Seu passado é uma bandeira, seu presente é uma lição.
Essa frase do Hino do Corinthians não é algo banal. Não foi
colocada por um acaso no meio da letra, no meio da canção.
Quando dizemos que o passado do Corinthians é uma bandeira,
damos a justa medida da importância histórica da nossa amada instituição. Não
somos somente um time de futebol. Somos uma bandeira a ser hasteada nos
momentos de glória e também nos momentos mais importantes da nossa história.
Significa que somos um símbolo, uma representação, um instrumento, uma força.
Significa que nosso passado é a maior indicação de quem somos.
Como o hino foi composto por Lauro D’Ávila em 1952, o
passado ao qual ele se referia, era a fundação e formação do nosso Corinthians,
fruto do esforço coletivo de seu povo que construiu o clube de futebol mais
relevante, importante e original do mundo.
Certamente, entre outras coisas importantes na nossa
formação, Lauro olhava para eventos como a mobilização de seus associados e
torcedores para enfrentamento da crise da Gripe Espanhola, há um século. Embora
a gripe não fosse necessariamente espanhola, o Corinthians sempre teve a
participação efetiva da comunidade espanhola na Cidade de São Paulo que adotou
esse clube como seu. Até porque, eles não tinham um grande clube como
instrumento de representação àquela altura. Muitos eram chamados de sucateiros
ou de carroceiros. Do mesmo modo o Corinthians foi adotado por judeus, árabes,
japoneses, portugueses, retirantes nordestinos, mineiros e todos os povos que
se identificavam com a formação do Corinthians. Com essa bandeira do passado
que se fazia uma lição em seu presente. Hoje somos o clube dos bolivianos,
haitianos, entre tantos refugiados que se equilibram nessa selva de pedra.
Mas por que se faz necessário dizer tudo isso? Para que
recuperar toda essa história? O Corinthians sempre foi o clube dos vulneráveis.
Foi esse povo, fundamentalmente, que construiu o Corinthians. Sempre foi missão
e dever do Corinthians expressar, representar ser uma continuação da história
de vida de sua gente. Aliás, essa gente corinthiana já não vive apenas nas
quebradas ou bairros ricos da Cidade de São Paulo. Vive também nas quebradas e
bairros ricos de diferentes cidades do Brasil e também do mundo. Bom que se
diga, embora muita coisa tenha mudado, ainda estamos mais para as quebradas do
que para os bairros chiques. E mesmo quem subiu na vida, guarda em seu
corinthianismo a marca indelével de que carrega dentro de si a miscelânea do
povo brasileiro.
Pois bem, é esse nosso povo que está morrendo já sem leitos
nos hospitais. Essa nossa gente que tem chorado seus mortos, muitas vezes sem
poder sequer velá-los e se despedir. Esse nosso povo que vive angustiado agora
fazendo orações, pedindo para que seus amores sobrevivam a esse momento. Quem
de nós não viveu a angústia de perder alguém querido? É nossa gente que está
nesse momento em leitos de UTI, entubados, acordando desesperados já sem medicamentos.
Poderia ser cada um de nós, deitado numa maca, imaginando que nunca mais
veremos nossos familiares e nunca mais ver o nosso Coringão jogar.
A questão do enfrentamento à pandemia, não deveria sequer
ser motivo de debates. Não deveria ser coisa de quem é a favor ou contra. A
politização do tema foi um ato criminoso e fatal para a vida de milhares de
pessoas. O enfrentamento dessa crise deveria ser, antes de tudo, técnico, não
motivo de aposta política.
Seu presente é uma lição! Sim, corinthianos, mesmo
convivendo com trancos e barrancos em sua história, mesmo conciliando o atraso
que permeia diferentes momentos do Corinthians, sempre houve espaço para a
renovação, para a transformação, para a inovação, para que o Corinthians seja
efetivamente uma lição para a nossa sociedade.
A interrupção temporária dos jogos é uma necessidade
sanitária. Não são apenas atletas e comissão técnica que se aglomeram e se
deslocam para as partidas de futebol. A chamada “cadeia produtiva”, é composta
por centenas ou até milhares de pessoas, muitas vezes precarizadas.
Sim, seres humanos que precisam trabalhar, que precisam
garantir o sustento de suas famílias, não tenha dúvida que o momento é mais do
que dramático. Porém, nada pode ser mais importante do que a vida. No mais, o
fato de não haver programas sociais excepcionais, ou mesmo programas de apoio
ao empreendedor, que possam atender o volume e necessidade desse momento, não
deveria servir como uma autorização tácita para a guerra pela vida e a morte
entre os seres humanos. Deveríamos perseguir a civilização. O Estado existe
como figura construída pela humanidade justamente para tenhamos um instrumento
coletivo, que atenda aos seus integrantes e evite a guerra de todos contra
todos. Para que não estejam todos jogados à própria sorte, pois os indivíduos e
suas vidas também são parte integrante de uma nação.
O Corinthians pode não ser um Estado. Mas é sim uma nação.
Em que pese a nossa situação financeira desastrosa, e tal
qual as UTI do país, pré colapsada, o Corinthians deveria dar o exemplo e não
jogar o campeonato nessas condições. Isso é um prejuízo histórico e uma mancha
na nossa trajetória. Mais do que a questão sanitária, trata-se se um exemplo,
de uma sinalização para nossa sociedade.
Ano passado fui eleito como conselheiro trienal do Sport
Club Corinthians Paulista. Certamente uma grande honra que espero ser merecedor
e estar à altura da responsabilidade. Justamente por isso, não creio que devo
me omitir numa situação como essa.
No exercício do cargo, encaminho, respeitosamente, ao Sr.
Presidente do Conselho Deliberativo e o Sr. Presidente do Sport Club
Corinthians Paulista este sincero manifesto.
Embora tenha sido eleito por uma chapa de oposição, não
considero que isso seja o mais relevante nesse momento. O presidente vem de uma
família com importância histórica no Corinthians e tem em sua formação a chama
da Democracia Corinthiana. Desejo sorte ao presidente e, sinceramente, deixo de
lado qualquer tipo de disputa política e clamo ao Presidente Duílio que se
sinta apoiado para tomar uma decisão que tem um peso gigantesco, algo do
tamanho do peso que é ser Presidente do Corinthians. Fazer do presente do
Corinthians uma lição!
Certamente não estou só nesse momento e terei outros amigos conselheiros
que se juntarão a mim nesse manifesto.
Caso os jogos continuem, sugiro aos organizadores do evento
que suspendam aquele minuto de silêncio “em respeito às vítimas do COVID”.
Trata-se de um momento que não pode ser entendido de outra forma, senão pela
marca da hipocrisia que, infelizmente, tem marcado nossa sociedade.
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