quinta-feira, 19 de maio de 2011

Malecón


O que era uma chuva intermitente se transformou em garoa. O inverno cubano poderia ser considerado tênue não fossem os ventos fortes e o mar que rapidamente decide-se em se revoltar. Pelo menos não é ainda a época dos furacões.
 
     A chuva se foi, os ventos fortes também. Rapidamente a sensação de calor prevalece. Desci ao saguão do hotel para comprar um puro. Nos demais paises de língua espanhola os famosos charutos cubanos são chamados de habanos,mas na própria Havana o tabaco é chamado intimamente de puro. Pode parecer clichê vestir um chapéu panamá e fumar um charuto nas férias em Cuba, mas desde jovem me encantavam os charutos. Não fumo cigarro, que me parece uma compulsão, além de não gostar do sabor, mas os charutos  me parecem reflexivos e sempre me agradaram. A diferença é que aqui nas ruas de Havana posso comprar um bom charuto a cada esquina pagando bem menos, além de ser aceito em qualquer bar ou restaurante, sem que as pessoas façam caretas ao sentir o cheiro e a fumaça.

     No bar do hotel rolava um cha-cha-cha. Sentei-me à mesa e me servi de um mojito. Havia um casal de coroas dançando alegremente. Pareciam eufóricos, um pouco bêbados também. Mas os dois dançavam impressionantemente bem. A mulher devia ter mais ou menos uns 55 anos. O homem parecia um pouco mais jovem. Talvez tivessem a mesma idade. Gostaria muito de saber dançar. Naturalmente não sou uma pessoa tímida e sem muita dificuldade consigo me relacionar, mas se eu soubesse dançar conseguiria me comunicar de uma maneira mais genuína e abreviada.

     A coroa conseguia ficar sexy com sua dança alegre, ainda que fosse uma mulher visivelmente feia. Este é o poder da dança.

     Decidi caminhar pela orla. Coloquei uma roupa leve, um chinelo e encarei a garoa que havia se decidido por permanecer. A avenida estava quase às escuras, aliás, são poucos os lugares que são iluminados. Mas em nenhum momento fui sequer ameaçado por quem quer que seja. Carregava uns poucos pesos conversíveis no bolso. Os pesos cubanos são restritos aos cidadãos da ilha. Os turistas devem comprar os pesos conversíveis chamados de C.U.C.

    Subi no muro do Malecón e fui caminhando, saindo do Vedado em direção ao centro. As ondas batiam com força naquele muro de pedras. Algumas vezes eu me molhava, mas o melhor de tudo era respirar aquela maresia. Pensei muito na minha vida. Há muito tempo eu esperava por aquela viagem. Aliás, o tempo era a grande incógnita que eu tardava em desvendar. Será que deveríamos esperar tanto tempo para realizar nossos desejos? Será que existe realmente este tempo ou ele é uma mera ilusão? Esperar o que? Será que existe um lugar chamado felicidade, outro lugar chamado experiência ou mesmo um local chamado estabilidade? Acho que estamos sempre despreparados para tudo e o melhor da vida é se surpreender e enfrentar o que está por vir. Somente aprendemos a pedalar sem as rodinhas porque existe alguém que decide por nós que sim e em algum momento deixa de nos apoiar e sem que se de conta estamos pedalando sozinhos. Talvez se dependêssemos de nós mesmos para decidir em correr os riscos de um tombo esperaríamos por muito mais tempo. Algumas pessoas são mais autônomas e auto-suficientes. Eu ainda estou tentando aprender. Parece papo de auto-ajuda, mas era exatamente isso que eu estava sentindo.

    Caminhei por mais de uma hora. Estava encharcado da cabeça aos pés, mas meu charuto permanecia aceso. Acho que fiquei mais forte naquela noite. O tempo, a idade, o dinheiro, os fios de cabelo ou os quilos pareciam meras abstrações. Não estava eufórico. Sentia-me como se tivesse assistido a minha própria vida apoiado numa janela.

      Cheguei ao quarto do hotel quase desfalecido. Estava muito leve e não consegui pronunciar sequer uma sílaba. Mas de verdade, elas me pareciam absolutamente desnecessárias. Nenhuma droga seria capaz de proporcionar aquela sensação de desfalecimento. Na impossibilidade de tomar banho, simplesmente tirei a roupa e me joguei na cama. Adormeci imediatamente.



Um comentário:

  1. Espero brevemente viver a minha experiência em Cuba. Quanto à sua, um belo extrato.

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