quarta-feira, 11 de maio de 2016

O dia que vale por décadas de atraso





Este é o dia que vale por trinta anos. Três décadas de retrocesso.

A redemocratização do Brasil era até então uma história de sucesso. O país melhorou sob todos os aspectos após o final da Ditadura Civil-Militar (1964 – 1985). Ainda que nas últimas três décadas tenhamos taxas absurdamente baixas de crescimento econômico, o Brasil aumentou sua importância relativa na geopolítica internacional e também sua importância econômica global. Os índices de desenvolvimento social foram muito superiores às décadas anteriores, sejam eles no acesso à educação fundamental ou ao ensino superior. Na expectativa de vida, na redução da mortalidade infantil. Na prestação dos serviços públicos. Na estabilização da moeda e na redução da miséria extrema.

Aos trancos e barrancos, no fundamental o Brasil ia bem. Sem superar totalmente as injustiças históricas, sem uma estratégia definida de desenvolvimento econômico e social, sendo reflexo da negociação entre os grandes interesses econômicos e as pressões sociais e políticas que ganhavam força e acúmulo, mas estávamos encontrando nosso caminho.

O mundo passou a enxergar o Brasil como uma potência emergente. Nos reposicionamos de maneira muito interessante na política externa. Ganhávamos o respeito e despertávamos o interesse de quem investia pensando no futuro.

Mas jogamos agora tudo na lata de lixo onde se depositam os livros de história que não serviram para nada.

Com todos seus problemas internos, o Brasil tinha algo que era uma espécie de trunfo para ser considerado uma aposta de futuro. Tínhamos estabilidade política. Uma democracia moderna, repleta de distorções (que agora se revelam como nunca), porém não haviam rupturas drásticas e a ameaça de convulsões políticas e sociais. As instituições democráticas trabalhavam todas livremente. O voto livre e secreto tornou-se universal e o resultado das urnas respeitado.

Já que a direita liberal gosta tanto de falar em “atrair investimentos externos” ou “ambiente de negócios”, vale fazer algumas reflexões.

Tal “ambiente de negócios” certamente não será mais o mesmo daqui por diante.

O fato de o Brasil ser uma democracia estável e até mesmo o fato de um operário metalúrgico ter se tornado presidente, sem que houvesse rupturas no processo político, certamente era decisivo para quem decidiu investir no país.

A direita liberal, com a sanha privatista que possui, deveria fazer uma reflexão. Em geral, os contratos de concessão envolvem duas ou três décadas. A confiança na estabilidade política é decisiva para um “ambiente saudável para os negócios”.

No governo do PT não houve ruptura de um só contrato que este país tenha assinado, ainda que alguns desses contratos tenham sido assinados de maneira espúria na calada da noite. Ainda que para desapontamento das forças políticas de esquerda, todos os acordos foram mantidos. Isso, sem dúvidas, foi de grande estímulo para os investimentos diretos.

No governo do PT houve permanente compromisso com a estabilidade da moeda. Ainda que tenhamos em algum período ligeira alta da inflação – por decisões políticas que também geraram ganhos para o país – não houve descontrole. A inflação foi compatível com os números do Governo FHC, por exemplo.

Ainda que existam interpretações diferentes sobre o papel do Estado na condução, regulação e orientação da atividade econômica privada. Ainda que os liberais sintam-se em condições de “acusar” o governo de intervencionista e interpretar livremente os resultados da atuação do Estado nos resultados econômicos, segundo a visão de mundo que dispõem, não há como dizer que este governo tenha inibido ou se apropriado dos ganhos do setor privado. Todo mundo trabalhou livremente. E ganhou dinheiro.

Houve plena liberdade de imprensa (inclusive liberdade de conspiração). Houve liberdade política. Liberdade de manifestação. Não houve aparelhamento de nenhuma instituição. Não houve mudança na Constituição! Lula não pleiteou um terceiro mandato. Dilma não foi apenas eleita. Foi reeleita pela maioria da população que, mesmo sob o efeito da crise econômica que se iniciava, fez o seu balanço e em sua consciência livre optou por mais um mandato à presidenta. Preferiu Dilma e negou eleger o candidato da oposição, talvez por entender que o que estaria por vir (e agora insiste em surgir), seria uma agenda muito mais crítica e danosa para a população mais pobre.

Quem acreditará que após o Golpe haverá confiança, reconhecimento e estabilidade no próximo governo, se justamente o governo eleito democraticamente foi destituído?

Quem acreditará que o resultado das próximas eleições será respeitado, quando não houve respeito ao voto de cinquenta e quatro milhões de brasileiros, não por acaso, em sua grande maioria, da camada mais pobre da sociedade?

Quem não irá acreditar que retrocederemos a um ciclo de golpes, contragolpes, golpes nos contragolpes, canetadas, tapetadas, carteiradas e assim por diante? Quem desejará investir (me refiro a investimentos sérios) num país assim?

Quem confiará que os contratos serão cumpridos em longo prazo, quando o maior contrato de todos não foi respeitado?

Qual capitalista não sentirá pavor de um próximo governo de esquerda (e sim, estejam certos que ele virá), quando se sabe que mesmo cumprindo todos os acordos, contratos e respeitando os lucros indecentes dos grandes bancos, frutos menos de seus méritos administrativos, mas de uma política de juros promíscua e perniciosa, este governo foi premiado com um Golpe tramado pelo o que há de mais sujo na política brasileira?

Quem acreditará que somente a força policial, a repressão e os crimes de Estado serão suficientes para garantir estabilidade para os “negócios”, quando mesmo os regimes mais detestáveis do mundo não suportaram ao desejo de liberdade de seu povo?

Por fim, qual investidor deste país não sentirá a ausência de um líder político capaz de mediar os grandes interesses das elites, negociando com as demandas sociais em suas diferentes expressões. Sendo que tais demandas não são de nenhum partido ou movimento social, mas de uma população que carrega o peso de séculos de escravidão, exclusão, miséria e abandono? O que fazer quando esse líder que consegue realizar esta mediação social é colocado na cadeia e na ilegalidade política?

Evidentemente, esta é uma derrota dos trabalhadores mais pobres do Brasil. A agenda que será imposta é de desregulação dos direitos e garantias, arroxo, desemprego, recessão e também repressão política.

Mas a luta social é uma necessidade permanente e cotidiana do povo trabalhador. Não há folga. A repressão acontece todo dia nos esculachos diários nas periferias. Nada de novo.

O comodismo político é um luxo que não deveria fazer parte do cotidiano do povo trabalhador. Quando este ocorre, inevitavelmente significa perda e mais submissão. O comodismo e desatenção política se convergem e rápidas e contundentes derrotas.

A parcela mais pobre da população certamente será sacrificada. Porém, o prejuízo histórico não estará restrito aos pobres.

A ambição desmedida. O ressentimento político. O preconceito. A tolice. Tudo isso custará muito caro ao Brasil.

Por hora, é interessante ver como a mentalidade escravocrata e precarização do capitalismo arcaico brasileiro se convergem num atraso que se precipita à política e ao Estado.

A política brasileira, refletida nesse Golpe é a cara da nossa elite: burra, atrasada, cafona, intolerante, egoísta e com uma visão muito estreita e limitada do que está por vir.

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