quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Consumidor eleitoral. Está bom pra você?

 

Uma amiga minha me cobrou por demonstrar exagerada satisfação em alguns dos meus textos. Falava eu do futuro da América do Sul na próxima década.
 

Outros amigos também me cobraram pelo otimismo inconsistente demonstrado nas minhas análises.
 

Eu estaria ignorando muitas mazelas e desgraças que ainda fazem parte da vida das pessoas.
 

Isso me fez pensar.
 

A verdade é que normalmente faço análises políticas estruturais. Talvez excessivamente estruturais, é verdade.  

Acontece que a percepção dos indivíduos em seu cotidiano é muito diferente das pesquisas de satisfação e dos índices econômicos torturados nas estatísticas, ao sabor dos interesses de quem pergunta. 

Dizem que estão prestes a elaborar indicadores de felicidade, a fim de medir a qualidade de vida das populações para além dos índices frios muitas vezes destorcidos.

 
Um exemplo disso é quando se mede ao final do ano a popularidade de um governo perguntando ao entrevistado: "como você acha que estará a sua vida no ano que vem - melhor, igual ou pior?".


É muito difícil que alguém responda que sua vida estará pior no próximo ano. Ainda que atualmente ela esteja uma porcaria. Para a maioria das pessoas, responder que sua vida estará pior deve dar no mínimo um batia azar.


Desde que me dou por gente, o governo Lula foi a primeira gestão presidencial em que o presidente sai do Planalto com uma aprovação muito maior do que entrou. Nunca antes na história deste país um presidente saiu consagrado de seu gabinete, e ainda de quebra elegendo sua sucessora.
 

Isto é muito significativo.  

Versar sobre as raízes da popularidade de Lula daria uma ótima tese de doutorado, e não vou aqui tentar resolver a questão em um ou dois parágrafos.

 
Certamente, Lula foi um grande reformista. Conciliador como ele só, soube intuir o limite da disposição do povo brasileiro para rupturas e transformações com a imprescindível manutenção da ordem.

 
Entendo que a grande mudança do Governo Lula está no imaginário da população que pode acreditar mais na sua capacidade de escolha e depender menos de mediadores para dar conta de suas expectativas.

 
Mas se há algo em que Lula falhou foi na "despolitização" da sociedade brasileira, fruto do caráter excessivamente conciliador do ex-presidente.


O eleitorado se converteu numa grande massa de consumidores, satisfeitos ou não com o indiscutível aumento do poder de compra e de acesso a bens e serviços nas classes pobres.

 

Claro que havia um ressentimento histórico desta população que tradicionalmente ficou aleijada do mercado de consumo.

 

Além disso, a tragédia neoliberal de FHC exigia a recuperação das forças produtivas e a superação do desemprego crônico a que o Brasil estava submetido depois da quebradeira tucana. 

Mas as grandes questões foram em parte reduzidas à sensação tranquilizadora de bem-estar social.

 
PT e PSDB, os dois partidos predominantes na hegemonia política atual, passaram a disputar o que se chama de "mercado eleitoral". Cada um com sua linguagem e estratégia de comunicação. Ambos tentando atrair uma espécie de CONSUMIDOR ELEITORAL.

 
Logo no início do Governo Dilma, FHC escreveu um artigo dizendo que o PSDB deveria abrir mão do eleitorado de baixíssima renda e concentrar sua atenção no que se chama de "nova classe média", antes que a presidenta, com seu potencial de atingir os setores "mais informados" o fizesse.

 
FHC tinha lá os seus motivos para estabelecer tal raciocínio.

 
Esta chamada "nova classe média" é potencialmente reacionária.

 
A mobilidade social, num primeiro momento, gera sentimentos de euforia, com o novo status adquirido. No entanto, posteriormente, o desejo é de conservação da nova condição social.

 
Este novo "mercado eleitoral" é composto em grande parte por cidadãos religiosos, principalmente evangélicos que aprenderam através das igrejas a organizarem suas vidas e seus orçamentos, já que a educação formal sempre foi privilégio dos ricos.

 
Este consumidor eleitoral está aí. Ainda sem representação política. Querendo fazer valer os seus direitos de consumidor, algo ainda novo para quem historicamente foi desrespeitado.

 Não é de se surpreender, portanto, o fenômeno das intenções de voto em Celso Russomano nas eleições municipais de São Paulo até este instante. Mesmo sem tempo de tevê e mesmo sem um partido forte.

 
Na verdade, estas carências parecem ajudar Russomano a se dissociar da velha política e se colocar como um elemento novo, capaz de representar diretamente o seu eleitor consumidor, sem os inconvenientes e intermediários.

 
Pará quem sempre foi informal e jamais se articulou por meio de instituições, espera-se justamente um representante que bata na mesa e defenda seus interesses. A favor deles e contra os "grandões".

 
Comecei este post falando da subjetividade da sensação de satisfação e terminei falando novamente do cenário eleitoral.


Depois do fim da "promessa" socialista, o mundo deixou de raciocinar com a perspectiva de dois modelos de sociedades possíveis.

 
A perspectiva histórica dos indivíduos está restrita às experiências privadas, desconectadas dos grandes processos sociais.


Resumindo, a satisfação para muitos está ligada ao bem-estar pessoal. Não aos grandes processos políticos.


Os eleitores não votam como cidadãos. Ate porque as pessoas reivindicam sua cidadania provando que são contribuintes e pagam regularmente seus impostos. A mera condição humana não parece ser suficiente para que os indivíduos sejam merecedores de direitos e garantias.

 
Será que o eleitor é só mais um consumidor?

 


2 comentários:

  1. Muito boa a análise. Quando eu estava na faculdade, em 2000, fiz um estudo-reportagem sobre a influência da religião nas eleições municipais daquele ano, na Baixada Santista. O resultado foi assustador, ao ver que o uso do discurso religioso por candidatos a vereador era muito mais intenso que o visto em 1996. E o meu só viu o nascedouro desse fenômeno, já existem estudos feitos mais recentemente, quando isso já se impôs como tendência tão grande que já é capaz de vencer eleições executivas, inclusive podendo sacudir e pautar uma eleição presidencial. E nesse sentido, obviamente que essa tendência, como você disse no texto, surfou na onda da despolitização da cidadania, que foi mesmo um dos pontos negativos da Era Lula.

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  2. Boa tarde! Muito bom o texto! Seria um grande prazer poder contribuir com algum material de nossa autoria. Seguem alguns links de textos:

    IGNORÂNCIA ELEITORAL: BRASILEIRO NÃO QUER GASTAR VELA COM MAU DEFUNTO.
    http://andremansur.com/blog/ignorancia-eleitoral-brasileiro-nao-quer-gastar-vela-com-mau-defunto/

    O PROBLEMA DA EDUCAÇÃOPÚBLICA: UM VERDADEIRO LABIRINTO
    http://andremansur.com/blog/o-problema-da-educacao-publica-um-verdadeiro-labirinto/

    DIA DO ESCRITOR: QUEM ESCREVE HOJE EM DIA?
    http://andremansur.com/blog/dia-do-escritor-quem-escreve-hoje-em-dia/

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