sexta-feira, 21 de junho de 2013

Protesto Self Service



A vitória alcançada através dos protestos liderados pelo movimento Passe Livre foi gigantesca. Feito inédito e talvez incomparável. Isso ninguém nunca poderá roubar dessa galera.
A sociedade se sensibilizou diante da violência sofrida pelos manifestantes e tomaram as ruas, assumindo a conseqüência de seus atos, lutando por melhores condições no transporte público, numa cidade tão marcada pelos projetos individuais.
Foi o protesto do protesto.
A vitoria não foi pequena. Esta cidade tão acostumada a sentir medo de tudo, venceu seus fantasmas e ocupou as ruas, superando o discurso demagógico e terrorista dos conservadores.
Libertou-se o desejo aprisionado de apropriação do espaço público numa cidade que ao longo dos anos favoreceu a ganância e a especulação, alienando o indivíduo de seu próprio espaço de convivência.
Muito bem. Ponto.
Quero tratar agora do protesto do protesto do protesto.
Não foi apenas o espírito de justiça libertado neste momento tão especial.
Pela mesma porta aberta para os espíritos livres, escaparam monstros e dragões terríveis que durante anos estavam famintos e sofreram mutações aterrorizantes, fruto da crise do pensamento conservador.
Estes monstros são o efeito colateral da degradação do modelo neoliberal e se alimentam de dejetos deixados pelos especuladores e fraudadores dos mercados financeiros mundiais. Foram gestados na escravidão e matam sua sede com as lágrimas de sofrimento da desigualdade e injustiça social. Depois de libertados, os dragões estão furiosos. Ressentidos.  
O triunfo do neoliberalismo ao final da Guerra Fria criou um novo tipo de homem. Aquele que só conhece um modelo de mundo. Que desconhece o contraditório, pois o mundo se tornou “uma coisa só”.
As questões políticas se converteram em dilemas existenciais.
As fronteiras ficaram livres para os capitais e para as mercadorias, porém quase intransponíveis para as pessoas.
Se o Muro de Berlin veio abaixo, muitos outros muros foram levantados. Seja nos condomínios fechados, seja na divisa entre os territórios.
Sem alternativas de modelos, sem aspirações políticas e possibilidade de realizações históricas, restou ao homem culpar os outros homens por seus flagelos pessoais.
O homem retornou a seu estado de natureza e nutriu o desejo de eliminar aquele que está mais distante de sua realidade para preservação de seu modo de vida.
Na Europa, os imigrantes passaram a ser perseguidos como culpados pela falta de postos de trabalho, violência urbana e degradação dos valores culturais.
No Brasil (e na América Latina), o ódio aos pobres e o mal estar pela quebra das velhas e tradicionais hierarquias, atormentou as classes médias urbanas, inconformadas por nutrirem durante anos o desejo de alcançarem os salões restritos às elites, mas não preparadas para compartilharem seus espaços e instituições com quem antes era subalterno.
O conceito de liberdade na nossa sociedade se tornou a mera maximização do desejo de realização individual, imediatamente frustrada quando acompanhada de compromissos e deveres.
Os camarotes Vips tão comuns nas baladas e nos carnavais, estão presentes também nas escolas, nos hospitais, no acesso à justiça, e agora nas passeatas.
Tronaram-se o espaço de garantia de preservação da exclusão social e racial.
Um território almejado por todos, principalmente por quem está subordinado na sociedade, buscando aceitação e pertencimento.
Para além da crise de representação dos partidos políticos, desgaste do discurso político tradicional, incapacidade dos partidos formularem respostas que atendam os anseios e desejos da sociedade. Para além da responsabilidade dos próprios partidos e líderes políticos que foram capturados pelos interesses corporativos do mercado, se rendendo a falta de perspectiva de realizações coletivas, tornando suas agendas pragmáticas e oportunistas.
Para além de tudo isso reside o fato de que numa sociedade tão individualista e desconfiada “do outro”, torna-se muito difícil a aceitação de lideranças políticas e adesão a qualquer movimento político interessado em participar da política tradicional.
Existe uma geração que está muito preparada para administrar relações e situações da esfera privada, mas que reconhece muito pouco as grandes experiências públicas.
Este novo ser não consegue reconhecer no outro, principalmente se ele estiver excessivamente distante, o poder de representar uma coletividade.
Assim como o individualismo parece ser algo muito natural. Até quando se compartilha uma mesa e cada qual dá a atenção ao seu próprio Smart Fone. É natural também considerar o apartidarismo como uma virtude necessária e a ausência de lideranças identificadas com as velhas formas de se liderar.
É muito mais fácil confiar nas informações transmitidas através das redes sociais do que ouvir um longo discurso numa praça pública.
Assim sendo, ainda que os líderes e colaboradores dos movimentos que estartaram a onda recente de protestos tenham sido honestos com seus “seguidores” e com os ideais de seu tempo, a ausência de um discurso comum e de grandes lideranças à altura das também grandes manifestações, possibilitou-se a captura e o galope dos protestos para todo tipo de manifestação oportunista.

Num universo tão heterogêneo de manifestantes, o que se viu nos últimos dias foi uma espécie de bricolagem na arte de protestar.
A Avenida Paulista mais parecia um bloco do “vai quem quer”.
Como em um restaurante self service o manifestante dispunha de um bandejão repleto de opções para protestar.
Cada um escolheu o que lhe parecia esteticamente mais aceitável.
Milhares de cartazes com frases de até 140 caracteres, tal qual certos pronunciamentos da internet.
Num protesto saído das redes sociais, foram ressuscitadas as antigas comunidades do Orkut.
Havia a comunidade dos médicos brasileiros indignados com a vinda de médicos cubanos. A comunidade dos mauricinhos e patricinhas protestando contra o “bolsa esmola”. A comunidade dos advogados que protestavam contra os valores cobrados pela OAB. Os jovens senhores que desejavam redução de impostos. Os que protestavam contra o aborto, por serem à favor da vida, mas ao mesmo tempo defendiam a pena de morte. O protesto das senhoras contra a corrupção do Congresso Nacional. A garotinha de 14 anos que protestava contra a PEC 37 por ser um absurdo. A comunidade dos carecas bombados que caminhavam com camisetas do Capitão Nascimento. E por aí vai!
Manifestavam-se também pseudo-anarco-punks protestando contra o protesto dos outros.
Havia pegação e clima de carnaval.
A máscara do “V de vingança” era primeiro lugar nas paradas de sucesso.
Gosto bastante do filme, mas por trás da máscara do “V de Vingança” cabe de tudo. Principalmente a própria vingança, ressentimento social e político, nostalgia das velhas hierarquias, inconformismo eunuco, e tantas outras coisas.
O que a princípio pode parecer uma manifestação da vitalidade da nossa democracia, nos mostra que simplificar as questões, responsabilizando nossa classe política por conta de todos nossos males é sinal de ingenuidade e infantilidade, pois estamos longe de alcançar um projeto de nação apoiado na sociedade brasileira. Esperamos ainda revoluções de cima para baixo, capazes de ordenar as relações econômicas e sociais orientados por um ser iluminado, hora conciliador, hora severo.
Acalanta-nos o fato de que essa turma sozinha não leva ninguém às ruas. O “Cansei” se cansou facilmente e precisou montar na garupa dos movimentos que lutavam por mais direitos sociais, não por menos.
Certamente, depois das últimas noites de protesto, nossos governantes de todas as esferas e instâncias dormiram mais tranquilos pensando: “ufa, então é isso?”.
Por outro lado, a euforia pelas últimas vitórias foi rapidamente engolida com um nó na garganta de todos aqueles que lutam por justiça e liberdade, com a grave percepção de que chegamos somente na ponta do iceberg.







6 comentários:

  1. É isso mesmo. Chora não neném. Vamos derrubar o governo. Pede pra sair.

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    1. Ridículos! Viva a democracia! Vivas a sociedade que luta por um mundo melhor e não pior! Fora direita! O país está assim por causa de vocês. É que vocês ganharam muito e tem toda a imprensa como porta voz.

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  2. Já era de se esperar que essa massa disforme de reaças de todos os tipos que estão pipocando nas redes viessem a público mostrar sua cara ( ou melhor, sua máscara).Há muito, temos observado a organização de movimentos nazistas, que estão se achando o suprassumo da novidade.Pois bem, que venham, é bom que apareçam e saiam do anonimato. Nesse sentido, foi ótimo a esquerda ter ido para as ruas, pois desmascarou essa chusma que adora fazer comentário como "Anônimo".É mais um aspecto da luta de classes q.saberemos enfrentar com organização política e inteligência.

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  3. Bundão anônimo vem falar que "vamos" derrubar o governo. Tenta em 2014, otário.

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  4. Vem um bundão, que sequer tem coragem de mostrar a fuça, dizer que "vamos" derrubar o governo. Conhece democracia? Então, tenta em 2014. Quem sabe conseguem...

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  5. Lutar por direitos significa lutar principalmente, parao que outros também tenham os mesmos direitos que eu. Muito triste saber que o termo manifestação, outrora honrado pelas legitimas bandeiras que levantavamos tenha sido deturpado pelo capricho de jovens que lutam únicamente olhando para seus umbigos.
    Isto me desculpem os que pensam ao contrário,foi a manifestação do cada um por si, e deus por mim.

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