sábado, 24 de novembro de 2012

Sobre Ronaldo e Cássio. Dualidade alvinegra.

A rua de asfalto era igual ao gramado do Pacaembu.
Quem ficava sentado na calçada era a torcida.
A velha que furava as bolas que caiam em seu quintal era a PM.
O portão de ferro era o gol.
O centroavante com o tampão do dedo já estourado e o calcanhar quase em carne viva se prepara para o chute.
O goleiro atento, com seus reflexos apurados.
Lá vem o chute. Correu, bateu...
RONAAAAAAAAAALDOOOOOOO!!!
Gritou o goleiro imediatamente após realizar a defesa.
Quem tem mais ou menos trinta anos hoje em dia certamente brincou muitas vezes assim na rua de casa.
Até mesmo os torcedores dos outros times gritavam RONAAAAALDO porque assim era muito mais divertido.
Ronaldo fazia defesas plásticas. Tinha uma personalidade igualmente extravagante.
Sua ousadia como goleiro tinha uma correspondência proporcional à sua atitude dentro e fora de campo.
Ronaldo era o mais corinthianos dos jogadores dentro de campo. Alguns chegavam, outros iam embora. Mas o goleiro Ronaldo estava lá, como uma âncora fixada nas raízes alvinegras.
Seja quem fosse o candidato a ídolo corinthiano, tinha primeiro que acertar suas contas com o Ronaldo. Ele era o dono de todas as panelas.
Lembro que o Ronaldo era muito criticado por ser passional. Um goleiro deveria ser mais frio e menos suscetível às angustias próprias dos torcedores.
Particularmente, acredito que esta paixão que o Ronaldo carregava dentro do peito era o combustível que tornava possível ele ter se tornado o craque fora de série em sua posição. As bolas impossíveis que ele defendia só podiam mesmo ser alcançadas por alguém que desprezasse a razoabilidade, a prudência e a parcimônia.
Quando o Ronaldo saiu do Corinthians - ou melhor, quando saíram com ele - o goleiro nunca mais se encontrou na profissão.
Até porque, ser goleiro do Coringão não era profissão para o Ronaldo. Outrossim, uma espécie de predestinação.
Alguns conhecedores e estudiosos do futebol sustentam que um bom goleiro deve ter, necessariamente, uma das duas características, diretamente opostas. Ou o bom goleiro é um xarope da cabeça, folgado, espaçoso, irritante e irreverente, ou o bom goleiro deve ser absolutamente tranquilo e indiferente.
Se o Ronaldo Giovanelli se enquadrava indiscutivelmente no primeiro tipo, o Cássio parece pertencer ao segundo tipo básico de goleiros craques.
Com uma aparência esquisitona, composta por um queixo proeminente ao extremo e olhos arregalados, Cássio parece adotar uma postura blazé diante das dificuldades tão comuns ao universo dos goleiros.
O Cássio é corajoso.  Não mostra seu ponto fraco e sequer demonstra insegurança aos seus oponentes.
O cara é um gigante.
E aquela bola defendida no segundo tempo das quartas de final da Libertadores contra o Vasco da Gama?
Foi uma defesa de RONAAAAAAALLLLDOOOOOO!!!
Mas quem estava lá era o Cássio.
Os dois nasceram em datas próximas. Ambos fizeram aniversario esta semana.
Ronaldo e Cássio são uma espécie de duas faces da mesma moeda.
Possuem personalidades complementares e estão em perfeita simetria.
Não há duvidas que a aparente tranqüilidade do Cássio pode ser muito importante para equilibrar a temperatura do caldeirão corinthiano sempre em ebulição.
Dá uma certa segurança ao torcedor olhar para o Cássio tranquilão em momentos de absoluto pavor na arquibancada. A gente fica com aquela sensação: "Calma, que está tudo sob controle!".
Ronaldo era o retrato daquele Corinthians desbravador, gigante como instituição, mas ainda repleto de precariedades. 
Ronaldo pegou a virada do Corinthians da Zona Leste (com muito orgulho) para o Corinthians ambicioso, seguro de si e da sua história, para fazer com que o povão humilde acredite mais em si mesmo, jogando de igual  para igual (sem complexos) com qualquer adversário do planeta.
Precisávamos de uma figura irreverente como a do Ronaldo, para nos tornarmos mais insubordináveis.
O Cássio representa essa nova fase. O Corinthians seguro, apto a ocupar posição de liderança no cenário mundial, mas sem perder a conexão espiritual com sua gente.
Ainda que atrasado, feliz aniversário aos dois.

2 comentários:

  1. Excelente!! Quando eu era moleque, acha o Ronaldo mais importante que o Neto naqueles anos do Corinthians - e acho que muita gente (a maioria não corinthianos, é verdade) que fala que o título de 90 só tinha o Neto como craque esquece de quantas defesas milagrosas, algumas inexplicáveis, o Ronaldo fez quando o Timão foi praticamente bombardeado no Mineirão, na Fonte Nova e no primeiro tempo da segunda final. O Cássio é um goleiro tipo Dida, alto, frio, não sei se pega penaltis (ainda não teve muitas chances, parece que pegou um esse ano e tal), mas achei bastante adequada a relação entre como os goleiros refletem os momentos em que o clube viveu.

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  2. Belo texto, como sempre!
    E isso comprova a tese de que grandes times, esquadrões campeões, começam por grandes goleiros, autênticas muralhas.
    Trazendo isso para o nosso universo alvinegro, lembro que os esquadrões corinthianos que se consagraram contavam também com grandes arqueiros: Ronaldo, o Extrapolado; Dida, o Inabalável; Fábio Costa, o Louco; e agora, Cássio, o Gigante.
    Pelo menos estes foram os que tive oportunidade de acompanhar, mas certamente existem outros do passado que honraram a camisa 1 do Coringão!

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