quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

A Conjuntura do Plano Dilma




Este artigo não carrega a intenção de absolver o Governo Dilma de eventuais frustrações provocadas no conjunto da sociedade, sobretudo em seus apoiadores que enfrentaram inúmeros debates em condições muito difíceis no período eleitoral.


A tentativa é realizar uma análise fria e até certo ponto pragmática sobre a conjuntura em que se insere o segundo mandato da presidenta, as possíveis motivações do Plano Dilma e seus potenciais desenlaces.


Vemos o constrangimento de alguns setores progressistas que se veem obrigados a assistir os conservadores atacando ferozmente a presidenta, mas não por enfrentar as delicadas questões que certamente provocariam a histeria das elites. É o que se esperava a partir da vitória que foi apertada, mas que se deu depois da direita enfurecida utilizar suas armas mais violentas, expor sua face mais destruidora e mesmo assim sair derrotada.


Dilma assiste a oposição malhar sem trégua seu novo mandato, mesmo tendo adotado boa parte do receituário esperado para um eventual governo do PSDB. Mas como no Brasil o ideário político e as propostas de governo são meros vernizes que encobrem interesses inconfessáveis, a oposição ignorou a possibilidade de aclamar uma suposta “vitória programática” e não cedeu nenhum milímetro na tentativa de derrubar a presidenta. Dilma começou o seu segundo governo como terminou o primeiro. Nem parece que foi reeleita pela maioria da população, talvez porque o que se mostrou até o momento tenha sido diferente do debate político que se viu no período eleitoral. Dilma está prestes a perder o apoio de quem a defendeu sem ter conquistado o apoio de quem a alvejou.


Embora seja compreensível a decepção e o constrangimento dos progressistas, é preciso analisar calmamente o contexto das principais ações do “Plano Dilma”.


O Brasil permanece sendo um país da periferia do capitalismo global. Embora nos últimos anos tenhamos alcançado certo protagonismo e ganhado importância relativa na economia mundial, continuamos com nossos destinos atrelados a uma agenda internacional e uma conjuntura que se impõe desde os países do centro até nossas terras tão férteis, porém ainda não completamente independentes.


Mesmo nos países ricos, existem disputas violentas entre as hegemonias locais. Os projetos de desenvolvimento e competitividade destes países, o poder de compra da classe trabalhadora, o fomento do mercado interno e o investimento em infraestrutura esbarram no receituário imposto pelo Mercado (com eme maiúsculo). O argumento parece razoável: o controle dos gastos dos governos e a transparência orçamentária sobre o endividamento dos Estados. Quem em sã consciência poderia se manifestar contra algo que se dá o nome de “austeridade fiscal” ou “metas inflacionárias”? Porém, existe um processo de corrupção histórica. A crise de 2008, oriunda da farra especulativa do Mercado financeiro foi convertida em uma suposta crise de endividamento dos Estados. Como se os países tivessem se endividado custeando suas infraestrutura e cobrindo os gastos sociais. Ora, os países se afundaram justamente socializando os prejuízos e cobrindo o rombo deixado pelos especuladores.


Na Europa, alguns países são governados sob efetiva intervenção do Mercado. Algumas gestões mobilizaram esforços nacionais para superar o atraso provocado pelo neoliberalismo, mas foram gradativamente abduzidas pela ditadura do Mercado. O Papa Francisco tem denunciado a escuridão sob a qual a humanidade tem sido lançada e a incapacidade de orientar o seu destino diante da apropriação das nações pelo capitalismo predatório.


Mesmo o presidente do país mais rico e poderoso do mundo enfrenta dificuldades para restaurar o capitalismo de escala. Recentemente, Obama defendeu a flexibilização das “metas de austeridade”. Sua fala tinha como pano de fundo a eleição do novo governo da Grécia, porém tem olhos internos para os desafios que ele mesmo enfrenta diante do chamado "abismo fiscal" e a chantagem de quem promete fazer "análises de risco" e se colocam como estruturas superiores ao próprios Estado.


Obviamente, o Brasil não está desconectado desta conjuntura que orienta os caminhos das principais nações do planeta. Mais do que uma crise econômica mundial existe uma crise política. Em verdade, os Estados sabem o que precisa ser feito para recuperar o dinamismo e a competitividade de suas economias, no entanto o sistema político eleitoral está capturado por terríveis forças que trabalham exclusivamente para si mesmas. Agir isoladamente, significa um risco grandioso, principalmente para um país emergente como o Brasil.


Os países vizinhos ao Brasil enfrentam dificuldades econômicas imensas. Foram mais corajosos sob muitos aspectos, mas enfrentam também surtos inflacionários mais graves e em alguns casos crise no abastecimento. A economia tem um potencial devastador sobre o ambiente político. Certamente, cada chefe de Estado faz seu cálculo político de quanto é possível suportar diante de determinadas dificuldades impostas ao conjunto da sociedade.


A dura e devastadora realidade é que diante das CONDIÇÕES ATUAIS, o Brasil não reúne potencial para impor uma nova agenda nacional, rompendo com a ordem internacional vigente na últimas décadas. De certo, isso não poderia ocorrer apenas por vontade e uma dose de coragem da nossa Chefe de Estado, mas deveria ser resultado da mobilização e desejo de diversos seguimentos da nossa sociedade, disposta a encarar os riscos e apuros das consequências turbulentas e desagradáveis que certamente viriam.


Necessário seria que tivéssemos uma elite nacional (ou pelo menos seguimentos importantes desta elite) interessadas no desenvolvimento econômico e social do Brasil. Capaz de pensar e encampar uma estratégia de progresso do país para as próximas décadas, o que incluiria preservar nossos recursos, proteger nossas reservas e investir na defesa nacional. Resistir aos ataques especulativos, superando as dificuldades econômicas e canalizando esforços para uma verdadeira revolução na educação pública. Uma elite que se apoiasse no potencial do país e investisse no futuro da nossa gente. Ainda que não fizessem isso por sensibilidade social, mas que fossem realizados grandes investimentos, para depois serem colhidos grandes frutos.


Parece desnecessário dizer que este não é o caso brasileiro. Nossas elites continuam mais perversas do que nunca. Interessadas apenas em adquirir o lucro fácil e viverem como sultões. Nem que isso tenha como consequência a desgraça do futuro do Brasil. Como disse certa vez o Cazuza: “são caboclos querendo ser ingleses”. Entreguistas pela própria natureza. O Governo Lula mobilizou esforços para disputar espaço em determinados setores da elite. Ressuscitou a construção civil, despertou os setores produtivos que estavam estagnados, injetou dinheiro do Estado para fomentar certos “campeões mundiais” do empresariado.


Mas luta de classes é luta de classes. O PT parece não entender que a suposta “aliança” com certos setores da elite é meramente funcional. Na primeira oportunidade eles colocam todos na cadeia! E não existe “brodagem” nem parceria.


Os subsídios públicos, isenções fiscais e demais “incentivos” do Estado para com a elite não causam menor indignação nos setores aparentemente interessados na “redução dos gastos públicos”. Porém, alguns poucos reais pagos aos miseráveis deste país que historicamente estiveram jogados em algum canto passando fome e esperando o dia de morrer, causa revolta nos contribuintes que “carregam este país nas costas”.


A classe média se alia as elites de maneira burra e contrária aos seus próprios interesses. Porém, sem representação política e sem consciência de seu verdadeiro inimigo, jamais apoiaria uma agenda de progresso para o Brasil. O governo largou de mão. Mesmo com tanto talento nas propagandas políticas, não soube construir um discurso capaz de atingir alguns setores da classe média. Não soube explicar de maneira simples o que é “mercado interno”. Os benefícios para economia com a política de valorização do salário mínimo, redução do desemprego e principalmente de combate à miséria.


A classe média se alia à elite com medo de ser confundida com os pobres. Apoia a direita do mesmo modo que no passado os brancos pobres apoiavam a escravidão!


Derrubar o domínio desta elite escravocrata exigiria grande mobilização social. Os setores progressistas deveriam estar articulados e capazes de identificar um inimigo prioritário. Porém, mais uma vez não é isso que se vê. A esquerda brasileira carrega vícios históricos, somados aos novos vícios de uma geração significada a partir da lógica deste “mundo neoliberal”. Os estruturalistas são dinossauros que se encontram vez ou outra por aí. Os movimentos sociais tem múltiplos inimigos, múltiplas disputas, múltiplos interesses, múltiplas pautas de promoção de justiça e igualdade. Produzimos uma geração acostumada a desconfiar do outro e incapaz de reconhecer lideranças. Temos realizado grandes passeatas de caranguejo. A imaturidade política parece ser esteticamente desejável, mas produz resultados inesperados, aleatórios e perigosos.


A esquerda brasileira continua sendo elitista como sempre foi. As discussões que ocorrem nos salões reais da esquerda quase nunca tem equivalência com a vida social da nossa gente. Todos falam em nome das minorias, porém o que se vê menos é o povão mobilizado. Nas redes sociais o bicho pega! Mas basta chegar ao debate alguém desabituado das dinâmicas de discussões de plenária dos movimentos sociais para receber uma carteirada violenta de alguém que se reivindica como emissário consagrado da justiça e paz mundial. Pouca gente joga pra somar. Cada um luta pelo seu quinhão ou pelo próprio empoderamento no “segmento do segmento relativizado da sociedade”.


Claro que o Estado tem feito pouco ou quase nada para fortalecer as mobilizações sociais. É evidente que, sem diretriz, muitos segmentos ficam entregues e desorientados. A inserção social e cidadania “via consumo” dá mostras claras de esgotamento e provoca uma epidemia de infelicidade.


Mesmo com todos os vícios da nossa esquerda, foi ela a grande responsável pela mobilização de diversos setores da sociedade que resultou na vitória de Dilma por uma margem tão apertada.


Dilma corre sério risco pelo “carão” que provocou na esquerda brasileira. Isso pode ser decisivo no futuro, caso precise de “gente que a defenda” e só encontre oportunistas e aproveitadores à sua volta.


Já vimos como as conjunturas interna e externa dificultam e limitam as escolhas de Dilma.


Muitas pessoas imaginam que um bom governo depende apenas da capacidade executiva de um governante, mas não é assim que funciona. Existem pressões das mais diversas. Conspiradores que podem trabalhar na sala ao lado. Golpistas tramando na calada da noite. Governar é como um cabo de guerra. É preciso muita força. As vezes se está com a vantagem e encorajado com o sucesso. Outras o revés parece inevitável e se está prestes a ser batido.


O Plano Dilma não se dá em uma conjuntura qualquer. Marcar posição política é tarefa importante, porém insuficiente neste momento. Analisar as medidas do novo governo descolado do momento político atual torna-se insustentável.


O ministério de Dilma Roussef não é menos conservador do que o Congresso Nacional eleito pela população brasileira. A presidenta começou seu segundo mandato sob evidente e explicita ameaça de golpe. Dê-se o nome que se quiser dar aos contorcionismos jurídicos que se avizinham ou as justificativas políticas dos “defensores da moralidade pública”. Se Dilma vacilar ela cai!


Dilma poderia sim ter feito a escolha de se apoiar na sociedade organizada para enfrentar os inimigos conspiradores. Mas sua escolha em estancar os ataques especulativos e políticos contra seu governo não pode ser desprezada. É uma estratégia! Isso se revelará suficiente ou não no futuro, mas parece claro que Dilma fez uma escolha pragmática e fria neste momento, mas é bom que se diga: de maneira republicana e dentro das regras democráticas.


Não apenas no Governo Dilma, mas em diferentes momentos da vida nacional, os governos que não se subordinaram por completo sofreram ataques furiosos do que já foi chamado por Jânio Quadros de “forças ocultas”. É importante que se diga, governos de esquerda e de direita que causaram algum nível de descontentamento na burguesia foram atacados pela mídia partidarizada. Quase nenhum deles sobreviveu. Interesses externos de forças interessadas em se apropriar das nossas riquezas organizaram golpes e promoveram torturas e violência para garantir o controle do Estado.


Para quem já realizou guerras e massacres por conta do petróleo, o que significaria uma conspiraçãozinha como essa?


Se olharmos para a história, veremos que a principal arma (que antecede todas as outras) é o ataque especulativo sobre a economia.


Como já foi dito, o futuro pode mostrar que a estratégia de Dilma é equivocada, mas pode-se dizer que Dilma tem feito o possível para jogar com o Mercado usando as armas que ele (Mercado) conhece muito bem: a ganância.


O Mercado não tem uma inteligência política única. Ele se articula em torno de interesses instantâneos cotidianos.


A tentativa parece ser estancar o ataque especulativo contra a economia brasileira. Não podemos subestimar os efeitos que poderia produzir sobre a política e a vida social uma desvalorização drástica da moeda nacional, um surto incontrolável de inflação e principalmente um onda desenfreada de desemprego. Não haveria movimento social que daria jeito em uma situação como essa.


Do ponto de vista político é muito mais fácil administrar um crescimento baixo do PIB, mas mantendo a normalidade cotidiana da vida econômica dos brasileiros.


Mais do que isso, no xadrez político, Dilma tira um instrumento poderoso da oposição que fica praticamente sem discurso e sem pauta (pelo menos a pauta que conhece bem), permanecendo restrita às denúncias e escândalos de corrupção.


Não há nada do que devemos nos orgulhar. Nada a ser comemorado. É decepcionante perceber que pouco avançamos em termos de emancipação do Brasil. Mas isso é o que temos para hoje.


Não há conformismo algum. Poderíamos sim ter feito muito mais. Este país poderia ser há tempos uma grande nação.


No entanto, continuamos dentro da nossa tradição de modernização conservadora, ou seja, tentando transformar o Brasil, mas sem ferir os velhos privilégios estabelecidos. Foi assim desde sempre. Com Getúlio, Juscelino… Mas não somos um lugar desprezível no planeta. Também conquistamos importantes vitórias. A história é escrita em letras tortas e aos trancos e barrancos temos avançado. Não da maneira que gostaríamos, mas avançamos.


O sucesso de Lula como presidente se deve em parte ao seu talento como conciliador. Embora Lula não seja um intelectual, ele entende quase que intuitivamente muitas coisas que mestres e doutores demoram anos a entender. Seu governo foi bem sucedido, entre outras coisas, porque soube negociar e (pasmem) manter a ordem econômica e institucional.


Alguns podem desprezar e achar uma grande porcaria (e é mesmo) esta ordem econômica e institucional. Porém lembremos, sempre que estas estruturas se rompem quem paga o maior preço é a população pobre que tem pouco ou nenhum instrumento para se defender.


Dilma tenta costurar uma trégua e inibir os ataques contra a economia brasileira para dar continuidade nas reformas de inclusão social. Não há dúvidas que se caso ela tivesse perdido a eleição, todas as ocasiões políticas já estavam postas à mesa para cortar mais benefícios e privatizar o petróleo. Já estava tudo desenhado.


Ainda esperamos um líder para a nossa revolução nacional? Um São Sebastião? Um enviado? Não será dessa vez. Melhor do que esperarmos alguém que caia do céu para nos defender é trabalhar duro para disputar espaço na sociedade e criar as condições para as grandes transformações que o Brasil precisa. No momento é isso que temos.

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