quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Desde quando somos assim?



Quando foi que nos tornamos  assim?
Uma cidadã de bem, temente a Deus e de boa aparência esgota todas as aspas do mundo para defender em rede nacional que cada um de nós faça justiça com as próprias mãos, contra todos os cidadãos do mal, abandonados por Deus e que não dispõem do fenótipo de boa aparência.
Quem julga? Quem faz a justiça? Cada um de nós, imbuídos do dever cívico dos bons cidadãos, contribuintes, carentes de representação política, expropriados pelo Estado e credores da vingança e ressentimento.
Munidos de garfos, facas, canivetes, revólveres e cadeados. Diplomas, escrituras, jornais, revistas, crachás, certezas, filhos brancos, credenciais, cartões de visita e pulseiras de camarotes vips.
Mais degradante do que assistir a uma crise de verborragia. Mais absurda do que a intenção de um discurso tão feio e violento. É perceber a motivação de tal pronunciamento.
A ambição pelo reconhecimento. A busca do aplauso fácil. A necessidade de buscar as luzes do absurdo para evitar o "pior dos males" que é a escuridão da invisibilidade.
Triste mesmo é saber que um empreendimento desses só se realiza porque encontra fertilidade nas ruas da amargura, com calçadas largas, árvores e troncos disponíveis para o castigo das chibatas.
Quando foi mesmo que nos tornamos assim? Tão tristes e amargos. Tão violentos. Tão empanturrados de intolerância e ódio.
Quando foi mesmo que falar de amor e solidariedade se tornou algo tão abjeto?
Quando foi mesmo que acreditar na construção dos mecanismos de justiça se tornou motivo de apedrejamento e inquisição?
Desde quando os bons cristãos são justamente aqueles que rejeitam o perdão, o amor ao próximo, a solidariedade e a divisão do pão?
Me expliquem, por favor. Teve um dia certo para que eu marque em meu calendário: A partir desse momento nos tornamos bestas amargas. Talvez tenha sido antes de eu nascer. Ou acordei tarde nesse dia. Talvez estivesse viajando. O fato é que eu demorei a apanhar as minhas armas e fechar a minha cara com repugnância. Demorei a esfregar bem o meu colarinho, engomar a minha camisa e perdi o tempo certo para ficar do lado dos bons.
Talvez agora seja tarde. Só me resta a nostalgia das carícias e afagos da minha mãe. Do conforto emocional e a proteção do amor sublime.
Será que já éramos assim? Vou perguntar aos meus pais. Eles ainda estão vivos.
Só me resta sentir saudades das mulheres felizes, com seus vestidos simples e sorrisos fartos. Com seus seios assanhados, pequenos ou grandes, mas livres e soltos. Das roupas confortáveis e poucas maquiagens.
Será que já éramos tão cretinos quando os meninos arrancavam a tampa do dedão do pé jogando bola na rua? Será que as águas que jorravam das torneias ou das velhas mangueiras com as quais as senhoras lavavam a calçada já eram contaminadas? Como elas foram parar nas garrafinhas plásticas azuis?
Será que já éramos tão revoltados, no tempo em que os casais casavam porque se amavam? Naquela época, quando para o matrimônio era necessário apenas um padre, pastor, juiz, sacerdote ou pai de santo? Hoje não se casa sem derramar uma fortuna a olhos vistos. Para que todos saibam que naquela festa inicia-se uma família de bem. Cristã. Que paga seus impostos e exige respeito. Até que o divórcio nos degrade.
Quando foi mesmo que os jovens adquiriram esta expressão fria, arrogante e infeliz? Quando foi que seus pais se tornaram idiotas e seus avós folclóricos frente às verdades enlatadas pelas fábricas da indústria cultural?
Queria saber mesmo. Eu juro. Quando foi que isso tudo começou?
Quando foi que os amantes passaram a se escolher em entrevistas iguais aquelas para avaliação de crédito ou de recursos humanos?
Quando foi que os suores secaram? Quando foi que os cremes e perfumes roubaram os nossos cheiros. Desde quando as salivas deixaram de ser brindadas e passaram a lubrificar as palavras maledicentes?
Quando foi que passamos a comprar a paz em consultórios de psicanálise, escritórios de auto-ajuda empresarial especializada, institutos de hipnose, dinâmicas de grupo, comunidades para-religiosas, etc.?
Não sou nostálgico. Talvez nem seja tão velho assim para pensar mais no passado do que no futuro.
Mas essa epidemia de intolerância, pessimismo e ódio tem mexido demais comigo.
A gentileza se tornou uma atitude altamente subversiva.
Escrevo para minha vida ficar menos ordinária. Para me livrar de algum tumor.
Cada dia é mais difícil ser feliz em meio a tanto individualismo e ódio. E não existe este lugar chamado felicidade, senão na própria integridade.
Não é à toa que o mal do século é a depressão.
E estou certo que quando cada um de nós fecha os olhos e pensa na paz, na alegria e na felicidade, não imagina uma mulher triste, cheia de ódio, ambição e rancor saudando a tortura e o linchamento.
Pensamos em vestidos floridos, em sorrisos largos, no cheiro do mato, na onda batendo, no beijo molhado, no afago e no carinho.
Desde quando passamos a precisar de muito mais do que isso?
Pense e responda você mesmo.



6 comentários:

  1. Onde ela defendeu em rede nacional que façamos justiça com as próprias mãos ? Ela disse ser compreensível o ato dos que amarraram o rapaz ao poste. Todos estão cansados da violência e da omissão do Estado. Esse seu textinho bonitinho que tenta provocar a luta de classes falando em filhos brancos, pobres e blá, já não cola mais. A Rachel está sendo perseguida por você e o pensamento dominante que tomou conta desse país porque ela não reza na mesma cartilha de vocês. Quantos grupos feministas saíram em apoio de Sheherazade quando um suposto filósofo ( da sua turma ) desejou via Twitter que ela fosse estuprada ? Nenhum! A contradição está na existência de vocês. A maioria da população é contra o discurso de vocês. Só falta nega-los agora, nas urnas.

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  2. OFF
    @edson souza, teve uma blogueira feminista que questionou o porque de tanta perseguição a ela enquanto homens que tem o mesmo tipo de pensamento que ela não causam a mesma repercussão.
    FIM DO OFF

    "A gentileza se tornou uma atitude altamente subversiva."
    Poxa, e num é que é verdade? Uma coisa que era automática e agora meu cérebro já precisa raciocinar qual é modo certo de fazer pois os exemplos que víamos diariamente estão ficando mais difíceis de encontrar e todo mundo está de cara amarrada por aí.

    Agradeço pelo texto, hoje estava pensando nisso e algo me sugere que não estamos dando conta de processar tudo o que chega até nós e isso tá deixando todo mundo infeliz. Nenhum embasamento científico, só um "sexto sentido" mesmo. Mas pode não ter nada a ver.

    Outra coisa é embate moral entre esquerda e direita o tempo todo. Qualquer coisa descamba para isso, enquanto as coisas reais estão acontecendo e ninguém se une para nada. Sim, esquerda e direita devem se unir naquilo que é consenso: tipo colocar para funcionar as turbinas eólicas que seguem sem linhas de transmissão. Mas nós estamos perdendo o tempo que não temos comprando toda discussão de bar que aparece.

    Obrigado mais uma vez pelo texto que me fez refletir.
    Abraço!

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  3. Texto sensacional Rafa. E ainda você tem um paciência para responder para quem nenhum argumento será aceito. Continue assim meu brilhante amigo.

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  4. Eu acredito que o grande problema da sociedade hoje é aceitar o que o mercado oferece (inclusive no âmbito ideológico) sem pensar e nem questionar. Viramos produtos. Nascer, crescer, copiar e morrer. Esse é o ciclo. Não é mais necessário pensar. É só gastar da forma como induzem e trabalhar do jeito que mandam. E publicar aquelas frases manjadas ou os vídeos que estão bombando na internet.Tá pronto, não precisa de maiores reflexões.

    É preciso entender que um erro não justifica outro. Compreender e pensar. O fato de um órgão não funcionar não justifica você atribuir a coisa pra si aplicando por aí a Lex Talionis. Concordo com você.

    É difícil encontrar alguém que exponha suas ideias de forma clara e absolutamente direta. Não é preciso concordar com 100% do que você escreve, mas a gente tem que admitir que tem suas palavras têm coerência. É cansativo ver sempre os mesmos clichês sendo engolidos pelas pessoas sem ao menos surtirem nenhum efeito colateral. E o problema é que a maioria nem sabe que engoliu alguma coisa! Se a gente não sabe, fica mesmo difícil sentir o gosto....
    Aqui tem ideia. Por isso que sempre volto aqui.

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  5. Li muitos textos seus passei a tarde lendo e esse foi o último.Sou aluno da Juliana e venho aqui sempre ler sobre o corinthians mas esse seu texto me tocou pq infelizmente nesse mundo o q conta é a aparencia das pessoas q tem dinheiro.A desigualdade social q antes eu so ouvia a Ju falar e falar mesmo eu sendo um garoto pobre nunca tinha sentido na pele talvez pq o meio em q vivo sao todos igual a mim.Mas qdo tenta atravessar pro outro lado somos expulsos feito cachorro.Outro dia fui no shoping e fui seguido desde a hr q eu entrei ate a hr de ser convidado a sair.Sei q foi por causa da minha cor e da minha aparencia de pobre ferrado,mais quem pode nos defender?Eu ando lendo mto sobre essas coisas de preconceito e escrevo tb,a Ju disse q escrever é um belo exercicio pra desabafa e escrever certo.Tenho mtos sonhos e te digo q quem tem um prof como a Ju parece q tudo fica melhor pq ela enxerga alem da nossa alma e confia em nos.O q quero dizer é q enqto eu tiver vida eu vou estudar e me formar lutar por um mundo mais justo pq um diaquero ter filho e ñ quero q ele passe o mesmo q eu.Leio sempre todo dia o texto do vai corinthians pq é um do mais bonitos q ja li. a Ju comprou um notebook no cartão dela pra mim em milhões de vezes mas eu vou pagar todo mês pq eu agora to trabalhando.Ela apenas tirou pq eu ñ tinha como comprar a vista meu avô vai me ajudar a pagar.E aì ela me emprestou o moden da claro q ela ñ usava e agora posso pesquisar tudo q quero eu to adorando.Vou sempre vir aqui.parabens e vai corinthiansssssss

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