terça-feira, 7 de abril de 2015

Não Sonho com a Redução da Idade Penal



Não sonho com a redução da idade penal.

Sonho com a criançada em boas escolas de tempo integral, com três refeições diárias, uniformes bonitos, instalações adequadas e modernas, meio período de aula e outro com práticas esportivas, atividades extracurriculares, inglês, francês, judô, natação, informática. Tudo o que a molecada tiver afim. Pra no final do dia o menino chegar em casa cansadão, sem condições nem interesse pra consumir o veneno enlatado de cada dia na televisão. Pra não se preocupar com as intrigas dos adultos. Pra não receber uma injeção diária de frustração e de maldade. Ser uma criança feliz e cuidada pra no futuro devolver só coisas boas para o país e para o mundo em que vive.

Não quero ver os meninos no presídio de Presidente Epitácio.

Melhor mesmo é essa galerinha em sala de aula e na pista de atletismo. Numa escola bem chique, no coração de sua comunidade, pra ser feliz na favela onde nasceu. Em bairros urbanizados, com ruas bonitas e calçadas pra galera passear. Com saneamento básico e sem aquele esgoto fedorento trazendo os ratos pra dentro de casa. Com uma pracinha simples, porém simpática, onde a criançada possa brincar no parquinho, os velhinhos jogarem dominó e a rapaziada fazer aquele samba.

Não quero a criançada sendo “cliente” da polícia nem do carcereiro.

Melhor mesmo é gerar emprego para professores valorizados. Bem qualificados e bem remunerados. Estimular o crescimento e desenvolvimento econômico a partir da educação, não através da construção de novos presídios. Quero ver a molecada sair da escola podendo ingressar num emprego decente. Ter uma carteira profissional. Uma carteira de identidade, CPF, Título de Eleitor, Passaporte, conta corrente, caderneta de poupança. Tudo direitinho. Servir ao seu país, sendo parte integrante de uma energia transformadora e inclusiva, não marginalizados e sem perspectiva nenhuma para o futuro, encontrando no crime a única possibilidade de reconhecimento e “respeito”.

Não gostaria de ver as mães sendo abusadas ao visitarem seus filhos na cadeia.

Queria mesmo é viver num país menos racista. Que ao menos fosse capaz de reconhecer o racismo como um instrumento de prolongamento da escravidão e um sistema sofisticado para excluir o povo negro dos melhores cargos, dos melhores bairros, das melhores festas, das melhores universidades e fazê-lo morrer aos poucos (ou aos muitos) em chacinas e genocídios nas quebradas das grandes cidades. Que a cadeia não fosse o “destino destinado” aos negros e o condomínio fechado para muitos dos criminosos de grife que quase sempre ficam impunes.

Não quero que os jovens entrem cada dia mais cedo para as “universidades do crime” que são as cadeias do Brasil.

Melhor seriam universidades de verdade. Universidades públicas. Que a molecada possa continuar a ser craque de bola, mas que também possa ser craque nos estudos, em pesquisas, em laboratórios, bibliotecas. Na verdade, eles são craques de bola porque é aquilo o que eles tem a disposição. Porém, com os instrumentos do conhecimento, podem revelar cada vez mais o potencial criativo e humano do povo brasileiro.

Não sonho com uma criançada crescendo com medo do Estado.

Sonho com um Estado mais presente na vida das pessoas, com menos repressão e mais infraestrutura urbana e social. Com saúde, educação, transporte e trabalho digno.

Não queria a molecada ouvindo aquela bosta de “Funk Ostentação”.

Que eles ouçam sim o funk, o rap, o forró, o punk rock. O que der na telha. Mas que um dia deixemos de ser essa sociedade estúpida baseada no prestígio. Onde desde cima da pirâmide você vale o que você tem, não o que você é. Uma sociedade que ensina ao jovem que você pode passar por cima do amigo, do irmão, dos pais, do colega. Que você pode ser o maior cafajeste do mundo. Mas não pode passar a maior vergonha do mundo que é fica fora do camarote. Ser um pobre fodido. Que não prometamos aos jovens o que eles simplesmente não precisam alcançar. Que nem motos, nem carros, nem celulares e nem aquela porra de tênis horroroso que custa mais de mil reais podem ser “crachás de pertencimento” mais valiosos do que o conhecimento e a fé em si mesmo.

Não quero a molecada sofrendo de desilusão e tristeza.

Que as famílias não se esfacelem diante das exigências absurdas que esta sociedade consumista impõe. Que não se acabem nas drogas e no álcool. Que as meninas encontrem rapazes educados, respeitosos, decentes e justos. Que nenhuma religião ou seita possa limitar a capacidade da juventude se amar. Que se amem da maneira que queriam e com quem queiram. Sem culpa. Sem dogmas. Com liberdade. Fazendo tudo direitinho. Cuidando da saúde pra poder se amar sempre.

Que a molecada morra de amor, não de bala perdida ou achada. Que se encontrem em lindos olhares e sorrisos. Que planejem suas famílias. Que as meninas possam conhecer a universidade antes da gravidez. Que viagem pelo mundo. Que conheçam novos modelos de sociedades menos injustas e desiguais. Que se encorajem a construir um Brasil mais lindo e menos cruel. Que vivam a vida. Que sejam livres! Que multipliquem o amor!

E que assim estejam muito longe da prisão.

Vamos receber algo muito mais bonito e grandioso no futuro se não matarmos nossos jovens na masmorra.