quinta-feira, 3 de julho de 2014

O fim do Orkut e o preconceito social na internet





O fim do site de relacionamentos Orkut poderia ser analisado tão somente como um fenômeno do mercado da internet e da tecnologia. Seria possível pensarmos em como é efêmero o sucesso nesta sociedade de consumo e a velocidade com que as modas passam no mercado digital.

Mas existem outras questões que colaboraram decisivamente para o ocaso instantâneo do Orkut e seu inevitável fim.

Eu que não sou nada atento às tendências da internet, ainda que tenha um blog muito prosaico há quase quatro anos, certa vez cometi uma gafe que não pensava ser tão grave. Ao ver duas amigas posando para uma foto com uma belíssima paisagem ao fundo, exclamei:

- Olha só! Foto para Orkut, heim?

A resposta foi seca e amarga:

- Facebook, por favor...

Fiquei intrigado em tentar saber o porquê de o Orkut, outrora tão badalado, causava agora constrangimento e embaraço.

Não sou do tipo que se atualiza rápido. Demoro em perceber certas novidades cotidianas. Parecia-me muito curioso me dar conta que as mesmas pessoas que até outro dia se divertiam e se esbaldavam no Orkut, agora se mudavam rapidamente para o Facebook. Uma debandada instantânea que parecia dizer: “o último que sair é o mais brega”.

Na ocasião me ocorreu dizer que o Orkut era a Praia Grande dos sites de relacionamento. Todo mundo havia se divertido aos montes por lá. Mas agora, algumas pessoas sentiam vergonha de dizer.

Entre outras coisas, o Orkut morreu porque as classes pobres que recém descobriam a internet passaram a frequentar a rede social. Rapidamente, o site ficou identificado como “coisa de pobre” na internet.

No Facebook estaríamos mais protegidos dessa “gente de mau gosto”.

Imediatamente à migração coletiva, muitos comentários na nova rede reclamavam de uma suposta “orkutização” do Facebook.

O Brasil é o país dos camarotes Vips. Seja nas baladas, nos estádios de futebol, no carnaval, nos hospitais, nas escolas e universidades. Não seria diferente na internet.

O grande pavor que redundou no fim do Orkut é a igualdade social. A desigualdade já faz parte da vida mental dos brasileiros. Estar no mesmo “status” ou “comunidade” de gente considerada “abaixo” nas classes sociais, faz com que as pessoas ameaçadoramente pareçam iguais. E o brasileiro sente horror à igualdade.

Na internet circulavam, e de alguma maneira ainda circulam, as chamadas pérolas do Orkut. São fotografias com pessoas se divertindo de maneira supostamente ridícula. Coisa de pobre, diriam uns e outros.

A recente mobilidade social, ainda que tímida, permitiu com que boa parte da população pudesse desfrutar certos bens de consumo e frequentarem espaços onde antes sequer poderiam entrar.

É absolutamente compreensível que ao aspirar pertencer ao que se entende por classe média, as pessoas incorporem certos códigos socialmente identificados com o sucesso econômico.

A foto de uma pessoa tomando uísque junto à piscina de plástico pode parecer ridícula para quem está acostumado a frequentar locais de veraneio. Do mesmo modo que para um estrangeiro pode parecer curioso um brasileiro de classe média voltando de viagem com uma dezena de malas cheias de mercadorias de lojas que para eles são tão comuns.

O desejo de consumo das classes pobres causa espanto em quem se acostumou a desfrutar uma posição relativamente privilegiada na pirâmide social. Melhor seria se os pobres dessem atenção às suas necessidades consideradas básicas como educação e moradia. Porém, na prática não é assim que funciona. Neste país o prestígio está diretamente ligado ao poder de compra. À aquisição de bens de consumo e de certos códigos de riqueza, que na prática funcionam como crachás de distinção social.

Qual o triunfo mais visível do neoliberalismo senão a construção de uma sociedade individualista onde o desejo de consumo orienta, motiva e movimenta as populações. Criamos uma sociedade em que você vale o que você tem. Se assim funciona em todas as esferas, por que então a população pobre desejaria coisas diferentes do que é valorizado no conjunto da sociedade?

É bem verdade que pode parecer esquisito uma pessoa ainda não acostumada a desfrutar de certos bens de consumo ostentando isso na internet. Porém, mais sofrível que isso é quando a indústria cultural se apropria de certas expressões culturais das classes pobres brasileiras, resignificando e colocando em nova embalagem para a classe média consumir.

Daí surgem aberrações como o Baile Funk para “Patricinhas” e “Mauricinhos”, além do Forró ou o Sertanejo “Universitários”. Apropriam-se de expressões culturais originais, subtraindo um sentimento genuíno que aparentemente é inconveniente do ponto de vista estético e transformam num movimento que embora se chame “universitário”, não tem nada de inteligente. Ao contrário, serve como expressão de exclusão e preconceito.

A menina que tira foto de biquíni, tomando sol na laje de uma casa na periferia brasileira pode parecer ridículo. Ora, o que falar então do filhinho de papai que sai cantando por aí que “o Morro do Dendê é ruim de invadir”?

O fim do Orkut nos mostra que a inclusão daqueles que estavam “em baixo” na sociedade, automaticamente exerce uma pressão para os que outrora estavam “em cima” subam mais ainda. A simples promessa de igualdade com quem antes estava abaixo na escala social, faz com que alguns automaticamente se sintam mais pobres. Isso vai muito além das redes sociais. É algo que se sente nas grandes cidades brasileiras. Não é à toa que vivemos uma crise de percepção de felicidade nas classes médias urbanas e que exista uma insatisfação crônica em certos setores. Muitos sentem-se mais pobres ou com a necessidade de se tornarem mais ricos.

A classe média sente pavor da pobreza. Até porque a classe média brasileira ainda é muito recente. Na vida das pessoas ainda é muito viva a memória de pobreza. São muito raras as famílias que têm três gerações de abastados. Em geral, as lembranças ainda são de um passado em que os avós eram retirantes ou imigrantes esfomeados. Esta é uma lembrança que atormenta.

As “pérolas do Orkut” causavam pavor porque as pessoas se viam naquelas condições. Só achavam graça porque conhecem muito bem aquela realidade.

A classe média se alia politicamente e incorpora como seus os interesses da elite. Tudo isso num enorme esforço de pertencimento.

Da mesma forma que usam grifes de roupas caras costuradas por algum trabalhador escravizado em alguma oficina clandestina escondida por aí. Incorporam novos códigos para pertencer.

3 comentários:

  1. E por falar em redes sociais: What's on your mind? http://t.co/eLX3Ej1KHO via @youtube.

    ResponderExcluir
  2. Ah se todos tivessem acesso a este texto! Entao nao é verdade que o sonho da elite é eliminar o pobre. Quem quer eliminar o pobre é a classe média por senti-lo tao próximo! A elite nao está nem aí, pois seu mundo é outro, mesmo que dividam o mesmo espaço físico a elite nunca vai perder seu status para o pobre.

    ResponderExcluir