quarta-feira, 18 de maio de 2011

A Broa Encantada (2008)


Sinto na pele o conflito. Ou seria na alma? Não sei. O que por vezes me dói na boca do estômago pode bem ser algo além do físico. Além do psíquico. Provavelmente moral.
                        Intrigante mistério da vida. Talvez seja inútil tentar desvendar ou estabelecer uma linha limítrofe entre o corpo e a alma. Acho que por vezes meu corpo manifesta um desajuste de espírito, ou ao contrário, meu bem estar mental não se põe satisfeito por não ter sido devidamente alimentado através do gozo.
                          Por estes dias sentei-me com minha filha na mesa de jantar. Era madrugada. Passamos um lindo dia de sol na praia acompanhado de amigos. Voltamos pela estrada escura ouvindo música. Conversando. Cantando e falando sobre as coisas da vida. Ou pelo menos o que cada um de nós conseguiu absorver desta experiência tão interessante que é ser um vivo. Ela com onze e eu com trinta e dois. Frente a frente nos olhamos. Sorríamos em silêncio e encontramos uma verdade superior na broa de milho.
                          Estávamos com fome e fomos caçar o que comer. Encontramos um Nescau aqui, um leite acolá, algumas torradas e ela me disse:
- Papai, sabe o que eu adoro?
- O que?
- Pão de milho – disse falando baixinho quase sussurrando para não acordar os avôs.
                           Mexi mais fundo no armário e disse:
- Tó
                            Uma embalagem intacta que meu pai deve ter trazido da padaria. Era meia dúzia de broas de milho. Fresquinhas. Ás duas da manhã
- Tem requeijão, papai?
- Tem também.
                            Ela me conta com um sorriso incontido suas peraltices no colégio. É uma moleca. Que imita a diretora, que tal menina é fofoqueira, que quer ser professora de história, que vai se casar com um menino de uma “boy band” americana que esqueci o nome. Como pude esquecer o nome do meu genro. Que cabeça a minha!
                             Eu também falei das minhas peraltices. Das palmadas na bunda que tive de tomar. E ela ria. Lembrava das palmadas que eu dei ou dos tombos que teve de levar, ao invés das palmadas. Tudo com riso. Com cumplicidade.
                             Servi-me de um mate. Olhava para aquela menina em plena metamorfose. Sorríamos um para o outro. Aquilo era uma oração. Nossas almas se serviam de nossos corpos e nossos corpos expressavam o astral legal que rolava através de risinhos, boca cheia, caretas, piscadelas e beijocas. Ah, e a broa de milho. A menina devorava uma por uma.
                             O prazer e a benção estavam na fome, na saúde, na sorte de a broa estar no lugar certo e na hora certa. Olho para a embalagem. Ainda resta a etiqueta com o preço:      
 -R$ 1,29
                            Tanto e tão pouco. Tão pouco e tanto. Não só na broa, meus amigos. Na vida. Procuramos coisas que nos pareçam valiosas e a verdade do universo está na broa de milho que está ao nosso redor e a gente nem percebe.
                            Obrigado a Deus. E obrigado ao homem ou a mulher que fez a broa. Seja quem for, tornou nossa vida mais feliz depois do seu trabalho. Feliz de corpo e feliz de alma.


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