quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Torcedores x Jogadores


Em tempos passados, os torcedores de futebol mais atentos certamente sabiam de cor a escalação de sua equipe do coração.
Os jogadores passavam anos no mesmo clube e criavam uma identificação muito difícil de ser rompida.
Há pelo menos 25 anos, o mercado do futebol europeu passou a levar nossos craques. As ofertas milionárias eram impossíveis de serem cobertas pelos clubes brasileiros.
Com a Lei Pelé, os jogadores deixaram de pertencer aos clubes de futebol e o vínculo entre as partes passou a ser meramente contratual. E nem mesmo os contratos foram suficientes em muitos casos para fidelizar a relação entre jogadores e clubes.
Os times brasileiros parecem ter aprendido a negociar melhor as suas marcas. Contratos de tevê, renda de partidas e licenciamento de produtos ganharam importância relativa no orçamento dos clubes. A venda de jogadores deixou de ser principal fonte de renda dos times de futebol.
Com o advento da Copa do Mundo no Brasil, o processo de mercantilização do futebol parece ter completado seu ciclo.
O futebol foi transformado em um grande mercado de negócios em que as televisões negociam cotas de publicidade milionárias em sua programação.
O torcedor tradicional de futebol deixou de ser interessante para esse grande negócio.
Para os donos do futebol, melhor seria transformar o torcedor em consumidor.
As torcidas uniformizadas foram criminalizadas. O torcedor desejável e valorizado é aquele que compra os produtos oficiais licenciados e vai ao estádio com câmeras, celulares e principalmente dinheiro.
O povo brasileiro que sempre teve o futebol enraizado na sua cultura está sofrendo por se sentir cada vez mais afastado do seu time do coração.



Os recorrentes fenômenos de agressão e perseguição aos jogadores de futebol, embora sejam indesejáveis, nos mostram este conflito entre o negócio e a paixão, o marketing e o costume.
Os jogadores têm uma relação com os clubes privilegiada, em comparação com os torcedores.
Existe uma tensão. Em alguns casos, até um ciúme.
Enquanto os torcedores acompanham seus clubes durante anos, os jogadores possuem um vínculo muito breve. Os jogadores recebem salários altíssimos dos clubes de massa. Já os torcedores se dedicam ao time, gastam dinheiro e sofrem com as derrotas.
Os jogadores enchem a boca para falar que são profissionais. Este parece ser um valor em si mesmo.
A falta de comprometimento do jogador com o clube de futebol causa irritação no torcedor apaixonado. Aliás, a paixão parece não ter mais lugar nesta sociedade. As relações entre indivíduos e instituições são práticas e comerciais.
O estresse entre o torcedor apaixonado e o jogador profissional é um dos fenômenos que revela o incômodo com a apropriação do futebol pela indústria do entretenimento.
Os torcedores devem perceber que os inimigos não são os jogadores de futebol. A agressão e violência só podem servir como argumento para o afastamento dos torcedores dos estádios de futebol.
Uma característica particular do futebol brasileiro é o clube social. As tentativas fracassadas de clubes empresa deixam claro que é impossível fazer com que os torcedores cantem: BRADESCO, DANONE, COCA-COLA ou CHEVROLET. A motivação que orienta um indivíduo a aderir a um clube são identidades sociais muito ligadas à origem e comportamento.
A violência, além de repudiável, é um tiro no pé dos próprios torcedores. Mas jogadores, dirigentes e empresários – que estão ganhando fortunas com o futebol – devem também respeitar o torcedor, sem roubar dos brasileiros a paixão pelo futebol.

Um comentário:

  1. Belo artigo. A simples replicação do modelo Inglês (talvez o modelo mais perfeito de futebol comercial) não funcionará aqui. Temos que achar o nosso próprio modelo de "futebol capitalista" - um que seja viável financeiramente mas que mantenha a chuteira no coração e mente dos brasileiros! Abs

    Carlos Alexandre

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