segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Um dia depois do golpe



Um dia depois do golpe, surgirão os pedidos infames para que o Brasil esteja unido neste "novo momento de sua história". Do mesmo modo que o Golpe de 64 foi também chamado de "Revolução", haverá aqueles que exaltarão a cruzada do povo brasileiro pela "ética", "valores da família" e grande mobilização "contra" a corrupção.

Um dia depois do golpe, os telejornais estarão mais amenos. Mensagens de otimismo serão lançadas ao longo das programações de tevê. A expressão do âncora do jornal da noite, que hoje é de quem anuncia um futuro de desgraça, se converterá com sorrisos mais descontraídos, um noticiário mais leve, com um acréscimo de otimismo para com nosso futuro.

Um dia depois do golpe, alguns presos não serão mais úteis. Muitos pedirão cautela nas investigações para que não sejam cometidas injustiças.

Um dia depois do golpe não seremos mais tão "intolerantes com a corrupção". Tudo volta ao normal. Os verdadeiros inimigos já não estarão por perto. Quem sempre roubou pode seguir roubando, desde que não seja subvertida a pirâmide social. Quem está em cima pode tudo, quem está embaixo continue onde está.

Um dia depois do golpe, as manifestações de rua não serão mais consideradas o "espetáculo da democracia". Não haverá cobertura em tempo real, convocação durante a programação diária, os horários dos jogos de futebol não serão alterados, a Avenida Paulista voltará a ser considerada um "corredor de hospitais" impossível de ser ocupada. Uma passeata com cem mil pessoas receberá um pequeno flash no Jornal Nacional.

Um dia depois do golpe, aqueles que saírem às ruas serão chamados de revanchistas. Haverá um clamor pela pacificação do Brasil. 

No minuto seguinte ao golpe, as polícias ganharão força. Mais força. Mais poder. A polícia não mais visitará os protestos para tirar uma self. A porrada vai rolar. O coro vai comer.

Um dia depois do golpe, toda a quebra de direitos adquiridos, programas sociais, juros altos ou qualquer outro pacote de maldades serão colocados na conta do PT. 

Um dia depois do golpe, a esquerda se reunirá para fazer um diagnóstico de seus principais erros. Quem estava no frescor do ar condicionado, sem nunca mais ter colocado o pé na rua, dirá que não tem nada com isso. Todos perguntarão perplexos como mais de uma década de governo popular possa ter resultado numa despolitização geral da classe trabalhadora. Outros se perguntarão o por quê de a esquerda ter se eximido de estabelecer discussões e disputar espaço em setores da classe média. Outros contarão por décadas a história do erro político de ganhar a eleição com a força do povo, depois da direita usar as armas mais sujas, e no dia seguinte, usar a agenda econômica do candidato derrotado. 

Um dia depois do golpe se perceberá que a direita não terá os mesmos pudores. Não haverá tanta preocupação com esse verniz de republicanismo. As "alianças" que alguns acreditavam ter com as elites se revelarão funcionais e risíveis. Quem antes acreditava na adulação falsa e mentirosa, despertará já sem nenhum poder. Os puxa-sacos desaparecerão, ficará apenas a ameaça de apodrecer na cadeia.

Um dia depois do golpe a agenda prioritária será botar fim à carreira política do Lula. Não tenham dúvida, ninguém correrá o risco de enfrentar o presidente do povo nas urnas. A direita não será tão condescendente com seus inimigos como o PT foi. Eles sim saberão defender seus interesses.

Um dia depois do golpe, o Presidente dos Estados Unidos dirá que o Brasil é soberano para decidir seu próprio destino e convidará para que em breve o novo presidente seja recebido num café da manhã na Casa Branca.

Cinquenta anos depois do golpe, as televisões e jornais apresentarão novamente seus editoriais envergonhados com o papel que exerceram para interditar o país e facilitar essa operação política. Documentos, outrora confidenciais, revelarão as "intervenções diplomáticas" em algumas das principais instituições brasileiras, que contou com aliados e "facilitadores" muito famosos na época.

Não sei se vai ou se não vai ter golpe. Mas que a internet sirva pelo menos para registrar a posição de cada um diante deste processo em curso. Com todas as minhas ressalvas e críticas à condução deste governo, ainda que na minha insignificância, digo com todas as letras: É GOLPE SIM!

Nenhum comentário:

Postar um comentário