terça-feira, 5 de março de 2013

A importância de Hugo Chavez

A década de 90 foi marcada pela consagração do projeto neoliberal na América Latina.

Imediatamente após a queda do Muro de Berlim e o colapso dos Estados sob influencia da União Soviética (inclusive a própria URSS), o discurso liberal ortodoxo se proliferou com voracidade.

Não havia mais espaço para contestações e os países ao sul dos Estados Unidos da América que viviam sob as tensões do período da Guerra Fria, não dispunham mais da "promessa" do socialismo como alternativa ao projeto de desenvolvimento subordinado aos interesses norte-americanos.

Se nas décadas anteriores a ferramenta de dissuasão da "ameaça" comunista foram as ditaduras militares sangrentas impostas na maioria dos países do Sul, nesta nova década, que se iniciava com o desaparecimento da União Soviética, a coerção tornou-se moral.

Os políticos falavam com toda a pompa em "choque de capitalismo".

A "esperança socialista" seria a grande culpada pelo atraso na modernização dos países latino americanos.

Os políticos engomadinhos ganharam rápida projeção e popularidade repetindo mantras como eficiência, concorrência e competitividade.

No conjunto da sociedade isso também ocorreu. Os Mauricinhos, antes vistos como ridículos, rapidamente ganharam destaque. Os yuppies chegaram com mais de uma década de atraso em "latinoamérica".

Os emergentes faziam de tudo para ostentar suas quinquilharias importadas, compradas após a abertura econômica desenfreada que gradativamente foi destruindo o já precário parque industrial dos países subdesenvolvidos.

Os sindicatos e movimentos sociais poderiam fechar as suas portas, pois já não fariam falta a mais ninguém. O capitalismo venceu e a história teria chegado ao seu fim.

As pessoas deveriam encontrar respostas nos livros de auto-ajuda. Esta seria a melhor maneira para buscar a superação dentro de si próprio. Tornar possível a convivência neste novo mundo repleto de competitividade e eficiência, deixando de procurar inutilmente um inimigo político causador das mazelas individuais.

Obviamente, as raízes do subdesenvolvimento nos países da América Latina eram muito mais estruturais do que ideológicas, o "choque de capitalismo" causado pelo desfibrilador do Livre Mercado não pôde reanimar por muito tempo os Estados do sul, repletos de precariedades históricas. Ao contrário, em médio prazo só vieram a agravar os problemas estruturais das economias e aprofundar as desigualdades sociais.

Quando Hugo Chavez assumiu a presidência da Venezuela os países "emergentes" viviam sob ataques especulativos. O próprio Mercado (com M maiúsculo) desconfiava da capacidade dos Estados honrarem suas dívidas e manterem suas economias nas bases absurdas que este proprio Mercado ditou. Na prática, os especuladores sabiam que aquele modelo não se sustentaria por muito tempo. Quem "investiu" ganhou o que pôde e a partir de então foi um salve-se quem puder.

Depois da euforia inicial, os países latino americanos contaram com índices de desemprego assombrosos, economias com baixíssimo crescimento e falta de capacidade de investimento, com consequente caos em suas infra-estruturas.

Chavez, tão logo assumiu, conduziu um processo de nacionalização da economia venezuelana. A idéia era superar com alguma rapidez a crise econômica apoiando os setores produtivos, fazendo do Estado o grande indutor do desenvolvimento econômico, regulando o mercado e assumindo sua responsabilidade na diminuição das desigualdades sociais.

Claro que isso não seria possível sem que fosse estabelecida as bases de uma nova hegemonia política. Chavez percebeu que havia um ator ainda alijado do jogo político e encontrou no subproletariado sua principal base de sustentação política.

Até então, o jogo político estava restrito aos chamados "formadores de opinião", com grande peso das classes médias urbanas.

Embora inicialmente Chavez contasse com grande apoio da classe média, o presidente percebeu que esta seria facilmente cooptada pelo discurso conservador. Temerosa por perder o status adquirido e os pequenos privilégios, a chegada à classe média de um grande contingente populacional, outrora subordinado, causava incômodo nos setores mais conservadores.

Por outro lado, quando Chavez decide investir politicamente nessa massa de venezuelanos como mola propulsora do modelo chavista, cria-se um problema de representação política. De uma maneira geral, Chavez manteve relações interessadas com certa parte da elite econômica. Claro que pouco a pouco foi forjando esta elite segundo seus interesses, provocando fissuras e abismos, como no caso da imprensa. Mas ao estabelecer parcerias com parte desta elite e mobilizar incrível energia política para atrair as camadas mais pobres, as classes medias urbanas passaram a carecer de representação política no âmbito do Chavismo.

Mais do que qualquer presidente do seu tempo, Chavez buscou agudizar as transformações sociais e políticas no que chamou de Revolução Bolivariana. A propaganda de governo lembrava os processos chamados de "populistas" ocorridos na Argentina nos anos 40 e 50 com Perón e no Brasil dos anos 30, 40 e 50 com Getúlio Vargas.

Em geral, são chamados de populistas todos e quaisquer governos que buscam sustentação popular em suas ações políticas para além das alianças regulares com a oligarquia.

Mas no caso de Chavez, deve-se dizer que o uso da propaganda política foi sim exagerado e seu discurso parecia até mesmo anacrônico sob muitos aspectos.

Hugo Chavez interferiu exageradamente nas instituições venezuelanas e foi desnecessariamente centralizador, perdendo a grande oportunidade de fazer um sucessor político que pudesse garantir a continuidade do projeto.

Existem muitas criticas que podem ser feitas ao presidente Chavez. Mas não se pode aceitar com seriedade quando seu governo é acusado de ditatorial.

As eleições foram livres, com a presença de observadores internacionais. O presidente aprovou reformas na constituição que permitiram que ele se candidatasse a um novo mandato. Porém, não foi nada diferente do ocorrido no Brasil de Fernando Henrique Cardoso.

Houve por diversas vezes manifestações livres contra seu governo com a presença de milhares de pessoas. Muito diferente do que ocorre em verdadeiras ditaduras.

Em verdade, foi justamente o presidente Hugo Chavez que foi vitima de um golpe tramado com a complacência dos Estados Unidos que se apressaram em reconhecer um novo governo composto por aventureiros marginais.

Chavez chegou a ser detido. Mas, surpresa! Não contavam com sua astúcia e ele voltou nos braços do povo num episódio que reforçou definitivamente sua figura como um grande guia da nação venezuelana.

Efetivamente, a condição de vida das camadas mais pobres da Venezuela mudou muito. Houve avanços expressivos e sensíveis na saúde e na educação.

As conseqüentes intervenções econômicas provocaram permanentes ataques especulativos e a maior dificuldade do governo foi o controle da inflação, muito alta nos anos de Chavez no poder. Os índices foram maquiados, existindo uma fissura entre a economia formal e a paralela.

Mas Chavez não foi importante somente na Venezuela.

Sua figura foi verdadeiramente decisiva no novo desenho da geopolítica da América do Sul.

No inicio deste novo século, uma agenda estava dada como certa para os países americanos. Deveria ser implantada como um rolo compressor pelos governos leais ao império dos Estados Unidos. A ALCA, Área de livre comercio das Américas permitiria que mercadorias circulassem livremente entre os países do continente que deveriam abrir mão de suas barreiras comerciais e suas políticas de proteção aos mercados internos.

Ora, os Estados Unidos poderiam exportar com facilidade seus produtos manufaturados. Já os demais países deveriam se contentar em fornecer produtos primários, sem valor agregado e sem desenvolvimento de uma cadeia produtiva, tendo em vista que seria impossível competir com os produtos ianques. Enquanto os estadunidenses poderiam "exportar" sua moeda, os demais países tinham serias dificuldades infraestruturais e taxa de juros elevadas para financiamento da produção que impediam a competição com igualdade de condições.

Em conjunto com os novos governos eleitos no Brasil e na Argentina, Hugo Chavez mandou literalmente a ALCA "al carajo" num marcante evento ocorrido em Mar Del Plata na Argentina.

Antes de Chavez, a ALCA era considerada como um destino inexorável. Depois dele, tornou-se um projeto sepultado antes mesmo de ter nascido.

Evitando os erros das experiências de governos do passado, Chavez buscou em todos os momentos superar o isolacionismo. Só assim poderia criar o ambiente para as transformações ambicionadas e garantir maior segurança estratégica contra a pressão dos EUA.

Tornou-se parceiro comercial fundamental para a recuperação da economia Argentina, desgraçada pelo desmonte neoliberal de Carlos Menem. Gerou condições objetivas para que o governo Kirchner lograsse condições de adquirir estabilidade política num momento de impasse na Argentina.

Da mesma forma, apoiou os novos governos da Bolívia e do Equador. Influenciou, é verdade, o processo decisório destes países, apoiando economicamente os governos de Evo Morales e Rafael Correa. Mas soube criar um bloco (ALBA) para consolidação e cooperação de seus projetos políticos, em países marcados por governos frágeis em permanentes conspirações.

Aliás, este é o ponto, o estilo de Chavez poderia ser encarado como provocativo, caso seu governo (e de seus vizinhos) seja visto de maneira isolada. Mas falamos aqui de democracias precárias e governos frágeis. Os golpes de Estado jamais foram novidades nos países da América Latina. A mobilização nacional e a concentração das energias políticas eram ferramentas retóricas de Chavez.

Enquanto George Bush se desgastava em suas guerras no Oriente Médio, a América Latina - com impulso econômico da China - conseguiu reunir condições políticas para importantes transformações.

A UNASUL foi importante forum político dos Estados sul americanos. Para além da cooperação econômica, a instituição foi fundamental para superar crises entre os países membros, como as tensões entre Colômbia e Venezuela, por exemplo.

O século XXI ainda está florescendo. Mas já é possível dizer que Hugo Chavez Frias foi seu principal nome, até o presente momento.

Certamente, a América Latina era uma antes de Chavez, agora é outra muito mais forte e bem posicionada.

Durante mais de uma década, Chavez impôs duríssimas derrotas à oligarquia escravocrata do continente.

Justamente por isso, ele incomodou tanto e jamais será perdoado por seus inimigos.

Assim como Evita Perón, que dedicou seus melhores dias no poder para se dedicar aos miseráveis e injustiçados, denunciando o abuso das elites e seu entreguismo. Não foi perdoada sequer em seu leito de morte. Enquanto padecia, a residência oficial foi pixada com os dizeres: "Viva o Câncer".

A América Latina continua sendo um continente colonizado.

Qualquer um que fale em nome de sua independência continuará sendo tratado como um caudilho.

Qualquer líder que coloque à frente os interesses nacionais será chamado de autoritário.

Qualquer chefe de Estado que tenha um olhar sensível às injustiças, para além dos interesses ordinários das elites será acusado de populista.

Chega a ser curioso, a oligarquia Sul Americana acusando Chavez de ser um ditador. Logo estes que historicamente conspiraram e patrocinaram sangrentas ditaduras neste infeliz continente.

A verdade é que Chavez colaborou decisivamente para a democracia. Valorizou a democracia. Pois de agora em diante, qualquer força política que proponha se submeter à vontade das urnas, terá de olhar também para os mais pobres, caso contrário será rejeitado.

Este povo não aceita mais ser subjugado. Não mais subordinará seus interesses aos interesses dos poderosos.

Isso é definitivo.







3 comentários:

  1. Excelente texto, mas faltou contextualizar as relações com o Brasil e Lula! Parabéns!

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  2. Parabéns pelo texto porém algus pontos estão faltando e faltou falar sobre sua influencia com outros países.

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