta sociedade esta dividida entre os "conservadores" - irritados com a insubordinação dos pobres, o desconforto gerado pelo barulho das transformações sociais e a perda dos nossos "valores" - e os "progressistas" - que acreditam estar ao lado dos pobres, fazendo toda sorte de concessões ideológicas em nome da governabilidade e eufóricos com os vôos de galinha da nossa economia.
Sejamos todos menos maniqueístas. 
Pensemos menos nas próximas eleições e mais no desenvolvimento do Brasil. Com justiça social e distribuição de renda, é lógico.

sábado, 24 de novembro de 2012

Sobre Ronaldo e Cássio. Dualidade alvinegra.

A rua de asfalto era igual ao gramado do Pacaembu.
Quem ficava sentado na calçada era a torcida.
A velha que furava as bolas que caiam em seu quintal era a PM.
O portão de ferro era o gol.
O centroavante com o tampão do dedo já estourado e o calcanhar quase em carne viva se prepara para o chute.
O goleiro atento, com seus reflexos apurados.
Lá vem o chute. Correu, bateu...
RONAAAAAAAAAALDOOOOOOO!!!
Gritou o goleiro imediatamente após realizar a defesa.
Quem tem mais ou menos trinta anos hoje em dia certamente brincou muitas vezes assim na rua de casa.
Até mesmo os torcedores dos outros times gritavam RONAAAAALDO porque assim era muito mais divertido.
Ronaldo fazia defesas plásticas. Tinha uma personalidade igualmente extravagante.
Sua ousadia como goleiro tinha uma correspondência proporcional à sua atitude dentro e fora de campo.
Ronaldo era o mais corinthianos dos jogadores dentro de campo. Alguns chegavam, outros iam embora. Mas o goleiro Ronaldo estava lá, como uma âncora fixada nas raízes alvinegras.
Seja quem fosse o candidato a ídolo corinthiano, tinha primeiro que acertar suas contas com o Ronaldo. Ele era o dono de todas as panelas.
Lembro que o Ronaldo era muito criticado por ser passional. Um goleiro deveria ser mais frio e menos suscetível às angustias próprias dos torcedores.
Particularmente, acredito que esta paixão que o Ronaldo carregava dentro do peito era o combustível que tornava possível ele ter se tornado o craque fora de série em sua posição. As bolas impossíveis que ele defendia só podiam mesmo ser alcançadas por alguém que desprezasse a razoabilidade, a prudência e a parcimônia.
Quando o Ronaldo saiu do Corinthians - ou melhor, quando saíram com ele - o goleiro nunca mais se encontrou na profissão.
Até porque, ser goleiro do Coringão não era profissão para o Ronaldo. Outrossim, uma espécie de predestinação.
Alguns conhecedores e estudiosos do futebol sustentam que um bom goleiro deve ter, necessariamente, uma das duas características, diretamente opostas. Ou o bom goleiro é um xarope da cabeça, folgado, espaçoso, irritante e irreverente, ou o bom goleiro deve ser absolutamente tranquilo e indiferente.
Se o Ronaldo Giovanelli se enquadrava indiscutivelmente no primeiro tipo, o Cássio parece pertencer ao segundo tipo básico de goleiros craques.
Com uma aparência esquisitona, composta por um queixo proeminente ao extremo e olhos arregalados, Cássio parece adotar uma postura blazé diante das dificuldades tão comuns ao universo dos goleiros.
O Cássio é corajoso.  Não mostra seu ponto fraco e sequer demonstra insegurança aos seus oponentes.
O cara é um gigante.
E aquela bola defendida no segundo tempo das quartas de final da Libertadores contra o Vasco da Gama?
Foi uma defesa de RONAAAAAAALLLLDOOOOOO!!!
Mas quem estava lá era o Cássio.
Os dois nasceram em datas próximas. Ambos fizeram aniversario esta semana.
Ronaldo e Cássio são uma espécie de duas faces da mesma moeda.
Possuem personalidades complementares e estão em perfeita simetria.
Não há duvidas que a aparente tranqüilidade do Cássio pode ser muito importante para equilibrar a temperatura do caldeirão corinthiano sempre em ebulição.
Dá uma certa segurança ao torcedor olhar para o Cássio tranquilão em momentos de absoluto pavor na arquibancada. A gente fica com aquela sensação: "Calma, que está tudo sob controle!".
Ronaldo era o retrato daquele Corinthians desbravador, gigante como instituição, mas ainda repleto de precariedades. 
Ronaldo pegou a virada do Corinthians da Zona Leste (com muito orgulho) para o Corinthians ambicioso, seguro de si e da sua história, para fazer com que o povão humilde acredite mais em si mesmo, jogando de igual  para igual (sem complexos) com qualquer adversário do planeta.
Precisávamos de uma figura irreverente como a do Ronaldo, para nos tornarmos mais insubordináveis.
O Cássio representa essa nova fase. O Corinthians seguro, apto a ocupar posição de liderança no cenário mundial, mas sem perder a conexão espiritual com sua gente.
Ainda que atrasado, feliz aniversário aos dois.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Venceu Obama ou Perdeu Romney? A derrota do discurso neoliberal





Dos países ricos em crise, Barack Obama foi o único presidente que conseguiu se reeleger para mais um mandato.
Nos demais países do “centro”, os governantes foram substituídos por seus opositores.
Exceto no caso da Grécia e da Itália, onde houve uma escancarada intervenção do mercado no processo decisório, com o intuito de manter a “ordem” das coisas.
Não por acaso, Obama foi também o único dos governantes que assumiram depois da crise de 2008, que tentou estabelecer reformas no modelo econômico, ainda que parciais e insuficientes.
No caso do presidente estadunidense, as reformas ficaram mais restritas ao discurso político (não que isso seja pouca coisa nos EUA), já que Obama não conseguiu reunir condições políticas para promover as transformações tão esperadas pelos milhões de desempregados e endividados.
Obama bem que tentou agir na raiz do problema, aumentando a capacidade do Estado de ordenar a economia e regular o sistema financeiro. Buscou também intervir com políticas públicas que reforçariam o papel redistributivo do Estado, como no caso da reforma da saúde, por exemplo. A idéia era fazer com que o Estado minimizasse as injustiças sociais com serviços públicos universalizados.
O que Obama queria era restaurar o capitalismo de escala dos Estados Unidos da América. Recuperar o poder de compra da classe média e fortalecer o mercado interno. Aumentar os investimentos do Estado, suprindo a retração da demanda privada, gerando empregos e estabelecendo um círculo virtuoso (produtivo) na economia.
O presidente sabe que o Estado deveria depender menos do capital especulativo e aumentar sua capacidade produtiva.
Mas Obama foi acusado de “socialista” pelas bestas neoliberais. Uma geração de economistas “planilheiros”, forjada no mercado financeiro, absolutamente incapaz de compreender como os Estados Unidos se consolidaram na maior potência econômica mundial hegemônica, instaurando um capitalismo em que o Estado era o indutor do desenvolvimento econômico, apoiado em uma classe média vibrante e empreendedora, com políticas públicas econômicas que favoreciam, através do crédito e do investimento público, o bem-estar social. E como a base da liderança norte-americana na geopolítica internacional se impulsionou com investimentos públicos e fomento das atividades produtivas dos países de seu bloco.
Ocorre que o Mercado (com M maiúsculo) seqüestrou a política dos Estados, interferindo nos processos decisórios para além de todos os limites e moldando a economia mundial segundo seus interesses.
Qualquer processo de transformação econômica séria deve ser antecedido inevitavelmente por um processo de reorientação das hegemonias políticas locais.
Logo, esta crise econômica mundial é, antes de tudo, uma crise política global.
As grandes potências estão naufragando. Por hora, isto se reflete tão “somente” nas crises sociais, com desemprego, endividamento e empobrecimento das populações. Porém, no médio e longo prazo, a quebra dos Estados – em benefício de todas as garantias de lucros exorbitantes do Mercado – se refletirá na perda de competitividade dos Estados no sistema interestatal, incluindo o financiamento de suas máquinas de guerra.
Por isso, as eleições recentes, em especial a dos Estados Unidos, merecem atenção especial.
Como os países ricos irão se comportar para manter suas posições estratégicas no campo internacional?
Devemos esperar novas guerras como repetição da prática histórica dos países ricos, espoliando e pilhando as riquezas dos países periféricos para garantir o sustento de suas máquinas de guerra?
Arrisco a dizer que este tipo de empreendimento é cada dia mais improvável.
As populações (opinião pública) perceberam que tem muito a perder e absolutamente nada a ganhar.
O indivíduo do século XXI não está disposto a abrir mão de seu bem-estar econômico e social para financiar aventuras de guerra, em nome de uma vitória nacional. Ainda mais porque os vitoriosos, inevitavelmente são os ricos e poderosos que no final das contas aumentarão seu potencial de opressão sobre as populações, cada dia mais esmagadas.
Se no campo ideológico, os grandes meios de comunicação ainda vendem a idéia de que os Estados empobreceram financiando os benefícios sociais dos indivíduos, as pessoas já perceberam e saem às ruas todos os dias para denunciar que o endividamento dos Estados nada mais é do que o confisco do dinheiro público para o pagamento do rombo dos grandes especuladores. Que o dinheiro injetado nas bolsas (sacado dos cofres públicos), com o argumento de “tranqüilizar os mercados” é a crônica de uma tragédia anunciada. As populações já perceberam que a imprensa mente! Que ela é parte integrante do mesmo projeto de rapinagem das poupanças dos trabalhadores.
Se a vitória de Obama não encheu de esperanças sequer os eleitores mais crédulos, a derrota de Romney foi sim significativa.
Romney começou a perder estas eleições quando foi filmado em uma reunião com magnatas zombando dos milhões de americanos que “dependem do governo”.
Disse Romney:
"Há 47% que estão com ele (Obama), que são dependentes do governo, que acham que são vítimas, que acham que o governo tem responsabilidade de cuidar deles", disse Romney em imagens que vazaram na internet. Romney disse ainda que não cabe a ele "preocupar-se com essas pessoas. Nunca vou convencê-las de que elas devem ter uma responsabilidade pessoal e por suas próprias vidas".
 
Qualquer semelhança com o ideário neoliberal ainda fértil na direita brasileira não é mera coincidência.
É difícil entender, porém, que em pleno século XXI ainda se discute a importância do Estado para redistribuição das oportunidades.
Os que não possuem o sentido de solidariedade humana, ao menos poderiam ser mais pragmáticos e perceberem que será impossível alcançar a paz social e o progresso econômico, com um contingente populacional marginalizado e sem acesso aos elementos básicos que garantam o bem estar social.
Os que não se importam com as garantias de dignidade humana, ao menos poderiam se preocupar com um mercado consumidor vibrante. Com a população mais pobre tendo acesso aos bens de consumo, impulsionando a economia, garantido emprego, produção e arrecadação de impostos.
Aliás, os pobres que dependem do governo recebem uma parcela de ajuda muito insignificante.
Quem depende mesmo do governo são os grandes magnatas que recebem em suas veias trilhões de dólares de ajuda estatal para acalmarem os especuladores e continuarem a perseguir e despejar os endividados.
Numa só noite, George Bush entregou 700 bilhões aos magnatas das bolsas.
Obama completou o serviço ao longo de seu governo. Ajudou os banqueiros, mas não os endividados que perdem todos os dias as suas casas para os banqueiros.
A infeliz declaração de Romney foi decisiva para sua derrota. E a derrota de Romney representa também a derrota do discurso neoliberal.
Nos quatro cantos do mundo este discurso entrou em parafuso. Não dá mais para dizer que o Estado não deve regular o mercado e que este se encarregaria de distribuir oportunidades em cascata para o conjunto das populações.
Se o mundo vive a pior crise das últimas décadas é por conta da falência deste modelo que nada mais tem a oferecer à humanidade.
O modelo está podre. Não há mais dada o que fazer pelas economias.
Agora, tudo é uma questão política. A crise é política. É preciso derrotar este projeto para que a humanidade siga o seu caminho.
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Aproveito para divulgar o blog do meu amigo Nicolas Chernavsky
Ele faz uma análise muito apurada das principais eleições do mundo.
Vale muito a pena acompanhar.
No vídeo abaixo, segue um vídeo com sua análise muito atenta sobre as eleições dos EUA.
Abraços

 http://www.culturapolitica.info/

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Faltou Garganta



Um lindo domingo de sol no Pacaembu.
Um dia perfeito para ver o Coringão do nosso Coração, o bão!
O quarto título brasileiro chagava rapidamente. Para irritação geral dos “razoáveis” de plantão.
O sucesso do Corinthians é algo insuportável para alguns. Demoramos décadas para conquistar um título nacional e mesmo assim incomodávamos demais.
Não esqueço de quando eu era moleque. Os “antis” diziam que o Corinthians não tinha patrimônio. Que até mesmo a Portuguesa tinha mais patrimônio do que a gente, já que a sua propriedade no Canindé, mais próxima do Centro, valeria mais do que a Fazendinha e seu precário estádio. Aliás, até o Juventus tinha mais patrimônio que o Corinthians.
Pode parecer estranho, mas até alguns anos atrás, o patrimônio de um clube se resumia à suas propriedades imobiliárias e os passes de alguns jogadores. Ninguém falava em “valor da marca” e potencial de consumo da torcida.
Pois os tempos mudaram, e o Corinthians se tornou um investimento interessante para todo tipo de investidores. Os sérios e os aventureiros.
Mas o fato é que o maior patrimônio do Corinthians é (e sempre foi) a sua torcida. E no nosso caso isso não é mera retórica.
Isso possibilitou que em 2005, tivéssemos um time recheado de craques. Uns bons e outras malas que preferimos esquecer.
Mas o grande ídolo era Carlitos Tevez.
O cara veio parar no Corinthians meio por acaso. Um presentinho para amolecer a torcida e facilitar as coisas pro lado do Kia. Mal sabia ele que seu maior erro era ter confiado no Dualib. Mas essa é uma outra história.
Acontece que o Tevez se identificou rapidamente com a gente corinthiana.
Maloqueiro, favelado, lutador, habilidoso, perseguido e com grande espírito de superação. Tudo a ver com o Corinthians.
A chegada de Tevez por um valor milionário causou um incômodo absurdo nos adversários. E para desespero geral ele foi o grande destaque naquele ano de 2005.
Dia 6 de novembro era dia de Corinthians x Santos.
De todos os anticorinthianos, ninguém odeia mais o Corinthians do que o Santos.
O santista sabe que simplesmente não existiria sem o Corinthians. Até mesmo o Pelé só virou rei “se fazendo” em cima do Corinthians. Tempos difíceis aqueles.
O santista odeia tanto o Corinthians que chega até mesmo a torcer para Palmeiras ganhar, só para ver o corinthiano ficar puto. Não foram poucas vezes que ouvi alguns santistas dizendo que o Palmeiras era simpático (eca) e que gostava de ver o clube alviverde vencendo suas partidas para que os corinthianos não ficassem tão cheios de si.
Portanto, é uma delícia vencer o Santos! Eles querem morrer...
Corinthians x Santos, para mim, é o segundo clássico mais importante do estado de São Paulo. Tem muita tradição. Só não supera o Corinthians x Palmeiras.
Naquele dia foi difícil chegar ao Pacaembu. Tudo lotado. Procuramos um lugar para sentar. Um senhor muito simpático pulou três cadeiras para a direita, desta forma foi possível todos os nossos amigos se sentarem um ao lado do outro. Agradeci e fiz algum comentário relativo jogo daquela tarde. O senhor me mostrou uma faixa que cobria seu pescoço. Depois abriu a boca e apontou seu indicador para dentro, fazendo sinal de negativo com o dedo. Não tinha mais suas cordas vocais. Apontou novamente para seu pescoço e fez um sinal com os dedos indicador e médio como se fosse uma tesoura, querendo dizer que sofreu uma cirurgia.
Mas a cada lance daquele jogo era possível compreender com clareza seus comentários. Seus olhares e gestos valiam mais do que mil palavras.
Como companhia, o velho carregava um radinho de pilha.
As pessoas se lembram do sete a um, mas se esquecem que o jogo não começou fácil.
Depois de uma tabela com Tevez, Rosinei recebeu a bola de frente para o gol e abriu o placar para o Corinthians.
Mas logo em seguida, o Santos empatou.
Tevez foi para a grande área e colocou novamente o Corinthians em vantagem.
Euforia no Pacaembu. Abracei o velho e ele olhava fundo nos meus olhos querendo dizer: “Vamos ganhar essa porra”. Suas sobrancelhas estavam comprimidas e ele estava muito concentrado.
Alguns santistas dizem que o time entregou aquele jogo para o Corinthians. Deveriam avisar isso para o Marinho, zagueiro corinthiano que ofereceu uma bola fácil, obrigando grande defesa de Fábio Costa.
Todo mundo estava apreensivo. Fazia tempo que o Corinthians não vencia o Santos que vinha em grande fase, ainda com um residual de escárnio pelo título de 2002 e as pedaladas do Robinho.
Fomos para cima. Aos trinta e seis minutos do primeiro tempo, Carlitos recebeu a bola na grande área. Com surpreendente noção de espaço e distância, girou o corpo e colocou com simplicidade no fundo do gol santista. Três a um já no primeiro tempo. A vitória estava próxima. O título certamente chegaria.
Na televisão, Galvão Bueno lamentava: “deixaram o Tevez dominar”!
O Santos voltaria mais forte no segundo tempo?
O que se viu foi um massacre Corinthiano.
Os gols foram surgindo um atrás do outro. A verdade é que o Corinthians perdeu outros tantos. Poderia ter sido uma vitória de dez ou onze a um. Quem sabe?
Fizemos sete. Três gols de Tevez, dois de Nilmar, um de Rosinei e outro de Marcelo Mattos, de falta, no final da partida.
Foi um jogo para gritar do começo ao fim. E o que não sai da minha cabeça é o velho que tinha perdido sua voz.
Com sete gols numa partida, representando um castigo tão esperado pelos corinthianos, aquele senhor não podia gritar.
A cada gol eu o abraçava. Ele fazia gestos. Em vários momentos ele chorava. Enxugava suas lágrimas, respirava fundo e logo tinha de se levantar novamente para pular.
Ele socava o ar. Cerrava os dois punhos com força. Dava tapinhas no pescoço e sorria para mim. Dava palmadas ao vento simulando uma surra desmoralizadora.
Ao final da partida nos cumprimentamos com carinho. Adquiri um profundo respeito e compaixão por aquele velho corinthiano.
Que jogo!
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Rafael Castilho