quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

A REPÚBLICA DA VILA MADALENA





A República da Vila Madalena.



Na pesquisa sobre intenções de voto divulgada no final do ano passado, o que menos chama atenção é a colocação dos pré-candidatos à corrida eleitoral de 2016.

Ainda é muito cedo para traçar prognósticos definitivos e os 12% de intenções de voto para o atual prefeito pode ser considerado até um bom número se levarmos em conta o momento político e as dificuldades da atual gestão. O número é razoável e a tendência das candidaturas oficiais é de crescimento após o início da campanha na tevê e avaliação mais paciente e criteriosa do eleitorado. Não são poucas as eleições em que os candidatos da situação começavam a corrida com números ruins e depois consagraram suas reeleições.

Merece destaque, no entanto, alguns dados referentes à avaliação da gestão do Prefeito Fernando Haddad.

Os mais interessados em compreender e até intervir no cenário eleitoral deveriam verificar a rejeição crescente do Prefeito Haddad entre as camadas mais pobres do eleitorado, sobretudo nas periferias da cidade. Curiosamente, a parcela do eleitorado onde o prefeito recebe maior intenção de voto, é entre o eleitorado com maior poder econômico, ainda que esta seja também a camada onde existe maior rejeição e antagonismo à atual gestão.

As eleições presidenciais de 2014 já evidenciaram a perda de apoio do PT em regiões importantes das periferias da cidade. Dilma perdeu em colégios eleitorais que tradicionalmente votaram em peso nos candidatos do PT.

Claro que cada eleição tem uma características e agendas diferentes. Verdade também que a candidata Dilma é diferente do candidato Haddad. Porém, é temeroso não olhar com atenção o indicativo que veio das urnas.

Ainda que curioso, é compreensível que justamente no eleitorado com maior poder econômico a avaliação de Haddad seja melhor.

Ora, os debates e enfrentamentos políticos da atual gestão fazem muito mais parte do universo de experiências cotidianas dos cidadãos de classe média para cima. Ainda que Haddad seja em grande medida odiado por parte desse eleitorado, é justamente ali onde está sendo travado o debate. Compreensível também que nesta camada ganhe algum apoio.

É evidente que discussões sobre a hierarquia no transporte, limite de velocidade, faixas exclusivas, ciclovias, intervenções artísticas no espaço público, entre outras, são de interesse e recaem diretamente sobre a qualidade de vida da população pobre da cidade, sobretudo quanto as políticas públicas de beneficiamento do transporte coletivo.

É importante também destacar que existem outras ações da prefeitura, como em saúde e educação por exemplo, que vão além daquelas que são mais notadas, criticadas, abordadas e noticiadas pelos grandes meios de comunicação. Mas é burrice desconsiderar que o Prefeito Haddad não terá como marca consolidada nessa gestão a construção das ciclovias. A restrição aos veículos de passeio, sejam por conta dos corredores e faixas de ônibus, seja também pela redução de velocidade também é outra marca importante.

Quem se propõe a ser um agente transformador na política tem que deixar de ser torcedor de partido A ou B e olhar com alguma frieza e distanciamento as circunstâncias que estão postas, ainda que estas causem algum incômodo. Em outras palavras, não dá para mentir para si mesmo.

Cabe algumas perguntas: as ações da prefeitura para as periferias da cidade são sensíveis para essa camada da população? Existe convergência entre o discurso e a comunicação institucional e a percepção das populações mais pobres sobre as políticas públicas da prefeitura para as periferias? O discurso político do prefeito tem aderência entre o eleitorado mais pobre? O discurso do prefeito reflete o universo de preocupações do eleitorado mais pobre? O prefeito tem se empenhado em “falar com o povo”? O prefeito tem visitado as periferias ou fará isso somente no período eleitoral? O prefeito gosta de “botar o pé no barro”?

Para além das “marcas” da gestão de Fernando Haddad, que são muito importantes, corajosas e transformadoras, é possível dizer que sobra pouca coisa que tenha impacto no eleitorado outrora cativo do PT na cidade. Pode-se dizer, com algum pesar, que das três gestões do Partido dos Trabalhadores em São Paulo, esta é a que deixa marcas mais opacas e políticas públicas que possivelmente serão menos reconhecidas entre os mais pobres.

Haverá quem diga que ciclovia não é coisa de rico. Verdade. Que a restrição aos veículos de passeio e que a reorientação da hierarquia no transporte sejam de benefício direto para os moradores da periferia. Outra verdade. Porém, a política não se faz esperando apenas que os outros te entendam. É preciso se fazer entender.

É preciso também ganhar apoio da sociedade para tocar os grandes processos de transformação. Claro que existe em São Paulo um ranço reacionário e conservador. Porém, muitas vezes é melhor disputar espaço, convencer, fazer política e tentar aderência para que os ganhos sejam permanentes. Melhor do que irritar a população e resolver as coisas de cima para baixo. Põe-se a perder as grandes conquistas na mesma velocidade com que estas são implementadas.

Ainda que o aumento nas tarifas de ônibus seja uma necessidade orçamentária frente as perdas com a inflação e os asfixiantes subsídios que a prefeitura paga aos tubarões do transporte público, o momento político não podia ser pior para essa verdadeira paulada na tarifa.

Ao que parece, Haddad não aprendeu nada com 2013.

O Governador do Estado finge estar preocupado com sua parcela de “contribuição” para os protestos de rua. Mas, na verdade, a truculência da polícia cria o caldo para a combustão social necessária para colocar o povo na rua “contra o PT”. Alckmin sabe que pouca coisa “pega nele”. Sabe que recebe tratamento carinhoso da grande imprensa. Sabe que não é o mandato dele que será julgado esse ano. Sabe que povo na rua foi o que faltou para animar as tentativas de impeachiment no final do ano passado. Sabe que ao descer o porrete no povo, aumenta a mágoa dos movimentos populares e a percepção de que a vida urbana é insuportável pra quem é pobre.

Fernando Haddad é um dos prefeitos com maior e melhor conhecimento intelectual que já tivemos nessa cidade. Perto de outras figuras que fizeram história por aqui ele “flutua”. Mas, flutua demais.

Haddad é honesto, corajoso e inteligente. Porém não consegue ampliar sua visão para além do mundo que ele conhece. Ao que parece governa de olho na Vila Madalena.

Os debates oriundos da gestão de Haddad são importantíssimos para a cidade. Talvez, no futuro ele seja reconhecido por ter enfrentado essas questões. Porém, enquanto ele parece querer se consagrar no que se pode chamar de “esquerda moderna” o bicho está pegando pra valer. Ainda tentamos superar a São Paulo do século XIX. Para nós, é uma delicia discutir com quem tem uma visão limitada e retrógrada sobre o que é a gestão de grandes cidades. É fácil para quem está na universidade, que teve a chance de viajar e conhecer outras experiências de cidade e contar tudo isso nos bares da vida. É divertido chamar um reaça de coxinha.



Mas falta o beabá da política para essa gestão. Falta falar com o povo. Esse aumento da tarifa foi um soco na boca do estômago. O Haddad tem que sair da Vila Madalena mental a qual ele está submerso e ao menos deixar de desprezar importantes interlocutores que podem ajudar nessa tarefa e apoiar sua gestão que chega agora ao crepúsculo. É preciso ganhar apoio, não mais perder.

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