segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O 11 de Setembro e a América do Sul



Os países da América do Sul, historicamente, viveram processos políticos interligados.
Até porque as antigas colônias européias sempre tiveram a mercê da agenda política e transformações sócias das metrópoles.
No século XX, com a ascensão dos EUA como grande potência, a América do Sul teve seus processos políticos subordinados aos interesses norte-americanos. A teoria Monroe, desde o século XIX expressava um proclamado “destino manifesto” dos EUA como protetores dos países americanos, articulando a idéia de “América para os americanos”.
Declarações de independência, governos populistas, processos de industrialização tardia, ditaduras militares, abertura democrática e governos neoliberais. Estes processos ocorreram de maneira concomitante nos países sul-americanos.
Um dos períodos mais duros de nossa história foi durante a Guerra Fria. Na disputa entre Estados Unidos e União Soviética pela hegemonia global, os países ao sul do continente não puderam optar por nenhuma alternativa. Ditaduras militares foram apoiadas pelos EUA como forma de controlar a região.

Nesta semana, o mundo relembra o ataque às Torres Gêmeas e ao Pentágono em 11 de Setembro de 2001.
Embora este período de dez anos seja ainda muito pequeno para uma compreensão histórica mais ampla, podemos traçar brevemente algumas transformações ocorridas na América do Sul após o ataque terrorista contra os Estados Unidos.
Na virada do século, a grande ambição dos EUA para a América Latina era a organização da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). A engenharia política norte-americana visava persuadir os países do continente para adesão ao novo bloco.
A década de noventa estava marcada pela consolidação dos mercados comuns continentais.  No caso dos países latino-americanos, a grande dificuldade se dava pelo fato de que uma área de livre comércio inevitavelmente prejudicaria os países com menor competitividade. Disputar mercado com os produtos industrializados dos EUA seria praticamente impossível para os países concorrentes. Enquanto os EUA contavam com linhas de financiamento, juros baixos, investimento em pesquisa e parque industrial já desenvolvido, as economias do sul viviam o panorama inverso, com uma política industrial precária e sistemas econômicos caóticos. Aos países sul-americanos estaria reservada a missão de exportar produtos primários para os EUA e ser “cliente preferencial” na compra de seus manufaturados, que geram ao produtor muito mais empregos e desenvolvimento econômico e social.

Houve muita resistência interna nos países do sul contra a ALCA. Havia uma saturação do modelo neoliberal e países como Brasil e Argentina viviam crises sem precedentes em suas economias com recessão econômica e elevados índices de desemprego.
Após o atentado de 2001, os Estados Unidos fixou sua pauta política internacional no combate ao “eixo do mal”. George W. Bush priorizou desmantelar os Estados que apoiariam as atividades de grupos terroristas.
Duas guerras foram eclodidas. Afeganistão e Iraque.
O governo Bush “passou por cima” do Conselho de Segurança da ONU. Os argumentos que se confirmaram frágeis de que o Iraque abrigaria armas de destruição em massa e a truculência com que os EUA bombardearam seus inimigos gerou um sentimento de rejeição nos países sul americanos.
A decadência econômica do sistema neoliberal, “vendido” pelo Consenso de Washington como a salvação dos latino-americanos, deixava milhões de desempregados nas cidades da América do Sul.
Era como se despertasse um sentimento de que os sul-americanos deveriam enfim divorciar seus interesses dos EUA.
Após 2001 foram eleitos governos que apresentavam divergências sensíveis com a pauta estadunidense. Lula (Brasil), Néstor Kirchner (Argentina), Bachelet (Chile), Morales (Bolívia), Lugos (Paraguai), Correa (Equador), Tabaré Vasquez e José Mujica (Uruguai), além de mais recentemente Ollanta Humala (Peru). Hugo Chavez já havia sido eleito no final dos anos 90 na Venezuela.
Neste período, o aliado preferencial dos EUA tornou-se a Colômbia. Com o argumento de combate à atividade guerrilheira dos narcotraficantes, a Colômbia autorizou os EUA a ocuparem bases militares em seu território. Esta decisão contrariou o interesse dos demais países do continente.
O grande destaque da política externa brasileira na última década foi a Cooperação Sul-Sul. Depois de longas décadas, os Estados Unidos deixaram de ser o principal parceiro comercial brasileiro. Além do aprofundamento das relações com os países da América Latina e Caribe, o Brasil passou a dar atenção especial a parceiros antes negligenciados como Oriente Médio, África, Rússia, China e Oceania.
Da mesma forma, o Brasil passou a ser um importante interlocutor entre os países em desenvolvimento e os países ricos. As sutis relações entre a política externa comércio exterior conferiram ao Brasil um papel de destaque e um posicionamento geoestratégico interessante.
Nesta última década Brasil e Argentina abandonaram a histórica disputa ao menos pela condição de “grande amigo” dos Estados Unidos na região.
A Argentina, que logo nos primeiros meses após o atentado de 11 de setembro nos Estados Unidos passou por uma convulsão econômica e política, perdeu mais de 10% de seu PIB no espaço de apenas um ano. Em 2001, ano do atentado, a Argentina tinha mais de 27% da população considerada indigente.
A recuperação econômica argentina teve como um dos pilares a suspensão do pagamento da dívida com o FMI e a posterior renegociação dos pagamentos. O Brasil foi escolhido como parceiro comercial prioritário. A Venezuela se tornou uma das maiores consumidoras dos produtos Argentinos.  O país recuperou sua capacidade produtiva, reorganizando sua política cambial.
Mas um ator foi fundamental para a recuperação econômica e o conseqüente sucesso político dos governos sul-americanos da última década. Enquanto os EUA focavam sua atenção em duas guerras na Ásia, a China tornou-se a principal consumidora das commodities dos países do continente. Isso influenciou decisivamente no equilíbrio das contas externas  destes países.
Enquanto Bush destilava sua ira contra os “inimigos do mundo livre” e demonstrava sinais claros de incompreensão sobre a realidade geopolítica, um líder se destacou pelo poder de articulação com o “baixo clero” da comunidade internacional. Lula ganhou status de líder mundial e a política externa brasileira, marcada pelo “soft power” contrastou com o “hard Power” estadunidense e alcançou resultados importantes para o país.

Alguns críticos duvidam do sucesso da política externa brasileira nesta última década e consideram desnecessárias as posições tomadas pelo Brasil, sobretudo na política do Oriente Médio. No entanto, os resultados políticos e econômicos do Brasil são visíveis.
Na América do Sul, o Brasil se consolidou como a grande potência regional. A importância do Brasil, aliás, hoje vai muito além do nosso continente. Juntamente com Rússia, índia, China e África do Sul (BRICS), o país compõe um bloco que serve de alento para o mercado global em recessão.
Se a América do Sul começou a década sendo pressionada para adesão à ALCA, ao final do período havia consolidado a UNASUL que vem se confirmando como um importante fórum de articulação entre as agendas políticas dos países da região. Até mesmo a Colômbia que inicialmente apresentava uma maior resistência quanto à organização do bloco, agora revê sua estratégia e até mesmo reconhece a importância da UNASUL durante o período de crise com a Venezuela.
Ao final do governo Bush, os EUA mergulharam em uma grave crise econômica. Se o país ainda se mantém como maior potência militar do globo, fica clara sua perda de poder financeiro e a capacidade gerenciarem sua hegemonia global.  Aliás, a condição de liderança internacional exige o respeito e adesão da comunidade mundial que parece ter perdido esta referência, após o governo Bush.
A crise mundial levou à desorganização do discurso conservador liberal. As forças políticas conservadoras na América do Sul, tradicionalmente incorporaram a agenda política dos EUA e da Europa. Agora, sem uma referência programática, estão desarticuladas e perdem espaço político em seus países.
A América do Sul dispõe de uma janela de oportunidades. O 1º mundo sofre os efeitos da “era Bush” e nosso continente se consolida como um grande laboratório da nova economia global que deverá prever desenvolvimento, justiça social e responsabilidade e preservação dos recursos naturais.

6 comentários:

  1. Entendo seu ponto de vista no desenvolvimento do texto (apesar de não ter essa visão tão pessimista e caricaturizada de hierarquias bem definidas).
    Mas não visualizo em nada uma liderança do Continente Americano na promoção da justiça social, responsabilidade social e preservação dos recursos naturais.
    Até agora, ao que vejo no Brasil, há sim uma certa ascensão das classes menos desfavorecidas, mas muito pelo caminho do assistencialismo e em parte puxada pela economia de "trem desgovernado" com a qual a política brasileira parece assentir. A justiça social se faz hoje pelo caráter de importância econômica que as classes C e D vem ganhando e não por uma mudança de consciência social.
    Quanto a preservação ambiental, acho que dispensa comentários!

    Enquanto aqui nos trópicos copiarmos modelos ultrapassados do VELHO mundo a coisa continuará na mesma com espasmos de soberania e longos períodos de coma induzido!

    Acredito numa mudança de paradigma buscando novos parâmetros centralizados na felicidade e bem estar social, isso sim nos levará ao patamar não de laboratório, mas à verdadeira semântica que o termo NOVO mundo merece!!!

    Gde Abraço Castilho,
    Bruno Torelli

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  2. Brunão, entendo que os Estados sulámericanos estão justamente desenvolvendo suas políticas de bem-estar social, ainda que tardia e com uma estrutura possível, para as condições atuais. O que voce chama de assistencialismo, é justamente a organização deste aparelho de proteção do Estado.O impulso das classes C e D, se dá justamente por estas políticas "assistencialistas". Considero temerário pensarmos que estas políticas de tranferência de renda atrasam um ganho de consciencia social. Como se a classe pobre fizesse suas escolhas estimuladas por motivações menores e menos importantes do que as escolhas da classe média. Tanto é que houve um ganho de consciencia crítica que as políticas sociais mudaram o mapa político da América do Sul.

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  3. vc viaja muito. desde quando comunismo é alternativa? o Brasil foi salvo pelos militares e pela sua sociedade civil, que rejeitou a seita vermelha. isso de fornecer comoditties pros eua... e a china? agora somos quintal da china. como é comunista aí vc acha bom. até agora a esquerdinha brasileira NÃO FEZ NADA MELHOR que os militares. armas do pt: bolsa voto e corrupção. a mendicãncia só aumenta. os bolsistas agora COMPLEMENTAM o bolsa-voto roubando e pedindo. venha em Salvador, Estado petista, e veja nossas sinaleiras. são pobres POLITIZADOS. sabem que são a MILÍCIA DO PT.

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  4. Ninguém falou nada de comunismo, meu amigo. Procurei fazer uma análise na conjuntura política na América do Sul depois do 11set. Se você discorda da minha análise, pode pontuar os seus argumentos. Seria melhor do que fazer uma defesa fascista do governo militar. Sua sanha direitista nada mais faz do que colaborar com meus argumentos, já que este discurso atrasado está cada vez mais derrotado no continente. Ele nada mais é do que do que uma sangrenta nostalgia fora de moda.
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    A crise mundial levou à desorganização do discurso conservador liberal. As forças políticas conservadoras na América do Sul, tradicionalmente incorporaram a agenda política dos EUA e da Europa. Agora, sem uma referência programática, estão desarticuladas e perdem espaço político em seus países

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  5. Rafael, você ignorou alguns itens. O Brasil pode até ser uma potência regional, mas apenas econômica e isso fica claro por sermos a sexta maior economia do mundo atualmente. Porém, politicamente o país não tem qualquer domínio regional como está bem longe tê-lo.

    Apesar de Lula ter mergulhado em questões estratégicas internacionais, tanto ele como Dilma, não conseguiram manter uma relacionameto tão centrado em seus próprios vizinhos. Se por um lado foi bom para se mostrar, levar o país à outra esfera, foi ruim por não ter resolvido absolutamente nada. Caso do acordo entre Brasil-Turquia-Irã e a crise política de Honduras.

    Além disso, veja o caso da união econômica entre Colômbia, Peru, Chile e México (e futuramente Costa Rica). A Aliança do Pacífico é um claro rival ao Mercosul e, pior, é uma direta rejeição ao Brasil como potência regional. E há também toda a questão golpista do Paraguai cujos meios de execução foram ignorados e a única tarefa aceita foi a rejeição deste país até as próximas eleições.

    A América do Sul nunca esteve tão dividida. Enquanto o lado leste trocou o principal parceiro pela China, o lado oeste parece ainda estar voltado aos EUA. Por enquanto, o Equador e Paraguai estão isolados.

    Contudo, concordo que ao "prender" os EUA em guerrinhas particulares, Bush possibilitou que os países latino americanos aparecessem mais, soltassem as asas. Agora veremos qual o modelo deles para voltar à ser aquela potência político-economicamente que conhecíamos (se é que vai conseguir). Se for no "big stick", a decadência deles irá acelerar.

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  6. Bruno Torelli é sábio.
    Um exemplo de alma livre.
    Uma mente não engessada pela "academia" . . .

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